Rio de Janeiro – O oncologista Roberto Gil defende um tratamento holístico e mais humano para os pacientes de câncer. Ele descartou qualquer relação da doença com a atividade sexual. Gil lembrou que, durante algum tempo, a preocupação dos médicos e seus pacientes com câncer se limitava ao tratamento. “Hoje, a gente percebe que existem muito mais pessoas vivendo depois do diagnóstico. E vivendo com a doença em atividade, mas sob controle”. Para ele, a preocupação maior é com a qualidade de vida.
Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e membro do Serviço de Oncologia Clínica do Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Ministério da Saúde, Gil disse que um motivo de preocupação é o aumento da incidência de câncer de pulmão entre as mulheres no Brasil. A estimativa do Inca é que surjam 10.110 novos casos da doença em mulheres, este ano, no país. Ele ressalta, porém que os dados mais significativos ainda são de câncer de mama, que deve registrar 52.680 novos casos em 2013. A doença é responsável por 22% de novos casos novos a cada ano. Em segundo lugar, aparece o câncer de colo uterino, com previsão de 17.540 novos casos ao longo do ano.
Sobre o câncer de pulmão, o médico disse à Agência Brasil que já se conseguiu estabelecer alguns parâmetros entre a liberdade feminina e o crescente envolvimento da mulher no setor produtivo. “E isso se confundiu com a liberdade também para fumar. Acho que a gente está pagando um preço por isso”.
No caso do tumor de próstata, Gil disse que durante um bom tempo, os profissionais deixaram em segundo plano a questão da sexualidade do homem vítima da doença. “Hoje, houve uma mudança de comportamento e as pessoas, apesar de mais velhas, de mais maduras, continuam mantendo vida sexual ativa. Essa questão começa a aparecer cada vez mais nos consultórios, nas relações entre os oncologistas e os pacientes”.
Os tumores de mama, de colo uterino e de próstata, de maior incidência, envolvem diretamente a sexualidade dos pacientes, tanto pela natureza da doença, como em função do tratamento. Essas patologias, muitas vezes, podem ser tratadas por um arsenal terapêutico que envolve bloqueio hormonal, acarretando problemas na libido, na ereção do homem, na sexualidade. “Essa é uma questão que a gente tem que levar em consideração na hora de decidir um tratamento”.
Roberto Gil disse que a medicina conseguiu minimizar em grande escala a agressividade cirúrgica de algumas intervenções. A partir de um diagnóstico precoce, os médicos são capazes de tratar um câncer de mama com cirurgias conservadoras que preservam a mama e que mantêm a integridade estética na paciente. “Isso é muito bom. Foi um grande salto na qualidade de vida das mulheres”. Ele destacou que, ao mesmo tempo, vem crescendo a agressão farmacológica que interfere diretamente na sexualidade e é preciso mudar isso.
Na semana em que se comemora a mulher no mundo, o oncologista sustentou a necessidade de se adotar uma visão holística da paciente. “Essa pessoa deve estar capacitada para continuar o dia a dia dela, para continuar tendo vida normal, sem grandes modificações, porque isso é essencial. As pessoas vão viver cada vez mais e devem preservar todo o conjunto de coisas que compõem a qualidade de vida, entre elas, e muito importante, a sexualidade”.
Para Gil, essa questão deve estar sempre presente no processo de discussão entre médico e paciente, embora venha sendo muito negligenciada. Ele admitiu que ainda há um longo caminho a ser percorrido, já que há dificuldades na abordagem de alguns temas de forma mais profunda. O ponto positivo é que já começa a existir uma preocupação com a visão objetiva da doença e não o seu entorno.
Ele disse que as sociedades médicas e os profissionais têm um papel fundamental a desempenhar nesse aspecto para que um indivíduo com câncer nunca seja visto como uma patologia, “mas como um ser humano integrado em sociedade”. O oncologista sustentou que o diagnóstico precoce pode salvar muitas vidas e contribuir para que o tratamento seja o menos agressivo possível, "porque quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores as chances de sucesso com o tratamento e menor a agressão que ele vai provocar”.
O câncer de colo uterino é o segundo tumor mais frequente na população feminina e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Com o diagnóstico precoce, as mulheres têm chance de cura total, segundo o médico. “O Brasil hoje, como uma potência econômica, não pode conviver com índices de incidência de [câncer de] colo uterino nas taxas que temos”.
Para Gil, é preciso também prevenir o câncer de pulmão nas mulheres, a partir do combate firme ao tabagismo. Sobre o câncer de mama, ele destacou a importância da mamografia. “São doenças com uma grande incidência, mas que hoje a gente já tem alternativas para diminuir a sua incidência e a sua mortalidade”.
O oncologista recomendou que essas recomendações cheguem a toda a população. E não apenas para setores específicos: não ficar restrito às capitais, mas conseguir espalhar a orientação também no interior do país. “A gente precisa vencer essas barreiras para que esses números se transformem em uma realidade semelhante à que a gente já tem nos países desenvolvidos”.