No cantinho inferior da capa, à direita, está escrito: 'este livro não tem receitas' -  (crédito: Chocólatras Online/Divulgação)

No cantinho inferior da capa, à direita, está escrito: 'este livro não tem receitas'

crédito: Chocólatras Online/Divulgação

 

Quando decidi estudar mais a fundo a confeitaria, comecei uma busca insana por livros. Sei que a internet está aí com um conteúdo infinito, mas não tem jeito, sou do papel. Rodei livrarias físicas, vasculhei lojas on-line e acabei me frustrando por não achar exatamente o que queria.

 


Livros de receitas existem aos montes – e eles costumam ser lindos, com aquelas fotos incríveis, ótimas fontes de inspiração e pesquisa na cozinha, mas não é esse o meu maior interesse. Antes de partir para a parte prática (simplesmente como uma curiosa, já que não tenho planos de ser confeiteira), preciso mergulhar na história, entender como o açúcar vem moldando o nosso paladar, investigar a origem das receitas. Mais do que acumular listas de ingredientes, quero entender por que eles estão ali e como se comportam para resultar em algo tão delicioso.

 

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Consegui garimpar alguns livros que se aprofundam na teoria e na história e me alimentam nessa minha jornada para ampliar o conhecimento em confeitaria. Mas o vazio na prateleira continua a me incomodar. E a minha busca não tem fim.


Acompanho há algum tempo o trabalho da Zélia Frangioni, uma educadora do mundo dos chocolates, criadora do blog “Chocólatras Online”. Desde quando participei do júri popular de um concurso nacional de chocolates bean to bar (feito do grão à barra), que ela organizou de 2017 a 2022. Dali em diante, comecei a segui-la nas redes sociais e a ler suas newsletters (sempre com muito conteúdo, por sinal).

 


Outro dia, recebi um e-mail dela contando que tinha lançado um livro: “Chocolate protagonista – Um guia completo para apreciar de verdade o chocolate – aquele para degustar, não para cozinhar”. Chocolate é um assunto que mexe comigo, uma chocólatra assumida. Comprei na hora.


Sem contar o fato de admirar uma pessoa que publica um livro de forma independente, o que mais me chamou a atenção nessa história foi um recado curioso da autora. No cantinho inferior da capa, à direita, está escrito: “este livro não tem receitas”. Sorri, era o que eu buscava.


O nome do livro diz tudo. Nas páginas que se seguem, o chocolate não está como um simples item da lista de ingredientes. Ali ele é a estrela, em sua versão mais pura, capaz de despertar as mais profundas sensações. A autora deixa claro que não tem a intenção de ensinar a transformar uma barra de chocolate em outras receitas. Sua motivação é compartilhar o máximo de informações sobre esse universo.

 


Olhar para o chocolate como protagonista só começou a fazer sentido para Zélia quando ela conheceu o movimento bean to bar (assunto para uma próxima coluna), relativamente recente no Brasil.


Essa “nova” lógica de fazer chocolate – menos industrial e mais artesanal – vem só aumentando a qualidade do que consumimos. Então, se temos chocolate de qualidade, faz todo o sentido pensarmos em degustá-los, e não simplesmente devorá-los para matar a vontade de comer doce. Chocolates de qualidade pedem um momento de atenção e contemplação, com todos os sentidos aguçados. Quando treinamos o paladar, podemos ser capazes de perceber até o que muda quando o cacau é de origem diferente.


Achei interessante saber que, na sua busca por conhecimento (para deixar de ser uma mera devoradora de chocolates e se especializar no assunto), Zélia percebeu que a maioria dos livros em português que falam de chocolate são de receitas. Acabou partindo para uma bibliografia em inglês, que também não é tão ampla assim. Imediatamente, me conectei com a sua história. Não é só o título de chocólatra que nos aproxima. Nós duas tivemos que lidar com a frustração de não encontrar material de pesquisa sobre um tema que nos interessa tanto.

 


Não estou aqui para dizer que devemos deixar de lado as receitas. Obviamente, é um conteúdo necessário, tanto para quem está a fim de uma despretensiosa experiência na cozinha quanto para o confeiteiro profissional. Mas penso que a literatura brasileira especializada não pode ficar restrita a isso. E nem os leitores devem se contentar em só reproduzir um passo a passo. Muito mais enriquecedor do que saber fazer um doce é entender os porquês.