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Estado de Minas

Pesquisadores defendem que a Terra entrou em nova era geológica

Cientistas discutem se a ação dos humanos sobre a Terra a partir do milênio passado pode ser considerada uma nova era geológica, chamada Antropoceno


postado em 13/03/2015 08:27 / atualizado em 13/03/2015 08:23

Isabela de Oliveira

Brasília – Não há dúvidas de que as atividades humanas podem ser sentidas e até medidas em escala global. Mas será que essa influência é tão forte quanto as antigas forças da natureza que transformaram para sempre a Terra? Pesquisadores da University College of London (UCL), no Reino Unido, dizem que sim. Em uma pesquisa publicada ontem na revista Nature, eles defendem que o planeta entrou numa nova época geológica, o Antropoceno, e afirmam ainda que ela começou pouco tempo atrás, no milênio passado.

A discussão vem na esteira de um debate já antigo sobre a validade do Antropoceno como uma unidade do tempo geológico do planeta – que tem 4,5 bilhões de anos, divididos em centenas de eras, períodos e épocas. A proposta será avaliada em 2016 por um subgrupo da Comissão Internacional de Estratigrafia, órgão científico da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) que define normas para a escala do tempo na história da Terra. Enquanto não há consenso, pesquisadores de todas as partes do mundo esforçam-se para fortalecer as teorias que sustentam o Antropoceno, nome dado a uma época em que o homem, e não uma força natural, como um meteoro ou vulcão, é responsável pelas alterações no planeta.

Um desses estudiosos é o professor Simon Lewis, do Departamento de Geografia da UCL. Ele liderou os pesquisadores em uma revisão de eventos históricos ocorridos nos últimos 50 mil anos para identificar quais assinaturas antropogênicas deixadas em registros geológicos preenchem os requisitos formais para o reconhecimento de uma nova época. Para isso, dois critérios precisavam ser obedecidos: alterações de longa duração na Terra e mudanças ambientais que fossem globais e estivessem gravadas em rochas e gelos antigos ou sedimentos do solo oceânico.

Depois de verificar dezenas de possibilidades, os autores apontaram 1610 como uma primeira data para o início do Antropoceno. Nesse ano, o mundo sentiu globalmente a colisão entre o Velho e o Novo Mundos. A chegada dos europeus à América em 1492 e o comércio global subsequente permitiram que espécies de plantas e animais pudessem cruzar oceanos e continentes, resultando em um novo ordenamento da vida em escala mundial. Intercâmbios assim, diz Lewis, são únicos em toda a história terrestre. Um exemplo é o do pólen de milho – espécie nativa da América Latina encontrada em 1600 em sedimentos marinhos da Europa.
Além de alterar dramaticamente a dieta da humanidade, a chegada dos europeus à América causou uma grande redução das populações indígenas. Estima-se que existiam entre 50 milhões e 60 milhões deles vivendo no continente em 1492. Em 1650, 6 milhões tinham sido exterminados por doenças, guerra, escravidão e fome. Esses problemas desaceleraram as atividades agrícolas e o uso de fogo na América, fazendo com que os níveis de dióxido de carbono atmosférico sofressem uma queda incomum.

Mais reviravoltas

A segunda data proposta é 1964, quando o homem iniciou testes com armas nucleares. A radiação foi detectada em sedimentos marinhos e árvores. “Em 100 mil anos, os cientistas vão olhar para o registro ambiental e saber que algo notável ocorreu na segunda metade do segundo milênio. Eles não terão dúvidas de que as mudanças globais na Terra foram causadas pela própria espécie”, prevê Simon Lewis, afirmando que, hoje, é possível determinar quando e como se iniciou a nova época.

“O Antropoceno provavelmente começou quando as espécies saltaram continentes. Nós, seres humanos, somos uma força geológica que pode alterar a Terra, como um meteorito”, diz.

O início da Revolução Industrial, no fim do século 18, também é uma das datas contempladas pelos autores. Ele marca uma reviravolta na história humana ao possibilitar, por exemplo, o uso de combustíveis fósseis e o consequente aumento do dióxido de carbono na atmosfera. Apesar de forte, essa fase não tem nenhuma assinatura antropogênica relevante, talvez porque a industrialização foi forte na Europa, mas não globalmente.

Reinaldo Bertini, paleontólogo da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro, acredita que, ainda que relevante, os marcadores de 1610 e 1964 não são suficientemente fortes. “Para que o Antropoceno seja oficializado, a Comissão Internacional de Estratigrafia precisa encontrar marcadores consistentes em rochas e em outros sedimentos, o que é impossível porque tudo é muito recente. Como é difícil localizar assinaturas ocorridas há algumas centenas de anos, acredito que o Antropoceno não será formalizado”, opina.

Efeito político

Roberto Lima, professor de antropologia da Universidade Federal de Goiás, observa que a teoria de Lewis pode ser mais política do que geológica. “É um problema que tem implicações políticas grandes porque altera a maneira como são pensados os tempos geológicos. A questão é que nada surgiu de novo nesse período, não surgiu nenhuma outra espécie. Algumas desapareceram e se fala em uma sexta extinção de massa, mas, talvez, isso não seja suficiente”, avalia.

Professor de história do Colégio Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo, Fábio Lage explica que toda periodização na história e na geografia considera também pressupostos políticos. “Quando excluem a agricultura, por exemplo, tentam desconsiderar um fenômeno global para colocar em pauta os europeus. Eu vejo uma tentativa de minimizar a importância do neolítico, excluindo a participação de outras sociedades na transformação do meio ambiente”, critica.

O geólogo Mark Maslin, coautor do estudo, reconhece que o conhecimento mais difundido de que as ações humanas estão conduzindo profundas alterações na infraestrutura da Terra tem implicações filosóficas, sociais, políticas e econômicas. “Mas não deveríamos nos desesperar porque o poder que os seres humanos exercem é diferente de qualquer outra força da natureza. É reflexivo e pode ser retirado ou modificado. A primeira etapa para resolver a relação perniciosa do homem com meio ambiente está em reconhecer isso.”

 


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