Presumir o pior de um povo destinado a grandes separações e que, na antiguidade, armado apenas de um estilingue derrotou a figura lendária de um gigante, nunca será bem compreendido em um mundo cada vez mais armado e amante da encrenca.


Qualquer que seja a opinião sobre a origem e a natureza perturbadora da guerra atual, que envolve o governo arbitrário e não democrático de Israel e as organizações terroristas que dominam a Faixa de Gaza – apoiadas pelas tiranias que governam o Líbano e o Irã –, o certo é que o mal nunca é do povo, mas uma opção de governantes.


A glória que buscam é a da paixão desperdiçada. Aproveitando-se da guerra e do antidemocrático governo de Israel, o que o terrorismo está fazendo é levar parte do mundo a confundir ou esquecer a impressionante e inspiradora história do povo judeu. Hamas, Hezbollah e Houthis, organizações paramilitares “oficiais” do fundamentalismo islâmico no Iêmen, Líbano e Irã, vencem quando colocam dúvida na cabeça de governos e pessoas sobre os melhores valores da história da civilização ocidental.


Judeus, Árabes e palestinos são irmãos, querem a paz e não são fanáticos. Filho da confluência dos três continentes – Europa, África e Ásia – o Ocidente é herdeiro do intercâmbio dos povos onde floresceram as mais antigas civilizações. Miscelânea de costumes e línguas, a região do Mediterrâneo veio superando as grandes dificuldades, ampliando trocas comerciais e consolidando países até chegar aos dias de hoje, quando o progresso civilizatório está ameaçado de interromper-se pela manutenção de teocracias e pela fúria de fanáticos.


Não é nenhum exagero imaginar que uma eventual derrota do povo de Israel, a única sociedade com democracia plena no Oriente Médio, o fanatismo certamente avançará sobre o sul da Europa e, então, Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Turquia acordarão para o pesadelo. Não mais verão dentro dos seus países com quais talentos, mitos e escolhas conscientes ou inconscientes os povos construíram e desconstruíram sua civilização. A guerra é um insulto à luta inteligente da maioria pela vida, enquanto o terrorismo é o desfrute da morte por uma minoria assustadora.


O cristianismo e o islamismo são triunfos do judaísmo diante das diferentes interpretações dos textos sagrados escritos em aramaico, hebraico, persa, grego ou latim. Como diz o professor inglês Simon Schama, as diferentes opiniões teológicas, desde o Talmude, muitas vezes têm origem geográfica e social. Mas, com sabedoria, ou talvez por ser escrito em pergaminho e guardado em rolos (e não em livros rígidos surgidos muitos séculos depois), permitiu-se tal flexibilidade de leitura e sabedoria que continua possível acomodar nele todas as gerações e suas percepções.


Quem lê a Bíblia, desde o Pentateuco, que é a Torá – mesmo como curiosidade, mas com respeito pelo mais importante livro já escrito em todos os tempos – percebe que a história dos hebreus e do povo judeu é um dos principais pilares e resumos da história da humanidade cristã e islâmica. E ali estão os persas (atual Irã), egípcios, gregos e romanos.


Mandamentos difíceis ou fáceis de cumprir, desabafos e sentimentos reprimidos estão sempre na origem das tribulações entre judeus e árabes na Palestina, especialmente em torno de Jerusalém, que todos os povos bíblicos respeitam e almejam acesso.


A história do povo judeu, marcada por sua resistência e superação de grandes adversidades, continua a ser uma fonte de inspiração para a humanidade. Ao longo dos séculos, enfrentou gigantes e perseguições, mostrando uma capacidade inigualável de perseverar. No entanto, os desafios atuais dos conflitos no Oriente Médio colocam à prova essa história de luta pela paz e pela sobrevivência, ameaçando obscurecer os valores que levaram prosperidade ao ocidente.


É tão simples o enredo da fé que a política, que deveria servir para nos poupar das atribulações, mais tem contribuído para o avesso da esperança. Sua orgia pegajosa de motivos e explicações – tomando decisões em subterrâneos da alma – e os desejos e interesses insatisfeitos mais mesquinhos de autoridades e nações enfraquecem convicções seculares.


Mantendo a população num estado de perda e insegurança permanente, o fanatismo manipula a lembrança mais do que é sonho. Assim, envelhece as pessoas pela amargura e revolta. Saudades que não retornam levam à depressão, sonhos inalcançáveis geram ansiedades. Viver é superar o sofrimento, e sofrimento não é doença, mas parte normal da vida humana para quem equilibra vontade, necessidade, sonho e saudade. Assim, melhor compreender e conviver com o acaso e o destino.