Instalação tem o âmbar como protagonista -  (crédito: Divulgação/ MAM São Paulo/ Ding Musa/ Instituto Tunga)

Instalação tem o âmbar como protagonista

crédito: Divulgação/ MAM São Paulo/ Ding Musa/ Instituto Tunga

Um aroma doce e amadeirado toma conta do nariz de quem entra na Sala de Vidro do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, onde está exposta a obra Eu, Você e a Lua (2015), de Tunga. O cheiro inicialmente agradável da essência de âmbar torna-se enjoativo conforme os minutos passam dentro da galeria de chão de terra vermelha batida. Em meio à grande instalação de 7 por 5 metros, o âmbar, resina fossilizada de árvore, guia o visitante tanto pelo olfato quanto pela visão.

Na estrutura central de cerca de 3 metros de altura, um dedo fino e horizontal de resina que imita âmbar tem duas pontas que apontam para lados distintos. Abaixo dele, um tronco de árvore petrificado simboliza eternidade e também indica para para os dois lados opostos, onde estão duas estruturas verticalizadas formadas por um dedo de ferro que aponta para baixo e direciona o olhar do espectador para um grande cristal de quartzo do qual pende uma garrafa que simula despejar um líquido em uma bacia de argila. O líquido em questão é a essência de âmbar que escorre desde o dedo metálico até a bacia, onde umedece uma massa branca e deixa marcas de erosão - marcas de tempo - em contraste com a atemporalidade do tronco petrificado.

A obra Eu, Você e a Lua é, acima de tudo, um conjunto de contrastes. Os materiais utilizados incluem ferro, aço, espelho, quartzo, gesso, couro, madeira, âmbar e terracota, uma mistura de orgânico com inorgânico e de esculturas feitas em processos industriais, como o dedo de ferro, e artesanais, como a bacia de cerâmica. A fossilização vegetal aparece tanto de forma temporal quanto atemporal. O âmbar, que é resultado do processo de fossilização vegetal, liga o passado ao presente através da movimentação da essência do dedo até a bacia, o que contrasta com o tronco petrificado - o fóssil vegetal atemporal.

A organização dos elementos da instalação estabelece relações de equilíbrio que desafiam a gravidade, como um grande e bruto dedo metálico em cima de um frágil cristal de quartzo, assim como de opaco e translúcido, com elementos como tronco e dedos de metal contrastando com quartzos límpidos e espelhos côncavos parcialmente corroídos que permitem a passagem da luz. O resultado é uma obra equilibrada e visualmente agradável, ainda que não tenha uma beleza óbvia. O único aspecto incômodo é, realmente, o cheiro de âmbar.

Quem é Tunga

De acordo com João J. Spinelli, professor da Pós-Graduação em Artes da USP, Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, conhecido como Tunga, foi um artista que nasceu em 1952 em Palmares (PE). Neto de senador e filho de político e escritor, Tunga se autoexilou com a família em 1968, no Chile, onde começou seu interesse pela arquitetura. Na década de 1970, ao voltar para o Brasil, começou sua carreira como artista plástico.

A temática das produções do pernambucano são difíceis de definir. Considerava-se herdeiro do Surrealismo, estilo que rompeu com o sentido nas obras e reproduzia elementos do inconsciente, por isso, suas obras abordavam filosofia, poesia e mitologia com base no paradoxo, como criado pelo próprio artista ao afirmar que nasceu em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Do Dadaísmo, movimento artístico que se opunha aos valores estéticos tradicionais, legou a utilização de objetos pouco convencionais na arte.

Tunga cercado por sua obra True Rouge (1997)

Tunga cercado por sua obra True Rouge (1997)

Daniela Paoliello

Em 1974, fez duas exposições individuais no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Nas décadas que se seguiram até sua morte, em 2016, Tunga expôs em alguns dos espaços e eventos mais importantes da arte no Brasil e no mundo: participou de quatro Bienais de São Paulo; expôs na Bienal de Veneza duas vezes; fez parte da Documenta de Kassel em 1997; e foi o primeiro artista contemporâneo a expor na pirâmide de vidro do Musée du Louvre, com a instalação À la lumière des deux mondes (À luz dos dois mundos), em 2005.

Em território mineiro, várias obras de Tunga podem ser visitadas no Inhotim. No maior museu a céu aberto do mundo, o artista tem uma obra externa, Deleite (1999), e duas galerias permanentes, a True Rouge (2002), que abriga uma instalação; e a Galeria Psicoativa (2012), com mais de 15 obras.

A obra True Rouge (2002) fica em galeria exclusiva e permanente no Inhotim

A obra True Rouge (2002) fica em galeria exclusiva e permanente no Inhotim

Divulgação/ Inhotim/ William Gomes

Na sua última entrevista antes de falecer em decorrência de câncer, aos 64 anos, Tunga foi questionado, pela jornalista Beta Germano, se tinha alguma religião. Ele afirmou: “Eu acredito na vida. No poder e força do vivo”. Em Eu, Você e a Lua (2015), uma das últimas obras do artista, os paradoxos da vida são expostos pelo âmbar, que simboliza para os mais esotéricos o sol, e contrasta com espelhos côncavos que refletem luz por toda a galeria e representam a lua. “Na poética de Tunga, o que está no planeta Terra ou fora dele, o interno e o externo, assim como eu, você e a lua, formam um todo indivisível”, conta o curador-chefe do MAM São Paulo, Cauê Alves.

Espelhos côncavos espalhados por toda a instalação refletem a luz e representam a lua

Espelhos côncavos espalhados por toda a instalação refletem a luz e representam a lua

Divulgação/ MAM São Paulo/ Ding Musa/ Instituto Tunga

A obra Eu, Você e a Lua (2015) pode ser vista no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) até 28 de janeiro, de terça a domingo, das 10h às 18h.

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