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Carlos Starling
Carlos Starling
Saúde em evidência

Quem inventou as nuvens?

A Amazônia, pulmão e guardiã da água, tem um papel insubstituível na luta contra a febre do planeta. Manter as terras Indígenas intactas é promessa de futuro

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É preciso olhar para as nuvens e sonhar. Descobrir seres gigantes, animais, anjos e monstros. Quem inventou as nuvens?! Quando menino, costumava deitar no quarador de roupas e olhar para o céu enquanto minha mãe cuidava do quintal. Descobrir o mundo pelas nuvens era o meu olhar.


O tempo passou e ver as nuvens com amigos e inventar figuras era uma distração cuja tela era o firmamento. Um pouco mais tarde vieram os amores… as nuvens passaram rapidamente, como um tango flutuante. Enfim, vieram os filhos e tive que contar histórias de quem inventou as nuvens e as utopias.


Nas entranhas verdes da Amazônia, repousam santuários vivos, onde o tempo se dobra em folhas e rios. Terras Indígenas, que ocupam um quinto deste coração de clorofila, são berços da biodiversidade, vigílias silenciosas para a vida que respira e pulsa.


São mais de 450 territórios que se estendem como mantos, proteção ancestral para mais de quatrocentas mil almas. Cada trilha demarcada guarda histórias, cada árvore ereta vigia o horizonte. E, ao longo das eras, esses territórios ergueram-se como muralhas verdes, barrando o avanço do desmatamento, onde apenas 3% da devastadora ceifa ousou tocar.

 

 


Lá, o homem e a floresta não se opõem. Nas Terras Indígenas, o manejo é como um canto sutil, que não arranca a raiz, mas a celebra. A relação é de cuidado e permanência; uma teia entrelaçada de saberes e sementes. Cada gesto cultivado, cada passo dado, respeita o sagrado.


E é assim que nascem paisagens heterogêneas: cópulas de espécies, flores únicas, frutos esquecidos. Povos Indígenas, alquimistas do ecossistema, transformam o verde em caleidoscópio vivo. Eles não só habitam a Amazônia, são também artífices dela, criadores de uma diversidade que não se limita às sementes que caem, mas floresce em sonhos que voam e aportam no olhar de quem presta atenção na dança das nuvens.

 


Contudo, não está livre o seu canto. Sob ameaças de ferro e asfalto, de um tempo líquido, que busca explorar e esquecer, os direitos ancestrais são ignorados. O marco temporal, frágil fronteira desenhada em céu cinza, desconsidera milênios de presença, marginaliza vidas que sempre estiveram ali, na eterna vigília dos rios e folhas.

 


Quem toca nestas terras não fere apenas um povo, rasga também o tecido que sustenta a vida. Pois, sob as copas das árvores, respira o ciclo das águas. As florestas maduras, que cobrem 90 milhões de hectares, são caldeirões onde se forma a chuva, os pulmões que regulam o ciclo do mundo.


De lá, partem vapores invisíveis, rios que voam por entre nuvens, bombeados pelas árvores que transpiram memórias antigas. Essa umidade se eleva, tecendo nuvens, que desaguam sobre campos distantes, despertando o verde agronegócio no Centro-Oeste, nutrindo o Sul com gotas que são fios de um mesmo tear.


Quando o Atlântico abraça o leste amazônico, o ciclo se inicia: a água penetra no solo sagrado, as raízes a acolhem e devolvem aos céus. Esse ciclo repete-se em uma coreografia antiga, até que os ventos encontram os Andes, montanhas que dobram a rota dos rios aéreos, redirecionando a chuva para terras distantes, para o Pantanal, para a bacia do Prata, beijam as minhas montanhas Gerais e todo o Sul da América.


São veias invisíveis que irrigam continentes, transportando a vida em forma de vapor. Quem protegerá estes rios, se não os guardiões das florestas? Quem manterá o pulso do mundo, senão os Povos Indígenas, cujos territórios respiram e suam por nós todos?

 

 


A saúde do planeta é a saúde de todos. "One Health", a saúde única, aponta para a teia indivisível entre seres humanos, animais e ecossistemas. Nas florestas preservadas, os equilíbrios são mantidos: os vírus ficam contidos em seus reservatórios naturais, as pragas não proliferam descontroladas, e o ar se purifica. Destruir essas terras é abrir brechas para pandemias, desequilibrar o ciclo da vida e colocar em risco a existência de todos.


O aquecimento global, filho do desmatamento, espreita com suas ondas de calor, secas implacáveis e tempestades vorazes. Sem as florestas para resfriar o ar e regular os ciclos, o clima se desordena, o gelo derrete, e os mares invadem a terra. A Amazônia, pulmão e guardiã da água, tem um papel insubstituível na luta contra a febre do planeta. Manter as terras indígenas intactas é manter a promessa de um futuro.

 

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Por isso, demarcar é preservar, é garantir que o ciclo nunca se quebre, que a chuva nunca seque. Demarcar é respeitar o direito milenar que pulsa em cada árvore, em cada rio, em cada sopro de vida. Enquanto houver Terras Indígenas, haverá Amazônia. E enquanto houver Amazônia, haverá chuva, haverá vida, haverá esperança no coração do mundo. Hoje, vivo quase na altura das nuvens e enxergo claramente o perfil dos anjos.

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