Todo mundo tem curiosidade de saber suas origens. Muitos constroem uma árvore genealógica, conseguindo resgatar parentescos distantes, para além de tataravós. Agora, cientistas retrocederam 160 gerações da história dessa grande família que é a humanidade. Juntando análises genéticas de 95 grupos e informações sobre eventos complexos, como a expansão do Império Mongol, eles construíram um atlas das interações humanas ao longo dos últimos 4 mil anos.
Os pesquisadores da Universidade College London constataram que quase todas as populações atuais são o produto de miscigenações que, ao longo dos milênios, ocorreram tanto entre povos vizinhos quanto entre indivíduos separados por milhares de quilômetros de distância. Eles analisaram amostras genéticas de 1.490 indivíduos de 95 populações, de onde catalogaram 474.491 marcadores do DNA. Os dados foram inseridos em um computador, que gerou um algoritmo. A partir daí, calculou-se a época em que grupos diferentes se encontraram, gerando descendentes que carregaram, no DNA, essa miscigenação.
“Muitos pesquisadores estão estudando o DNA humano e a história, e isso tem revelado como as pessoas se espalharam ao redor do globo”, explica o geneticista Garrett Hellenthal, principal autor do estudo. “Essas migrações produziram distintas populações, com pequenas diferenças genéticas entre elas. Quando esses grupos se reuniram por motivos diversos, como novas ondas de migrações ou devido a invasões, e as pessoas tiveram filhos, ocorreram as misturas, que deixaram assinaturas no DNA de cada um. No nosso trabalho, usamos material genético de pessoas de todo o planeta para identificar quando ocorreram essas misturas e quais grupos deram origem a elas”, esclarece Hellenthal.
Um exemplo é a construção do Império Mongol. Muitos autores acreditam que o exército de Gengis Khan tenha deixado uma forte herança genética pela Ásia, à medida que conquistava povos no continente. De fato, o estudo constatou que seis populações asiáticas descendem dos guerreiros mongóis, carregando assinaturas genéticas típicas da etnia desde o século 11, quando o famoso conquistador se lançou em campanha militar. “Acreditamos que essa é uma forte evidência de que a expansão mongol teve um impacto maior sobre os povos eurasiáticos do que se imaginava”, diz Hellenthal.
Simon Myeres, do Departamento de Estatística da Universidade de Oxford e coautor da pesquisa, explica que, para saber quando as misturas ocorreram, a tecnologia, batizada de Globetrotter, faz os cálculos a partir das características dos segmentos de DNA. “Quando ocorre a miscigenação genética, o DNA dos descendentes se torna uma mistura de cada grupo que se juntou. Pedaços desse DNA são passados para todas as gerações subsequentes, incluindo as atuais. Então, os genomas dos indivíduos modernos, que descendem das populações que se misturaram, contêm segmentos herdados de cada um dos grupos originais”, diz.
“Além disso, devido a um processo chamado recombinação genética, que ocorre a cada geração, o tamanho dos pedaços de DNA herdados de cada população reflete quando a mistura aconteceu. Em geral, se os genomas dos indivíduos carregam longos segmentos ininterruptos de cada DNA herdado, a miscigenação ocorreu recentemente. Ao contrário, se os segmentos são menores, a mistura aconteceu há muito mais tempo”, explica.
O antropólogo evolutivo Daniel Falush, do Instituto Max Planck, em Leipzig, compara o genoma a uma paleta de cores. “Cada população tem sua paleta particular”, diz Falush, que também assina o estudo, publicado na revista Science. “Se você tivesse que pintar os genomas das pessoas que descendem dos maias, por exemplo, teria de misturar cores de espanhóis, africanos ocidentais e nativo-americanos. Esse mix data de 1670 d.C., o que é consistente com descrições históricas segundo as quais espanhóis e africanos entraram nas Américas por volta dessa época. Embora não possamos, diretamente, retirar amostras de DNA dos grupos que se misturaram no passado, podemos recuperar muito do material genético daquelas pessoas, graças à paleta de cores de seus descendentes. Isso é bastante interessante”, avalia.
Brasil
Ele conta que, por enquanto, há poucos dados sobre o restante da América, incluindo o Brasil. Contudo, na base do Globetrotter, há informações genéticas dos caritianas e suruís, grupos indígenas do norte do país. “Projetos que já estão em curso incluem detalhar mais as populações do Caribe, da Etiópia e das Américas”, revela.
Além de fornecer informações sobre o passado, a pesquisa terá implicações para os povos contemporâneos, diz Simon Myeres. “Entender bem as semelhanças e as diferenças genéticas entre os diferentes grupos humanos é uma questão-chave de saúde pública”, defende. “Algumas populações têm risco maior de desenvolvimento de algumas doenças, e a eficácia de medicamentos também varia significativamente. Mutações genéticas raras, particularmente, ocorrem de formas muito diferentes entre os povos e entender seu papel na nossa saúde é uma área que demanda intensos esforços de pesquisa atualmente. Esperamos, no futuro, incluir sequenciamentos ainda mais detalhados para entender melhor essas mutações.”