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Paulo Rabello de Castro
Paulo Rabello De Castro
PAULO RABELLO DE CASTRO

Carta a um jovem geógrafo

Quero insistir, meu caro João, que esse tema da moeda nacional e do gasto público são interligados. Mas tenha sempre em mente o seguinte: há de prevalecer equil

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Estimado João: nosso encontro natalino é sempre uma oportunidade de colocar em dia a conversa e saber o que intriga cabeças de jovens intelectuais como você, preocupados – e com razão – com a perspectiva da economia do país. Quero lhe dizer que compreendo e compartilho sua ansiedade, como profissional da geografia, pelas extremas desigualdades do país, que têm raízes profundas nos desníveis de oportunidades das famílias brasileiras, agravadas por políticas econômicas que não atacam esses desníveis com a força e a eficiência requeridas a fim de equalizar melhor as chances das pessoas que vivem num país que teria tudo para oferecer prosperidade para todos.

 

 

Dito isso, sim, o ano de 2024 me parece ser mais um daqueles em que o impulso de crescimento, ocorrido desde a saída da pandemia, já nos leva para novo episódio de crise econômica em 2025, a prevalecer o rumo explosivo dos juros, que são determinados num mercado estreito de financiadores do grande déficit do governo federal, da ordem de R$ 1 trilhão, no ano que se encerra. Você se assustou quando lhe mencionei um déficit tão gigantesco por saber que esse volume significa algo como 8% de tudo que se produziu no país em 2024, portanto um buraco grande demais para ser fechado com mais endividamento público. Foi quando lhe ocorreu a alternativa de, simplesmente, o governo emitir mais dinheiro para financiar seus gastos. Como único emissor de reais, o Banco Central poderia emitir mais reais para pagar juros e cobrir gastos primários.

 

 

De fato, poderia. Em certa escala reduzida, governos se valem desse privilégio de emissão de dinheiro para financiar uma menor parte dos seus gastos anuais e isso ajuda bastante. Quando, no entanto, o desequilíbrio entre receitas de tributos e gastos incorridos é elevado demais, o dilema surge entre financiar esse rombo rodando a máquina de dinheiro ou tomando mais emprestado. Os dois caminhos são difíceis e ruins. E nenhum deles, vamos logo combinar, resolve o problema de fundo, que é a gastança em excesso. A raiz do problema é sempre o gasto muito acima do que se arrecada. São sempre os poderes que arrombam ou deixam arrombar o país.

 

 

Tendo isso em mente, o recurso de emitir mais dinheiro para cobrir o excesso de gastos soa como fraude. É, de fato, equivalente a produzir cédulas falsas de reais. Isso ocorre porque a quantidade perfeita de dinheiro a circular na economia – considerando que as atividades estão aquecidas, como ocorreu em 2024 – não pode ultrapassar um quantitativo proporcional aos preços praticados e à produção ocorrida.

 

 

Pense no dinheiro e crédito circulantes, como o vinho que servimos na ceia de Natal. Você lembra que o vinho foi servido à vontade mas, durante todo o tempo, deixei cada garrafa perto da minha mão, servindo as taças conforme iam se esvaziando, num ritmo compatível – digamos – com a alegria dos convidados. Se cada conviva não exercesse sua própria moderação na bebida e se eu tivesse deixado umas quatro garrafas abertas pela mesa, certamente nosso jantar começaria muito bem mas poderia terminar muito mal. O vinho em excesso, como o dinheiro circulante em excesso, produz efeitos conhecidos: primeiro, joga os espíritos (ou a economia) para cima mas, se não controlada, essa “liquidez” converte a animação geral num falatório e, por vezes, num pesadelo.

 

Por falar em vinho, um exemplo recorrente de embriaguez monetária tem se passado na economia argentina. Lá eles são um exemplo vivo da alternativa de financiar gastos deficitários do governo por meio de emissões de dinheiro. Entre emitir papéis de dívida, que exigem pagamentos de juros, ou rodar mais dinheiro, os argentinos emitem pesos, que valem cada vez menos, porque ninguém quer manter suas economias numa moeda que vale sempre menos. Esse é o desafio da equipe do presidente Milei: tentar resgatar a confiança longa e largamente perdida no poder do país de emitir dinheiro confiável.

 

 

Aqui, no entanto, apesar de mais um prêmio de “melhor banqueiro central” recebido pelo presidente do nosso emissor de reais, o desafio de se praticar uma política monetária “saudável” continua enorme. E por quê? Pela razão de seguirmos nós pela outra alternativa ruim de financiar gastos em excesso: não emitir tanto dinheiro, mas emitir um caminhão de dívidas, com juros variáveis e (em geral) crescentes. No final, o resultado é quase tão desastroso como no vizinho: a economia primeiro aquece, mas desaquece em seguida (voo de galinha), os custos financeiros explodem e, pior, na falta de medidas pra valer, o real também é contagiado pela desconfiança e se desvaloriza, como se fosse um peso argentino. Mesmo sendo tão distante nossa situação financeira daquela vivida pelos argentinos, nossa incapacidade de gastar conforme um orçamento bem planejado nos nivela, no fim do dia, à condição de pedintes na cena mundial.

 

Quero insistir, meu caro João, que esse tema da moeda nacional e do gasto público são interligados. E bem complicados. Mas tenha sempre em mente o seguinte: como tudo na vida, há de prevalecer equilíbrio e moderação. Sem moderação nos gastos, não haverá equilíbrio no valor da moeda. Se nos endividamos demais para financiar gastos, isso não é solução equilibrada, nem mereceria prêmio por boa atuação. Viramos reféns de quem nos financia. Ou de quem deixa de nos financiar. Se rodamos a maquininha de dinheiro para cobrir a gastança da véspera, viramos estelionatários do futuro do país.

 

Não há alternativas fáceis a manter a responsabilidade absoluta no trato do dinheiro do público. Responsabilidade é o que nos tem faltado. Tanto aqui quanto no vizinho. Desculpe a rima rude mas, na festa, é preciso vigiar a garrafa de vinho.

 

Pelo bem das famílias brasileiras, tomara que encontremos esse caminho de equilíbrio e maior responsabilidade em 2025.

 

Com afeto,
Paulo

 

 
 

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