O trabalho, que tomou como base 34 astros de características variadas, já foi adotado por diversas pesquisas, incluindo o ambicioso projeto Gaia, que pretende mapear as estrelas da Via Láctea. A arte de descrever os pontos luminosos sofria com a falta de padronização das pesquisas, que usavam diferentes pontos de referência para descrever os astros. Na grande parte das vezes, o Sol era escolhido como modelo para os astrônomos, mas a sutileza da formação e do desenvolvimento desses corpos muitas vezes não correspondia ao processo pelo qual o Astro-Rei passou em sua curta existência.
“Na galáxia, há várias estrelas diferentes. Gigantes-vermelhas como Aldebarã, têm uma atmosfera totalmente diferente. É vermelha, fria e muito grande, se comparada ao Sol”, diz Paula Jofre, pesquisadora do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge e principal autora do catálogo estelar.
Essa foi a primeira vez que um grupo de pesquisadores se dedicou exclusivamente a estudar uma grande variedade de classificações estelares e produzir um trabalho padronizado desde o princípio. “Embora algumas das estrelas sejam conhecidas, as incertezas quanto às suas propriedades são grandes. Isso é astronomia”, ressalta Paula . “Nossa biblioteca tem dados muito, muito bons, então nossas incertezas vêm principalmente de modelos e métodos considerados na análise das estrelas. Tentamos quantificar isso.”
Mensurar uma estrela não é como pesar um objeto ou medi-lo com uma régua. Dependendo do tamanho, da cor, da composição química, da estrutura atmosférica e da gravidade, ele pode ter uma diferente história e interagir com seus arredores de forma distinta. A medida mais significativa usada pela astrônoma de Cambridge e sua equipe para descrever os astros galácticos foi a metalicidade, isto é, a quantidade de metal presente na composição das esferas formadas principalmente por hélio e hidrogênio.
Concentração O nível de metal presente na estrela é como um relógio cósmico, que permite calcular a idade estimada do astro. “No caso das estrelas, a gente não pode medi-las diretamente. Então, a gente observa a composição química, o que é feito por meio da análise de um modelo”, ressalta Jorge Mendez, professor do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).
Para descobrir que tipos de elementos estão presentes nos objetos, os cientistas usam a técnica da espectroscopia (veja infografia). “A informação da estrela é gravada usando detectores que conseguem desdobrar a luz das estrelas nos seus componentes mais básicos. Assim, conseguimos enxergar linhas escuras num espectro, e essas linhas são relacionadas com a composição química da estrela”, ensina Mendez. Quanto mais intensa for essa marca escurecida, maior tende a ser a concentração de metais no objeto. E, quanto mais metal, mais jovem ele é.
Os cientistas usaram sete métodos para analisar as observações de alta resolução colhidas das estrelas usadas como modelo e criaram descrições detalhadas, que incluíram características como tamanho, distância, temperatura e a gravidade superficial do astro. Em conjunto, esses principais aspectos podem revelar mais informações sobre a história do objeto estudado e, por consequência, da formação da galáxia.
Referência
O trabalho, descrito recentemente na publicação especializada Astronomy & Astrophysics, pode melhorar os métodos usados hoje para estudar estrelas e já é referência em diversas pesquisas em andamento. O projeto Gaia é definitivamente a maior delas e vai usar os dados colhidos pelos pesquisadores para produzir o maior mapeamento tridimensional da Via Láctea já feito. O satélite vai registrar o brilho, a cor e a posição de todo objeto celestial que estiver ao seu alcance – devem ser mais de 1 bilhão. O plano de cinco anos é tão ambicioso que deve resultar em uma quantidade de dados equivalente a toda a informação existente atualmente no planeta Terra.
A série de observações deve fornecer uma perspectiva inédita de distância, velocidade e direção do movimento de algumas estrelas familiares e outras ainda desconhecidas. “Avanços na compreensão da história e da estrutura da nossa galáxia por meio de projetos ambiciosos são possíveis porque, como Newton, nós enxergamos mais longe do alto dos ombros de gigantes”, ressalta, em uma nota, Gerry Gilmore, líder do Gaia no Reino Unido.
“Para determinar com segurança que elementos químicos formam as estrelas, esses gigantes são as estrelas de referência. Todo o nosso conhecimento que se expande vastamente depende do quanto realmente compreendemos sobre alguns poucos astros”, explica Gilmore.
Para os pesquisadores, o banco de dados estelar deve fornecer pistas sobre alguns aspectos difíceis de medir mesmo com os aparelhos mais potentes. Ao saber que determinado objeto tem cor ou metalicidade semelhante a outro, os astrônomos poderão trabalhar em suposições sobre sua história com base no que já se sabe sobre a estrela mais conhecida.
“Essas características não são triviais e são obtidas (por cálculos) porque existem fatores que a gente não conhece”, aponta Silvia Cristina Fernandes Rossi, professora do IAG/USP. “Se tiver uma base de estrelas muito bem estudadas e trabalhadas, suas estimativas serão muito boas”, acredita.
O catálogo estelar foi utilizado ainda em uma pesquisa europeia e em outra australiana, que também são dedicadas a coletar grandes volumes de dados do espectro estelar da Via Láctea. Grupos de astronomia que trabalham com astrofísica teórica mostraram igual interesse em usar esses parâmetros para aperfeiçoar os modelos de medição e transmissão dos perfis dos astros.
Elementos
A galáxia em que se encontra o planeta Terra tem uma estrutura semelhante à de uma cidade. Algumas áreas principais são rodeadas por localidades secundárias, que se formaram ali ou foram atraídas por astros maiores. Em cada estrela, uma combinação de gás e outros elementos químicos é uma prova ativa da composição que deu origem à galáxia e ao Universo.