Descansar ou se desligar do trabalho é visto como um sinal de fraqueza ou preguiça, quando, na verdade, é uma necessidade básica -  (crédito: Pixabay)

Descansar ou se desligar do trabalho é visto como um sinal de fraqueza ou preguiça, quando, na verdade, é uma necessidade básica

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Vivemos em uma era marcada pelo imperativo da produtividade. Somos bombardeados, desde cedo, com a ideia de que nossa vida só terá valor se for útil, eficiente e sempre em direção ao progresso. A sociedade contemporânea, chamada por alguns teóricos de “sociedade de desempenho”, cultua a figura do “vencedor” como o ideal a ser seguido, o que gera uma pressão imensa sobre os indivíduos. Mas será que estamos mesmo ganhando algo nessa corrida frenética?

 


O conceito de "sociedade de desempenho" foi brilhantemente trabalhado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em seu livro A Sociedade do Cansaço. Para ele, o modelo atual é caracterizado por uma lógica autodestrutiva. Se antes a sociedade disciplinar colocava limites claros entre o permitido e o proibido, o que vemos hoje é a imposição de uma liberdade ilusória, onde o sujeito não é mais coagido por proibições, mas seduzido pela ideia de que pode ser tudo, desde que faça por merecer.

 

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Essa nova ética da autoexploração nos empurra para um ciclo incessante de busca por desempenho, sucesso e produtividade. Trabalhamos mais, fazemos mais cursos, nos aperfeiçoamos continuamente, sempre com a promessa de que, se não estamos felizes, a culpa é nossa por não nos esforçarmos o suficiente. O burnout, os distúrbios de ansiedade e a sensação de fracasso são as novas epidemias sociais, frutos de uma mentalidade que confunde valor humano com eficiência.

 


O problema é que a produtividade, tal como é exigida, não nos permite parar. Momentos de descanso são vistos como desperdício. O ócio criativo, antes valorizado por filósofos como Bertrand Russell, é desprezado em prol de uma constante atividade, muitas vezes sem propósito ou reflexão. A consequência disso é um esvaziamento existencial, uma sensação de que estamos sempre fazendo algo, mas não sabemos exatamente por quê.

 

 


Com isso, surge o ideal de uma vida totalmente dedicada ao trabalho, uma das maiores armadilhas da modernidade. A ideia de que devemos nos sacrificar incansavelmente em nome de uma suposta realização profissional, ou pior, de uma produtividade contínua, transformou-se em um mantra que poucos ousam questionar. Viver para trabalhar, ao invés de trabalhar para viver, tornou-se uma espécie de dogma. Afinal, nada é mais admirável do que passar horas extras no escritório, sacrificar fins de semana e férias, tudo em nome de um “sucesso” que parece eternamente distante.

 


Essa obsessão com o trabalho como centro da vida nos empurra a acreditar que nosso valor enquanto seres humanos está diretamente relacionado à nossa utilidade econômica. Trabalhamos cada vez mais e, no entanto, vivemos cada vez menos. O tempo livre é visto como algo secundário, quase uma recompensa que só pode ser concedida quando todos os deveres foram cumpridos. Como se a vida não fosse digna de ser vivida a menos que estivéssemos contribuindo ativamente para o ciclo incessante de produção e consumo.

 


Há também uma romantização perigosa da exaustão. O cansaço constante é tratado como um troféu silencioso, uma prova de dedicação e compromisso. Não é incomum ouvir pessoas se orgulharem de como estão "sempre ocupadas" ou de como "não têm tempo para nada". Descansar ou se desligar do trabalho é visto como um sinal de fraqueza ou preguiça, quando, na verdade, é uma necessidade básica. A cultura do "sempre disponível" transformou o descanso em um luxo, quando deveria ser um direito inquestionável.

 

 


A ironia maior é que a suposta recompensa dessa devoção ao trabalho – uma vida confortável e equilibrada – parece sempre escapar por entre os dedos. Quanto mais trabalhamos, menos tempo temos para desfrutar dos frutos desse trabalho. As férias são curtas, os momentos de lazer são interrompidos por e-mails e notificações, e o ciclo recomeça. A promessa de que um dia teremos "tempo para nós" nunca se concretiza, porque o trabalho se tornou um fim em si mesmo, e não um meio.

 


A beleza da resiliência é que ela transforma qualquer adversidade em uma oportunidade de crescimento pessoal. O salário está baixo? É uma chance de testar sua capacidade de viver com menos. Seu chefe é abusivo? Que ótima oportunidade para praticar paciência e controle emocional! Afinal, ser resiliente é isso: aguentar o insuportável com um sorriso no rosto, enquanto a vida te massacra. E, claro, se você não está conseguindo, o problema deve ser seu, não do sistema ao seu redor. Talvez você precise mesmo de um curso de mindfulness.

 


E não podemos esquecer da aderência! Essa irmã gêmea da resiliência, que nos ensina a nos encaixar em qualquer lugar. Ela é a habilidade de moldar-se ao ambiente, sem causar ruído, sem incomodar, sem perturbar a ordem estabelecida. Se as regras são injustas ou desumanas, não questione: adira. O que importa é que você se encaixe perfeitamente, sem fricção, como uma peça qualquer em uma máquina que precisa continuar rodando.

 


Ah, a aderência! Que qualidade admirável para aqueles que nunca ousariam desafiar o status quo. Afinal, por que ser autêntico quando você pode ser perfeitamente aderente às expectativas? O importante é que você se adapte, como um camaleão moral, sempre pronto a se alinhar ao que quer que seja exigido. Afinal, a felicidade não está em buscar o que te faz bem, mas sim em se conformar ao que é imposto. Aderir à loucura do mundo é, dizem, a chave para o sucesso.

 

 


No fundo, o que a resiliência e a aderência nos pedem é que sejamos imunes à realidade e adaptáveis ao absurdo. Não é preciso mudar o mundo; é o indivíduo que deve mudar, sempre. Porque, é claro, a culpa de qualquer fracasso nunca será da sociedade, do sistema ou das condições, mas da falta de resiliência e aderência de quem não sabe sofrer com elegância e se encaixar com perfeição. Que alívio, não?

 


A vida não pode ser reduzida a uma planilha de metas ou a um sistema de pontos que mede a nossa capacidade de realizar tarefas. Esse foco cego em produzir nos desumaniza, nos transforma em engrenagens de uma máquina maior, cujo funcionamento muitas vezes foge ao nosso controle. E, nesse processo, perdemos algo essencial: o tempo para sermos, simplesmente, humanos.

 


Os ideais de uma vida produtiva a qualquer custo precisam ser questionados, não só em nome da saúde mental, mas também de uma vida mais significativa. Precisamos reaprender a valorizar o lazer, as pausas, os momentos de silêncio e, sobretudo, o direito de não fazer nada sem sentir culpa.

 

 


Não há troféu no final do caminho para quem trabalhou mais ou rendeu mais horas. O prêmio real está em viver de forma consciente, com tempo para desfrutar e contemplar o que realmente importa. Afinal, como já dizia o escritor Milan Kundera, "a verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com plena liberdade em relação àqueles que não representam força alguma". E isso inclui a liberdade de se libertar das correntes invisíveis da produtividade. Ser feliz parece uma coisa supérflua diante da lógica da utilidade.