Na manhã de ontem, a classe médica foi profundamente impactada por mais um caso grave de violência: o assassinato do médico Edvandro Gil Braz, esfaqueado sete vezes enquanto trabalhava em uma unidade de saúde. O motivo? Um suposto mal atendimento prestado à ex-esposa do criminoso mais de dois anos atrás. O Clínico Geral, que dedicava quase 20 anos de sua vida ao serviço público em Douradina, era concursado no município e muito querido pelos pacientes, que o chamavam carinhosamente de Dr. Braz.
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O autor do crime, um usuário de drogas e dependente químico, teria premeditado o assassinato, amadurecendo por mais de dois anos sua intenção de vingança. Detido e interrogado, ele alegou que o atendimento prestado pelo médico teria causado um aborto na ex-esposa. As autoridades agora buscam o prontuário médico para averiguar se há alguma veracidade da acusação.
Embora ainda faltem informações concretas sobre o caso, algumas reflexões já se impõem.
A primeira delas é que a violência contra médicos e profissionais da saúde não é tratada com a seriedade que merece, pelas autoridades. Esse descaso cria um ambiente em que episódios como esse se tornam cada vez mais frequentes. A precariedade na saúde pública alimenta a insatisfação dos pacientes, que frequentemente direcionam sua ira aos médicos — também vítimas do sistema, presos às limitações estruturais e operacionais. Trata-se de um ciclo vicioso, que não se resolverá sozinho.
Em segundo lugar, é fundamental que os médicos fiquem atentos a sinais de ameaças. Não faço essa observação apenas com base neste caso, sobre o qual pouco ainda se sabe, mas em muitos outros que acompanhei ao longo de mais de 15 anos de atuação na defesa médica. É difícil acreditar que, dois anos após o ocorrido, o criminoso tenha simplesmente se levantado da cama e decidido buscar vingança, sem apresentar sinais prévios. É provável que ameaças ou comportamentos suspeitos tenham sido ignorados por pessoas ao seu redor, e até mesmo pela vítima.
Lembro de um caso semelhante envolvendo um cliente, um médico que, após a morte de uma paciente menor de idade em suas mãos, passou a receber ligações anuais do pai da jovem. Todos os anos, na data em que a filha completaria mais uma primavera, o homem ameaça matar os filhos do médico para que ele "sinta a mesma dor". Apesar de meus insistentes apelos para que ele denuncie as ameaças e busque uma Ordem de Restrição (medida protetiva que visa garantir a segurança e o bem-estar de uma vítima de violência, ameaça ou assédio), o médico insiste em adotar uma postura que diz ser “empática” em relação à dor do pai, e não toma as atitudes legais que deveria.
Portanto, este caso precisa servir de alerta a todos os médicos. Ignorar ameaças reais não é empatia; é negligência consigo mesmo e com aqueles que dependem de sua segurança. Nossa justiça tem limitações, mas quando sequer é acionada, torna-se completamente ineficaz.
O terceiro aspecto a ser considerado é a importância de promover um atendimento médico humanizado, como forma de prevenir crises e tensões desnecessárias entre médicos e pacientes. Não digo isso por acreditar que este fator motivou o homicídio em questão, ou que o justificaria de alguma forma — nenhuma violência é justificável. Mas minha experiência com centenas de casos análogos mostra que muitas crises entre médicos e pacientes poderiam ser evitadas com um atendimento mais empático.
Vivemos tempos estranhos, em que as emoções das pessoas estão cada vez mais à flor da pele, ocasionando comportamentos e reações completamente irracionais, pelos motivos mais insignificantes. Em questões tão sensíveis como saúde e vida, evitar atritos deve ser a nossa prioridade. Afinal, de que adiantaria estar certo, mas morto?
Gostaria de acreditar que o responsável por esse crime irá cumprir uma pena longa, mas creio que isso dificilmente acontecerá. Também desejaria que as autoridades reconhecessem a urgência de melhorar as condições de trabalho para os profissionais da saúde pública, mas, infelizmente, já estou cético quanto a isso. Gostaria de acreditar que os meios de comunicação e a sociedade irão reavaliar a cultura de hostilidade contra a classe médica, que não apenas desrespeita os profissionais, mas também incentiva comportamentos violentos. Contudo, também não tenho grandes expectativas neste ponto.
Sendo bastante realista, minha verdadeira esperança é que após mais essa tragédia, os médicos compreendam que os riscos que enfrentam são reais, que ameaças não podem ser subestimadas, e que proteger suas vidas e as de seus entes queridos deve ser sempre a prioridade.
Renato Assis é advogado há 18 anos, especialista em Direito Médico e Empresarial, professor e empresário. É conselheiro jurídico e científico da ANADEM. Seu escritório de advocacia atua em defesa de médicos em todo o país.
Site: www.renatoassis.com.br
Instagram: renatoassis.advogado