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Celina Aquino
Celina Aquino
Formada em jornalismo pela PUC Minas. Começou como estagiária nos Diários Associados e teve passagens por editorias como Polícia, Saúde, Imóveis, Negócios e Emprego. Hoje é especializada em gastronomia e também escreve sobre moda
ACEITO UM DOCE

Cansei de Nutella, leite Ninho, pistache e frutas vermelhas

Por que só usar Nutella se temos o doce de leite para entregar muita cremosidade e ainda por cima um sabor genuinamente mineiro?

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Cansei de Nutella, leite Ninho, pistache e frutas vermelhas. É só isso que vejo nos cardápios há algum tempo. Será que não existe nada mais interessante para comer? Em que momento deixamos a nossa confeitaria ficar pasteurizada e sem identidade?

 

 

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Esses questionamentos não são apenas para quem faz os doces. Mas também para quem consome. Já ouvi muito confeiteiro falar que teve que se render aos ingredientes da moda porque os clientes não cansam de pedir. Aí fica a dúvida: chegamos a esse ponto porque as pessoas só buscam esses sabores ou porque as confeitarias só oferecem esses sabores? O que pesa mais nesse contexto é a oferta ou a procura?


Entendo que a influência estrangeira faz parte da nossa confeitaria (e da gastronomia em geral). E que bom que ela existe, que trouxe para bem perto técnicas, receitas e ingredientes do mundo todo. Não sou contra o uso de nada disso, só não acho que devemos ficar reféns do que vem de fora. Não a ponto de empobrecer o nosso repertório de receitas.

 


Quando só usamos Nutella, leite Ninho, pistache e frutas vermelhas, tudo fica previsível e com o mesmo sabor. A criatividade desaparece. Não damos a chance de sermos surpreendidos – confeiteiros e consumidores – por sabores brasileiros.


“É preciso repensar o que comemos, voltar o nosso olhar para dentro e descobrir a riqueza que temos à disposição”, convida a confeiteira Joyce Galvão em “Ingredientes para uma confeitaria brasileira”. Aliás, esse seu livro é uma ótima leitura para quem curte descobertas, já que se dedica a uma lista extensa que vai do jenipapo ao cumaru, passando por rapadura e semente de pequi.

 


Por que só usar Nutella se temos o doce de leite para entregar muita cremosidade e ainda por cima um sabor genuinamente mineiro? Faz sentido gastar todas as fichas no pistache se temos aqui as deliciosas castanhas de caju, do Pará e de baru? Será que as tais “berries” (morango, amora, framboesa, mirtilo etc) são mais especiais do que as nossas frutas tropicais?


Até o pobre do panetone, que já deve estar aí na sua mesa de Natal, teve que se render. Abriu mão das suas tradicionais frutas cristalizadas para se empanturrar de recheios trufados com... Nutella, leite Ninho, creme de pistache e companhia limitada.

 


Acho o máximo quando encontro uma confeitaria autêntica, que não se rende aos modismos. Fácil não é, afinal, todo mundo quer e precisa vender para manter o negócio de pé. Não dá para criar livremente sem se preocupar com o lado comercial. Mas vale um esforço para encontrar o equilíbrio entre agradar e instigar o cliente.


Precisamos de mais confeiteiros como Flávia Baptista de Oliveira, da AM Chocolates, que faz camafeu de nozes e bombom de uva glaçados no açúcar, como eram antigamente. Temos que aplaudir chefs como Ana Gabriela Costa, do recém-inaugurado restaurante Trintaeum, que montou um menu de sobremesas – e que menu! – com amor em pedaços, ambrosia, brevidade, curau e outros doces que costumam ficar restritos às cozinhas de mãe e vó. Devemos apoiar mestres sorveteiros como Pedro Barbosa, da Uaiê, que usa requeijão moreno, goiabada, jabuticaba, mexerica etc com muita criatividade.

 

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O que precisa acontecer para vermos menos Nutella, leite Ninho, pistache e frutas vermelhas nos cardápios? Quando vamos aprender a valorizar ingredientes que são nossos? O texto de hoje tem muito mais perguntas do que respostas.

 

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