Toninho Cerezo, ex-jogador do Atlético na década de 1970, é exemplo de jogador que tinha bons salários, mas nada que se compara aos dias atuais no país -  (crédito: Acervo Estado de Minas)

Toninho Cerezo, ex-jogador do Atlético na década de 1970, é exemplo de jogador que tinha bons salários, mas nada que se compara aos dias atuais no país

crédito: Acervo Estado de Minas

Bons e velhos tempos que não voltam mais. A inocência das crianças, a severidade dos pais e uma educação de primeira linha. Brincávamos nas ruas, de pique, soltávamos pipa, jogávamos bola de gude, e, principalmente, futebol. Tínhamos três grandes craques por posição nos nossos times. O Maracanã, Morumbi, Mineirão e outros estádios, país afora, recebiam mais de 100 mil torcedores, de verdade, aquele que fazia barulho, que chorava e sorria com derrotas e vitórias, mas num clima de paz. Uma gozação saudável do adversário, e cada um ia para sua casa. Os astros da bola ganhavam grandes salários, mas nada se compara ao que se paga hoje. Éder, Cerezo, Reinaldo, Zico e cia ganhavam, por exemplo, R$ 30 mil mensais, e a inflação corroía os salários em poucos meses. As renovações de contratos, anuais, duravam muito tempo, até que houvesse um acordo entre as partes. Não havia corrupção no futebol, não havia agentes de jogadores, e, normalmente, o pai do atleta era o responsável por negociar as renovações de contratos, ou até mesmo o próprio jogador.

O mundo foi mudando e o futebol se “modernizando”. Surgiram os agentes, os salários começaram a subir e os clubes a se endividarem. Os dirigentes começaram a fazer compromissos que não podiam honrar e a bola de neve entrou em pauta. Amadores e não remunerados, os presidentes de clubes entravam e saíam, empurrando a dívida e a sujeira para debaixo do tapete. A bola de neve só aumentou e chegamos ao ponto da implosão da maioria dos clubes grandes. Dívidas impagáveis, salários irreais para uma economia quebrada como a do Brasil, com os clubes pagando salários de Europa, e até mais. O resultado é o que estamos vendo hoje. Mesmo com a “fábrica de dinheiro”, com cotas de tevês, patrocínios e sócio-torcedores, a conta não fecha, e muitos clubes estão “falidos financeiramente”. O clube-empresa chegou. Para alguns deu certo, para outros, ainda não. Há equipes que não querem virar SAF. Flamengo e Corinthians são dois exemplos. Com as maiores torcida do Brasil, acreditam que o modelo atual ainda sobrevive. No clube carioca as coisas estão organizadas do ponto de vista financeiro. No paulista, a crise é grave, com dívidas e mais dívidas, e até acusação de corrupção. Nada que o atual presidente da república não possa resolver, já que é corintiano declarado. Para quem já esteve preso, acusado de corrupção, isso não é nada.

Éramos felizes e não sabíamos. Tínhamos uma vida simples, mas nossos pais honravam seus compromissos, quem tinha dinheiro, não ostentava, e a corrupção passava longe da vida dos brasileiros. Falam tanto do regime militar, mas todos os ex-presidentes militares morreram pobres. Dona Dulce, esposa do general Figueiredo, vendeu suas joias para enterrar o ex-presidente. Não estou aqui defendendo regime A ou B, mas apenas mostrando o que a história conta. Bandidos respeitavam policiais. Quando eram presos, eram chamados de ladrões, assassinos e outros nomes, pertinentes aos crimes que cometeram. Hoje, mesmo comprovada a culpa, o cara é chamado de “suspeito”. O bandido atira num policial, confessa o crime, mas é considerado “suspeito”. E a juventude aceita tudo, passivamente. Aliás, uma juventude que nunca lavou uma cueca, nunca foi para a escola a pé, caminhando quilômetros, que nunca passou uma vassoura na casa. Uma juventude questionadora, que só quer o “vem a nós, vosso reino, nada”.

Os jogadores têm status de celebridades, movie star, que antes eram dados somente aos artistas de cinema, de Holywood. Vejam o exemplo de Neymar, em mais de uma década de carreira, aparece mais nas redes sociais, eventos e festas, do que no gramado. Escândalos e mais escândalos estão escancarados na sociedade, e os ladrões, aqueles que andam com tornozeleira, são chamados de doutores. “Conheço uma pessoa que diz que “se no prédio em que você mora não houver alguém com tornozeleira, o prédio não é chic”. A que ponto chegamos. O futebol é apenas reflexo de uma sociedade corrompida, podre, de um país de desgoverno, onde o “errado é que está certo”, como diria o saudoso Kafunga. Eu e minha geração tivemos a melhor infância do mundo. Jogamos bola na rua de paralelepípedo (talvez a maioria não siba nem o que é isso), soltamos pipa, brincamos de pique, fomos para a escola a pé ou de ônibus, apanhamos de nossas mães, e nos tornamos cidadãos do bem, cumprimos nossas obrigações. Não somos de esquerda, nem de direita, somos pelo certo, pela lei, pela decência. Se você pertence a minha geração, parabéns. Tenha orgulho, porque o que estamos vendo hoje é um Brasil corrompido, sem rumo, sem direção, com violência em níveis inaceitáveis. Jogadores sendo paparicados, como se fossem celebridades, ingressos em arenas modernas a preços inacessíveis aos pobres mortais, e por aí vai. Clubes quebrados, de pires na mão, dirigentes ricos e jogadores multimilionários. E quem paga essa conta? O povo, humilde, o trabalhador que pega o trem lotado, sai de madrugada de casa e volta tarde da noite, para ganhar o mísero salário-mínimo. Já fomos o país do futebol, da alegria, da inocência. Hoje não passamos de um dos países mais corruptos do mundo. Os números mostram isso. Até quando?