Diferentemente do que acontece com humanos e grandes primatas, como os gorilas e os chimpanzés, o macaco rhesus não consegue reconhecer o próprio reflexo no espelho. O que não significa que ele não possa aprender. De acordo com um artigo publicado na revista Current Biology, o cérebro desse animal tem um mecanismo que permite desenvolver a habilidade de autoconhecimento, só é necessário que seja treinado. Foi o que fizeram cientistas do Instituto de Neurociência e do Laboratório de Neurobiologia Primata da Academia Chinesa de Ciência (CAS, siga em inglês), ambos na China.
“Nós queríamos tentar algo novo. A capacidade desses macacos reconhecerem seu reflexo é importante para uma comparação cognitiva, e vinha sendo estudada por muito tempo sem sucesso”, conta Neng Gong, responsável pelo experimento feito com o auxílio de laser. Em outros métodos, os rhesus não foram aprovados no teste de se reconhecer no espelho. “Mesmo com todos os esforços de prolongar o tempo em frente ao objeto, de começar os testes com os animais ainda jovens ou de mudar o tamanho e a forma dos espelhos”, complementa o pesquisador.
O estudo dos circuitos neurológicos também é beneficiado com a pesquisa. “O autoconhecimento é uma das funções mais importantes do nosso cérebro, principalmente para comportamentos sociais — como simpatia e empatia — e para a linguagem. Saber como funcionam o autoconhecimento e a consciência é fundamental para entender mecanismos importantes do cérebro. Demonstrar que é possível treinar macacos para se reconhecerem no espelho nos dá a chance de estudar, em um animal, o que mudou nos circuitos neurológicos para que o autoconhecimento fosse desenvolvido”, explica Gong.
Francisco Mendes, professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília (UnB), exalta os resultados obtidos. “Eles mostram que, com esse método, é possível, sim, que o macaco consiga se reconhecer. E essa ação significa que o animal desenvolveu uma consciência. Além disso, mostra que há uma aplicabilidade em pacientes humanos que passam pela mesma situação por causa de lesões ou de um caso de demência avançada”, avalia.
ESTÍMULOS RECORRENTES Em estudos anteriores, os cientistas deram aos macacos rhesus, desde pequenos, espelhos de tamanhos e formas diferentes. Apesar do contato constante com o objeto, os animais não deram sinal de que reconheciam a própria imagem na superfície. Os pesquisadores ainda marcaram o rosto das cobaias com a intenção de que elas notassem a mudança quando se olhassem no espelho novamente, mas elas não tocaram nem examinaram a marca, comportamentos que, de acordo com o artigo, é feito por crianças a partir dos 2 anos.
No estudo conduzido na CAS, os macacos foram colocados em frente a espelhos e tiveram o rosto iluminado com um laser que causava uma sensação de incômodo. Depois de duas a cinco semanas sendo submetidos ao mesmo procedimento, os animais começaram a tocar os lugares marcados pela luz e a cheirar os seus dedos, o que, para os pesquisadores, pode ser uma maneira de tentar descobrir o que é aquilo que está em seu corpo.
Cinco de sete macacos treinados passaram a apresentar, em frente ao espelho, comportamentos semelhantes aos de outros grandes primatas e de seres humanos, reconhecendo a própria imagem e explorando outras partes do corpo por meio dos seus reflexos. Gong conta que o novo método com o laser mostra que “o sucesso do treinamento do sistema sensorial somático sustenta a ideia de que a integração de estímulos sensoriais tem um papel importante na capacidade de autorreconhecimento.”
O professor Francisco Mendes acredita que os resultados representam um avanço na área. “Às vezes, você consegue ensinar um animal a reproduzir um movimento, mas ele só faz, sem entender porque está executando aquilo. O treinamento foi eficiente por que, ao colocarem um macaco em frente a outro, como se aquele fosse seu reflexo, ele não apresentou o mesmo comportamento de tocar os lugares sinalizados”, explica.