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Estado de Minas

Software permite visualizar o cérebro com detalhes jamais reproduzidos antes

Pesquisadores cortam órgão em lâminas ultrafinas que, depois de escaneadas, se transformam no modelo tridimensional mais detalhado feito até hoje do centro do sistema nervoso humano


21/06/2013 10:15 - atualizado 21/06/2013 10:13

O cérebro de uma mulher de 65 anos, sem histórico de males neurológicos, foi conservado em parafina antes de ser seccionado em fatias
O cérebro de uma mulher de 65 anos, sem histórico de males neurológicos, foi conservado em parafina antes de ser seccionado em fatias (foto: ERHARD ZEISS/DIVULGAÇÃO)
 

Brasília – Da cabeça aos pés, os médicos conhecem, há séculos, cada nervo, músculo e osso da anatomia humana. Um órgão essencial para a compreensão das doenças mais desafiadoras do mundo moderno, contudo, permanece misterioso. Embalado pelo crânio, o cérebro, com seus bilhões de células, é um labirinto pouco explorado. Não por falta de interesse – afinal, é nele que reside o segredo da cura para males neurodegenerativos e psiquiátricos, como Alzheimer e esquizofrenia. O problema é conseguir visualizar a complexidade das reações químicas ocorridas lá dentro entre neurônios e outras estruturas minúsculas, que, diferentemente do que acontece com outras células do corpo, não podem ser cultivadas em laboratório.

Desenvolver um cérebro artificial para estudos tem sido o sonho de neurocientistas, mas as tentativas não resultaram em modelos tão precisos quanto o necessário. Agora, ele virou realidade e pode ser explorado, sem custos, por qualquer pesquisador cadastrado no portal Cbrain (https://cbrain.mcgill.ca), da Universidade de McGill, no Canadá. Na capa da edição desta semana da revista Science, pesquisadores canadenses e alemães anunciaram o Big Brain, software que permite visualizar o cérebro humano em tecnologia de altíssima resolução, com detalhes anatômicos jamais reproduzidos anteriormente. O modelo virtual foi construído a partir de um órgão verdadeiro, de uma mulher de 65 anos, sem histórico de doenças neurológicas nem psiquiátricas.

Depois de conservar o cérebro em parafina, os cientistas o fatiaram em mais de 7,4 mil seções de 20 mícrons cada uma – o mícron corresponde a um milésimo de milímetro, ou um milionésimo de metro. As camadas, então, foram escaneadas, e as imagens inseridas no software. No fim, surgiu o Big Brain, que revela não apenas os tecidos, mas mostra, detalhadamente, as células e as moléculas cerebrais, a partir de 0,02mm de tamanho. De acordo com Peter Stern, editor sênior da Science, o modelo é 50 vezes mais preciso, em cada uma das três dimensões, que as imagens obtidas por ressonância magnética. Esse exame gera também imagens do órgão em 3D, mas com resolução mais baixa e sem o nível tão profundo de detalhamento. De acordo com os pesquisadores envolvidos no projeto, o Big Brain pode ser considerado um atlas da anatomia cerebral em escala micrométrica.

“Agora, podemos estudar questões que não podiam ser investigadas previamente, porque requerem resolução em nível celular. A estrutura física do cérebro não é o mais importante, o que conta mais é a localização dos sinais elétricos dentro do órgão”, observou, em uma entrevista coletiva, Karl Zilles, principal autor do artigo e pesquisador do Centro de Pesquisa Jülich, na Alemanha. “O cérebro é uma estrutura extremamente organizada, por isso é importante entender o funcionamento de cada tipo de molécula e de célula”, disse. Zilles afirmou que, agora, será possível estudar com precisão a distribuição dos receptores de neurotransmissores – a falta ou o excesso dessas substâncias químicas naturais estão por trás de uma série de doenças, que vão da depressão ao Parkinson. “O Big Brain terá importantes implicações para a biologia molecular e para a farmacologia”, considera. A ferramenta integrará o Projeto Cérebro Humano, da Comissão Europeia.

Algumas das lâminas produzidas: ao todo, foram 7,4 mil cortes
Algumas das lâminas produzidas: ao todo, foram 7,4 mil cortes (foto: ERHARD ZEISS/DIVULGAÇÃO)
Precisão

Alan C. Evans, professor de neurologia da Universidade McGill, conta que os neurocirurgiões estão particularmente interessados no Big Brain para incrementar o tratamento do mal de Parkinson. Atualmente, é possível inserir eletrodos no cérebro dos pacientes para estimular pequenos choques elétricos, que têm como objetivo normalizar a atividade dos circuitos envolvidos com o movimento e, consequentemente, com os tumores. “Você ainda não elimina totalmente o sintoma porque há um problema: não se conhecem todos os locais do cérebro em que essas reações acontecem. Elas são invisíveis com a tecnologia disponível. Agora, será mais fácil encontrá-las, porque temos uma resolução espacial muito melhor.”

Outra doença que poderá ser mais bem estudada é o Alzheimer. Embora já existam terapias experimentais de eletroestimulação profunda, os neurologistas não sabem exatamente onde agir. “A questão é: qual o alvo certo? Onde devemos estimular?”, explica Evans. “O tamanho dessas áreas é tão pequeno que nem as melhores imagens de ressonância magnética conseguem mostrar. Para saber a resposta, precisamos olhar para uma única fibra nervosa ou um feixe de nervos, e isso só pode ser explorado quando temos um modelo do cérebro humano em altíssima resolução, pois assim podemos estudar a distribuição dos neurônios que são importantes para o funcionamento dos processos cognitivo e de memória. Com o Big Brain, será possível localizar boas regiões para estimular”, disse.

Os pesquisadores reconheceram que, apesar do avanço, a nova ferramenta não permite o estudo do cérebro de crianças e de jovens, que é diferente do de adultos. Questões como a formação e o amadurecimento do órgão, portanto, não serão resolvidas pelo projeto.

Ainda assim, Karl Zilles garante que não consegue imaginar nada tão revolucionário para a pesquisa neurocientífica quanto o Big Brain. “Em termos tecnológicos, não creio que teremos coisa parecida nos próximos 10 ou mesmo 20 anos”, afirmou, na entrevista coletiva.

Nos EUA
Em abril, o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou que o país também terá um programa de investigação do cérebro, o Brain Initiative. Estima-se que serão investidos US$ 3 bilhões nos próximos 10 anos, com objetivo de desvendar o padrão de doenças neurodegenerativas. O Congresso americano, contudo, ainda não aprovou o orçamento.


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