O fogo e seu significado para os povos indígenas fazem parte da narrativa de

O fogo e seu significado para os povos indígenas fazem parte da narrativa de "Tatachina"

crédito: CHRISTOPHE SIMON / AFP

 

Na última semana falamos sobre as pulsões de vida e morte. Uma pressão constante à qual estamos submetidos e da qual não podemos escapar por ser de origem interna e não como qualquer estímulo externo do qual possamos fugir, nos proteger. Assim estamos expostos enquanto sujeitos de linguagem, a dar conta do que nos move sem que possamos saber exatamente do que se trata.

 


Não sabemos o que nos atrai, por que razão detestamos algo, respondemos sem pensar e nos arrependemos. Por que ficamos incomodados em certas situações e nos emocionamos em outras ou tudo sobre nossas escolhas. Precisamos sintonizar com nosso desconhecido interior, nosso infamiliar mais íntimo. Extimidade, adoro esta palavra.

 


Por isto dizemos que há um furo de sentido, um real incognoscível. Não sabemos exatamente o que precisamos para viver como os animais na natureza que já nascem sabendo o que precisam para viver.

 

 

Por isto, diante da falta de sentido e da necessidade de seguir vivendo com um não saber, encaramos um vazio. Então nos colocamos a tecer e a inventar sentidos próprios, imaginários, mitos, para produzir consistência onde não há. Bordas de um contorno deste vazio.

 


É preciso um bordado para que o caos não nos engula e caiamos na angústia da falta de respostas que dirigimos ao Outro para que nos responda sobre nós e sobre o que fazer desta vida sem receita nem manual de inscrição. Viver não é mesmo perigoso, como dizia Guimarães Rosa?

 


E cada um fará este contorno a seu modo, com o trabalho, estudando, amando, abraçando uma religião, malhando, ou com a arte, a escrita, a poesia. Estes últimos são os mais felizes pela capacidade de sublimar a pulsão.

 


Pensando nisso, apresento “Tatachina”, primeiro romance de Flávia D’Aves pela editora Quixote+Do. Obra que recebeu o prêmio literário Carolina Maria de Jesus, promovido pelo Ministério da Cultura, na categoria romance, literatura produzida por mulheres no ano passado. Prêmio que viabilizou a publicação.

 


“Tatachina” é a neblina vivificante, o orvalho primitivo que dá origem às palavras inspiradas, a fumaça do fogo em torno do qual os Guarani se reúnem para contar seus sonhos e suas histórias. Uma pesquisa realizada durante quatro anos tornou possível ir da escuta à escrita. Já começa incendiando nossos corações.

 


Uma narrativa, além de histórica, de um Brasil indígena é entremeada pelas recordações da vida em família, de duas irmãs. A amada, que faz passagens, reage e age conforme seu desejo. Outra, amante, que aprecia a coragem da irmã embora sinta pelas consequências de sua ousadia, é tímida e narradora perspicaz do que veem seus grandes olhos negros.

 


Romance que nos toca desde as primeiras linhas, começando forte: “Era noite escura a imensa claridade despertou a aldeia.” Ao final do primeiro capítulo, a emoção já tomou conta e choramos junto, como se reza uma prece. Lágrimas despertadas pela verdade da narrativa, pela linguagem poética, a escolha das palavras, a delicadeza do relato, a violência do fogo.

 


Um sopro de alma nas fraturas fraternas, entre a menina tomada como mulher que atravessa o rio e outra que guarda a semente, e, assim como a lua segue o sol, se entreolham no horizonte do ocaso.

 


O lançamento será no próximo sábado (30/11), na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 172, Savassi), das 11h às 13h. Até lá!