
O prazer da releitura
É bom retomar livros anos e anos depois da primeira leitura. Fiquei novamente encantada com o romance 'Crônica dos pobres amantes', de Vasco Pratolini
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Assim como é bom olhar retratos antigos, é bom reler livros depois de anos e anos da primeira leitura. Estou fazendo isso e não me arrependo. Cada vez que encontro textos e enredos que me encantaram lá atrás, tenho nova visão do que foi escrito, pois podemos não ter compreendido tudo o que o autor quis dizer.
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Entre minhas buscas, encontrei “Crônica dos pobres amantes”, do autor italiano Vasco Pratolini (1913-1991), em edição portuguesa. Vale dizer que meu marido dava atenção a esses livros – muitos deles não chegavam por aqui. Portugal costumava lançar traduções de lançamentos europeus que não despertavam muito interesse nas editoras brasileiras.
Este que estou relendo fala, paralelamente ao romance que lhe dá título, da luta política no século 20. Comunistas e dissidentes começavam a surgir na Itália, Mussolini estava crescendo e o castigo para os propagandistas da nova ordem, a cargo da polícia, era beber uma dose cavalar de óleo de rícino.
Todo o enredo do livro se prende a moradores da Via del Corno. Com o fascismo, não era raro que, volta e meia, alguém do contra levasse a maior surra da polícia.
Só para dar uma ideia, os importantes da política só aparecem em pequenos casos. Os personagens são gente simples, sapateiros, pedreiros, etc.
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Um dos personagens do livro pendurou na parede do quarto o retrato de Lenin. De noite, como não podia falar o que pensa na rua, escrevia recados que gostaria de dar aos políticos: “Todos os ricos e burgueses se passaram para os fascistas, os padres arregaçaram as sotainas e dão-lhes a bênção”.
E mais adiante: “Camaradas, toda a gente está contra nós. Cometemos erros mas não devemos perder a coragem. Podia-se fazer a revolução, mas é demasiado prematura para nos expormos aos fascistas e aos carabineiros. Desta vez o rei decretaria o estado de sítio e os soldados atirariam sobre nós. Então morreríamos todos. Portanto é preciso fazer isso: combater ainda no plano legal e esperar que a população se revolte contra este estado de coisas e mande ao ar os fascistas.”
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O enredo amoroso do livro vai no mesmo tom. Toda a Via del Corno futrica sobre tudo, é impossível levar uma vida mais secreta. O romance dos pobres amantes é o acompanhamento desse espírito político. Mas o livro, para quem conseguir achar e comprar, é ótimo.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.