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Estado de Minas

Jovens deixam de tomar insulina para emagrecer

Transtorno causado por adolescentes com diabetes tipo 1 que não aplicam insulina para emagrecer já afeta até 20% dos pacientes em Minas. Consequências podem ser insuficiência renal, cegueira, coma e morte


postado em 22/02/2013 06:00 / atualizado em 22/02/2013 10:39

A busca por um corpo magro parece não ter limite. No país em que a obesidade alcança quase metade da população (48,5%), segundo o Ministério da Saúde, adolescentes entram em um universo de risco que pode levar à morte. Portadoras de uma doença crônica, o diabetes tipo 1, elas deixam de tomar a insulina, fundamental para o organismo funcionar, para emagrecer. O resultado pode ser problemas nos rins, cegueira e coma. O transtorno, ainda com poucas estatísticas, foi apelidado por especialistas de diabulimia e preocupa os médicos. Estudos internacionais indicam que entre 30% e 40% das adolescentes que têm o tipo 1 do diabetes desenvolvem a diabulimia. Em Minas e no país, médicos estimam que entre 10% e 20% dos  doentes apresentam o transtorno.

O diabetes tipo 1 surge principalmente na infância e torna os portadores dependentes das aplicações de insulina. As células de insulina produzidas no pâncreas são destruídas e os pacientes precisam ser medicados diariamente para manter os níveis satisfatórios para o organismo. Sem o hormônio, o corpo não absorve a glicose do sangue e o alimento não é metabolizado. Com isso, há urina em excesso e perda de peso rápido. Está armada uma bomba-relógio prestes a explodir. Se as doses não forem administradas adequadamente, as pacientes podem entrar em coma rapidamente e morrer.

Segundo os médicos, o problema é que as adolescentes aplicam as próprias doses de insulina, sabem que há perda de peso e driblam a vigilância dos pais, sem medir as consequências. O presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes e diretor-presidente do Instituto da Criança com Diabetes em Porto Alegre, Balduíno Tschiedel, alerta: “Elas vendem a alma ao diabo”. “O que querem é só o resultado, mas é a omissão do principal combustível para a vida delas”, alerta.

“A glicose muito elevada pode levar a um quadro grave conhecido como cetoacidose diabética e à morte. Se o diabetes fica descompensado por longo prazo, elas não conseguem mais ter controle da glicose e têm complicações na visão, nervos e rins, principalmente”, explicou a endocrinologista Janice Sepúlveda Reis, coordenadora do ambulatório de diabetes tipo 1 da Santa Casa.

Ela diz que dos diabéticos tipo 1 que apresentam o transtorno 90% são garotas de 13 a 19 anos. Algumas, alerta a médica, quando percebem que o corte momentâneo da insulina causa emagrecimento rápido, o fazem em uma semana para ir 3 a 4 quilos mais magras a uma festa. A média é que se percam 10 quilos por mês. “Tenho pacientes que já estão com a saúde comprometida. Elas passaram a ter internações com glicose alta, omitem tanto a dose que na hora que acordam para o problema não conseguem mais repor”, explicou Janice. No país, há 12 milhões de diabéticos, 10% com  a forma mais comum na juventude.

Socorro

Com a diabulimia instalada, a adolescente precisa de ajuda urgente. E foi num pedido de socorro da filha C., de 16, que A. acordou para o problema. Diabética desde os 4 anos, C. começou a provocar vômitos após as refeições, na tentativa de perder peso, transtorno conhecido como bulimia. “Ela já tinha apresentado indícios, mas não achei que fosse sério. Mas um dia ela me pediu ajuda”, conta a mãe. A jovem começou a frequentar um psicólogo, os vômitos cessaram, mas a vontade de ficar mais magra não. Sem  perder o peso que queria, passou a não tomar as doses de insulina. “Achei que ela estava melhorando, que não vomitava mais, mas entre uma consulta e outra, ela contou que estava escondendo a insulina”, disse A.

Um verdadeiro drama começava na família. C. dizia ter se esquecido de tomar o medicamento e não media o nível de glicose. “Até o dia em que flagrei e passei a acompanhar. Ela não queria mais medir no aparelho porque seria registrado e eu ia perceber que a situação não era boa. Ela estava jogando a vida pela janela”, contou a mãe. C. entrou em depressão, segundo os médicos, quadro típico de adolescentes com diabetes tipo 1.

“Ela não tinha vontade de viver. Parece que tudo surge ao mesmo tempo, amizades, namoros, todos os problemas da adolescência. O diabetes é uma doença complicada e os jovens querem ser iguais aos outros, tomar alguma coisa, não querem hora para comer, mas não pode ser assim”, afirma A. A jovem foi internada duas vezes às pressas para receber altas doses de insulina e soro glicosado. Hoje, com a ajuda da família e de uma junta médica, C. busca formas para aumentar sua expectativa de vida, passou no vestibular e vai começar a fazer faculdade. Mas os pais não descansam, a vigilância é constante.

Palavra de especialista

Eduardo Wagner Aratangy, supervisor do Instituto de Psiquiatria
da Universidade de São Paulo (USP)

Sequelas irreversíveis


“A diabulimia não é um diagnóstico registrado, mas recebeu o apelido por misturar diabetes melittus tipo 1 com comportamentos típicos de transtorno alimentar. Sem a medicação, o paciente perde peso rapidamente, mas tem consequências rápidas. Em meses, pode desencadear cegueira,  retinopatia diabética, insuficiência renal, neuropatia, perda de sensibilidade tátil, problemas de cicatrização. Em casos graves leva ao coma por causa de níveis muito altos de glicose, podendo evoluir para convulsões e morte. Deixar de usar a insulina é uma bomba-relógio, é grave, perigoso, enfim, as pacientes que não cuidam da diabetes corretamente têm um prognóstico ruim. Se junto disso ainda usam laxantes, diuréticos ou têm bulimia, a expectativa de vida é curta. São sequelas, na maioria das vezes, irreversíveis.”

Problema mental

Diabéticos de uma fundação de transtornos alimentares do Reino Unido fazem uma campanha para que a diabulimia seja reconhecida na medicina como um problema mental. O Diabetic Information Service NHS (Serviço de Saúde Nacional do Reino Unido) divulgou em janeiro que está recebendo cada dia mais mulheres entre 15 e 30 anos com sintomas da doença, saltando as doses de insulina para perder peso. Entre abril de 2010 e março de 2011, foram 8.472 pessoas com diabetes tipo 1 internadas com cetoacidose diabética (complicação aguda grave) em hospitais da Inglaterra e País de Gales.

 

 


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