Nos últimos anos, tivemos no Brasil grande bipolaridade política. Por que não dizer também afetiva? A divisão de opiniões assumiu radicalidade jamais vista depois da ditadura militar (1964-1985).
É como se a inibição da direita pós-ditadura de repente despertasse do tempo de incubação. Uma direita que com o fim da ditadura se calou, porém permaneceu latente. Há não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a tendência da extrema direita à radicalização, o que culminou no fatídico 8 de janeiro em Brasília.
Há também a esquerda reativa, é claro que é preciso se posicionar contra o conservadorismo, e a peleja mostrou a divisão de opiniões de forma impositiva e emocional.
Dois opostos que se criticam odiosamente e provocam separações entre irmãos, amigos e intolerância às diferenças políticas.
Freud escreveu dois textos, em 1915 e 1932, entre a primeira e a segunda guerras mundiais. A última o obrigou a sair de Viena quando sua filha Ana passou a noite presa pela Gestapo.
Entre esses escritos, ele reformula sua opinião sobre as pulsões. Antes, Freud pensava que éramos movidos por prazer-desprazer, mas depois concluiu que não: somos movidos por pulsões destrutivas, os traumas, a compulsão à repetição do sofrimento.
Nesse percurso, seria impossível não chegar à dupla amor e ódio. Como dizia Lacan, “amódio”, ressaltando assim a ambivalência das emoções, que parecem tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas.
Ao falar de pulsão de morte e destruição, invoca a figura de Eros, o amor, que tem a função de ligação, de estabelecimento de laços sociais. Somos ambivalentes por constituição. Eros e Tanatos, os deuses do amor e do ódio, são continuidades. Ambivalência muito presente, o que explica os crimes de ódio... por amor.
Eros mostra uma polaridade. O amor sexual e ternura, por outro lado ódio e agressão. Os primeiros para a preservação da vida, os outros pela volta ao inanimado.
Podemos entender as questões de amor e ódio quando entendemos que, apaixonados, supervalorizamos o objeto amado e suas qualidades, há a liberação da crítica, ou melhor, uma abolição dela. Nós perdemos o senso crítico e só enxergamos suas qualidades. O juízo sobre o objeto é cada vez mais produto de uma idealização.
O motivo da falta de crítica que falseia o juízo é que somos tomados pela cegueira, ficamos como se estivéssemos hipnotizados. Vemos no objeto aquilo que ele diz, e não o que é.
Essa idealização põe em cena nada menos que o narcisismo, o eu de quem ama. Tratamos o objeto como se fosse nosso próprio eu. Amar significa transbordamento da libido narcísica sobre o amado.
Este é o paradoxo do amor: o objeto é, na verdade, investido pelo que é nosso – eu amo a mim mesmo. Te amo porque temos o mesmo gosto, pensamos igual, você é meu número. Idealização que se desmancha na vida cotidiana, revelando a ilusão e o engano do amor e que, muitas vezes, transforma-se em ódio.
O que na disputa política se demonstra é que o que não é eu, como eu, é odiado. Só se pode esperar violência e ódio da cultura em que aquele que não reza o mesmo credo não presta. É uma cultura misógina e pobre, incapaz de valorizar a alteridade, a diferença. Porque, afinal, é o novo que nos faz andar. Seremos capazes de responder ao outro sem violência?