"Em um país com mais armas do que pessoas, e onde as armas de fogo estão facilmente disponíveis, não é surpreendente que os ataques a tiros sejam o meio preferido para assassinar ou tentar assassinar detentores de cargos políticos"

crédito: Rebecca DROKE/AFP

O menino rastejou pelo teto com uma AR-15 nas mãos. Chegou no ponto certo do tiro. Agora me consagro para a história como aquele que cortou o mau pela raiz- pensou ele.


O alvo era móvel e movediço.


Saiu o tiro! Passou de raspão na orelha. Acertou um bombeiro atrás dele, que não tinha nada com isso. Fez do pretenso herói um vilão contra a democracia. Fez o mal pior: virou o principal cabo eleitoral do seu alvo e seu trampolim para o Olimpo.

 


Thomas, de 20 anos, era um cara tímido, vítima de bullying, bom em matemática e ciências, mas ruim de tiro. Foi rejeitado no clube de tiro da escola por não ser bom atirador. De fato!


Talvez por isso seu pai tenha lhe presenteado com um brinquedinho especial: um fuzil para treinar. Escolheu o alvo errado. Um dos perigos das armas serem vendidas livremente é este - acabam em mãos erradas de maus atiradores e fazem vítimas inocentes.


Nesse caso, o próprio Thomás virou alvo imediato de um atirador de ofício. Sua aventura durou poucos segundos. O alvo de orelha furada perdeu o sapato e agora já pode usar brinco na orelha direita. O zumbido no ouvido imediatamente o perdoou de todas as acusações de crimes lesa-pátria cometidos. Virou herói no click do gatilho do Thomas.


Assim o destino da humanidade é traçado. Não por milagres, mas por equívocos de avaliação. Nesse caso, o milagre para um pode ter sido uma tragédia para a humanidade.


Pobre dos Estados Unidos. Vão ter que decidir entre um demente e um perverso sortudo. O pior dessa história é que o ricocheteio do projétil geralmente acerta o mundo inteiro.


O histórico de violência contra presidentes dos EUA não é novidade.


Quatro dos 45 presidentes americanos em exercício foram assassinados: Abraham Lincoln (1865, por John Wilkes Booth), James A. Garfield (1881, por Charles J. Guiteau), William McKinley (1901, por Leon Czolgosz) e John F. Kennedy (1963, por Lee Harvey Oswald).


Além de Trump, dois foram feridos em tentativas de assassinato: Ronald Reagan, enquanto estava no cargo (1981, por John Hinckley Jr.), e o ex-presidente Theodore Roosevelt (1912, por John Schrank).


Roosevelt não foi atingido, mas o prefeito de Chicago, Anton Cermak, que estava conversando com Roosevelt depois que o recém-eleito presidente fez breves comentários ao público, foi ferido e morreu 19 dias depois.

 


Em setembro de 1975, o presidente Gerald Ford sobreviveu a duas tentativas separadas de assassinato — ambas por mulheres. Em 1912, o ex-presidente Theodore Roosevelt foi atingido no peito por uma bala de calibre .38, enquanto fazia campanha para recuperar a Casa Branca. No entanto, a maior parte do impacto da bala foi absorvida por objetos no bolso do peito do casaco de Roosevelt. Mesmo ferido, ele prosseguiu fazendo um discurso de campanha com a bala ainda em seu peito.


"Em um país com mais armas do que pessoas, e onde as armas de fogo estão facilmente disponíveis, não é surpreendente que os ataques a tiros sejam o meio preferido para assassinar ou tentar assassinar detentores de cargos políticos", diz Thomas Klassen, professor da Escola de Política Pública e Administração da Universidade York no Canadá, em artigo no site acadêmico The Conversation.


Peter Baker, correspondente-chefe da Casa Branca do New York Times, observa que a violência política no país, especialmente abaixo do nível presidencial, está se tornando “cada vez mais partidária”. Baker observa que muitos desses incidentes recentes resultaram em “atribuições de culpa” em vez de uma “reflexão profunda sobre as causas”.
Se os problemas do mundo fossem resolvidos pelas armas, já estaríamos no paraíso. Armas, maus atiradores e atiradores maus nos causam mais problemas que soluções.


O neoliberalismo gera os próprios fantasmas, os quais são imediatamente convertidos em acumulação de riqueza. Remendos e cicatrizes a serem deixados como legados: bala na orelha de uns e no peito de todos que apagam o incêndio do dia a dia.