Bombardeio em Gaza -  (crédito: JACK GUEZ/AFP)

Bombardeio em Gaza

crédito: JACK GUEZ/AFP

Amanhã, 07 de novembro, faz um mês que Israel foi surpreendido com o mais brutal ataque submetido ao povo judeu, desde o Holocausto, sendo considerado por muitos o equivalente ao 11 de setembro judaico. Evidentemente, a surpresa daquela manhã de terror atingiu tanto o exército e civis israelenses quanto a quase totalidade dos cidadãos palestinos, em Gaza, que desconheciam as pretensões dos seus líderes.

O grupo Hamas, que governa, desde 2006, o pequeno enclave árabe-palestino na porção sudoeste de Israel, sabia que tal ação poderia provocar uma resposta israelense brutal e, provavelmente, tinha isso como objetivo. Com base em situações similares vivenciadas anteriormente, com muito menos mortos entre os judeus, as Forças de Defesa Israelenses (FDI) haviam retaliado com extrema violência e, com alta
desproporcionalidade de vítimas, no reduzido território administrado pelo grupo, como ocorreu em 2014.
Os palestinos estavam esquecidos e abandonados regional e internacionalmente.

Os enfrentamentos entre os dois povos nunca cessaram, mas não ganhavam as manchetes dos jornais há tempos. Escrevi sobre isso em maio de 2021 (Palestinos foram esquecidos), quando as tensões na Cisjordânia (onde o Hamas não lidera) estavam crescentes, envolvendo os colonos e exército judeu contra os palestinos, mas sem amplo destaque nas mídias.


A crescente aproximação dos países árabes vizinhos com Israel nos últimos anos, com a possibilidade de absorver a Arábia Saudita, era um indicativo de que os palestinos estavam destinados ao esquecimento. Esse cenário de abandono não era de interesse das lideranças palestinas, em nenhum dos territórios ocupados (Cisjordânia e a Faixa de Gaza).


Todavia, as estratégias da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que representa os palestinos na Cisjordânia, não tenderiam para um enfrentamento tão violento quanto os líderes de Gaza seriam capazes de promover.

O Hamas, sigilosamente, se preparou para o ataque, que o governo de Israel não foi capaz de prever e se defender, apesar dos alertas dados pelo Egito. Naquela fatídica manhã de sábado, 07 de outubro, o mundo se assombrava com as imagens da violência contra áreas ocupadas por cidadãos e exércitos israelenses, com centenas de mortos e sequestro de civis pelos integrantes do Hamas e da Jihad Islâmica.

O ato foi amplamente condenado, e uma reação de Israel era esperada e considerada justa pelas circunstâncias em que ocorreu. Em resposta ao ataque, Gaza foi fortemente bombardeada, com cortes totais de água, comida, eletricidade e combustíveis, dando início a uma grave crise humanitária. O controverso governo Benjamin Netanyahu recebeu apoio imediato das potências ocidentais: EUA e nações
europeias.

Os norte-americanos enviaram um porta-aviões para o Mediterrâneo oriental, e o presidente Joe Biden bradou “Nós apoiamos Israel”. Em mensagens divulgadas pelos funcionários do Departamento de Estado, expressões como cessar fogo, fim da violência/derramamento de sangue e restauração da calma deveriam ser evitadas pelos seus diplomatas e em materiais de imprensa.

Era a demonstração de apoio irrestrito aos israelenses pela Casa Branca e de que o governo não tinha nenhum interesse em conter Israel, com alguma estratégia de dissuadir da punição coletiva aos palestinos, que se iniciava após os aterrorizantes atos do Hamas, naquela manhã de sábado.

Entretanto, à medida que os bombardeios israelenses atingiam número crescente de civis (especialmente crianças e mulheres), hospitais, igrejas, escolas (algumas controladas pela ONU) e campos de refugiados sendo destruídos continuamente, a postura das lideranças europeias e dos Estados Unidos começou a abrandar nos bastidores.

Há informações de que os líderes do Ocidente pedem ao governo israelense para minimizar a agressividade dos ataques (um cessar fogo não foi ainda sequer cogitado) e garantir mínimas condições aos palestinos, principalmente ao sul de Gaza, dando o mínimo de prioridade às questões humanitárias.

Joe Biden ainda não foi enfático nesta postura, mas ao perceber um aumento da perda da popularidade, que afetaria os resultados das eleições a favor do candidato rival, no próximo ano, há chances de pressionar mais Israel para uma mudança de atitude.


Apesar de uma mídia ocidental muito favorável aos israelitas, na era das redes sociais, as imagens circulando em tempo real dificultam uma negação dos fatos e de um massacre palestino (mesmo com uso recorrente de fake news).


O pedido de evacuação do Norte de Gaza de 1,1 milhão de palestinos, em 24 horas, foi considerado humanamente impossível e mostra a face mais cruel dessa guerra. A transferência populacional se assemelha a uma limpeza étnica, mas mesmo que seja uma medida estritamente militar, praticamente não haverá para onde voltar no Norte de Gaza, quando acabar todo o flagelo imposto aos palestinos nesta guerra sangrenta, uma vez que tudo está sendo demolido pelas FDI.

O Hamas, certamente, sabia que a reação dos judeus seria devastadora e, talvez, aguardasse exatamente essa resposta para derrubar um dos principais argumentos utilizados há décadas pelos líderes judeus para justificar o sionismo e a existência de Israel: as atrocidades a que foram submetidos durante o Holocausto nos campos de concentração nazistas, na Segunda Grande Guerra Mundial.

Os responsáveis pelo ataque aos judeus esperavam que Israel cometesse uma crueldade tão massiva, que em resposta correriam o risco de perder a total legitimidade junto à comunidade Internacional, conquistada desde a criação do estado de Israel, em 1948. Tal cenário poderia fortalecer a existência de um estado palestino, como proposto pela ONU, em 1947 e ainda não efetivamente concretizado.

O mundo, ao ver as imagens de crianças, mães, médicos, jornalistas, jovens mortos, feridos espalhados pelos hospitais sem recursos, sobreviventes (em especial bebês traumatizados) e toda a infraestrutura transformada em entulhos, pode enxergá-los como semelhantes àqueles que tentaram dizimá-los nos campos de concentração e, portanto, não seriam os únicos merecedores de uma pátria.

Os antissemitas teriam os argumentos necessários para invalidar a existência do país e seriam capazes de dizer que eles são igualmente maus e que não é justo ouvi-los reclamar, pois não seriam dignos a tais direitos. Isso pode ser o início do fim para Israel.

Há possibilidade de toda a simpatia que os judeus alcançaram no mundo desde o final da guerra, em 1945, seja eliminada ou muito diluída, com o acirramento do conflito.

Afinal são capazes de cometer contra a jovem população palestina na Faixa de Gaza as mesmas barbaridades que sentiram na pele e na alma.

À medida que milhões tomam as ruas das grandes cidades em manifestações pró-Palestina, envolvendo grupos etnicamente diversos (incluindo judeus, contrários ao sionismo ou a existência de um só estado) a imagem de Israel se borra de sangue pela forma truculenta que atua nas áreas palestinas de Gaza. Gradativamente, muitos governantes pedem o retorno dos seus embaixadores (Colômbia, Bolívia, Chile,
Jordânia, Bahrein).


A justificativa do governo, para os ataques, de eliminar o Hamas não é mais suficiente para a violência aplicada e se torna mais frágil quando o número de vítimas e tensões se intensificam na Cisjordânia, onde esse grupo não possui nenhuma representatividade política.

É certo que o antissemitismo se expande na sociedade ocidental e muçulmana em ritmo muito acentuado desde que a guerra começou. As imagens da invasão do aeroporto do Daguestão são um pequeno retrato do que pode estar por vir. Um aumento de circulação de vídeos de cunho antissemita, se expande na plataforma Rumble, envolvendo inclusive o ex-presidente do EUA, Donald Trump, atual inimigo de
Netanyahu, após o apoio do líder de Israel à vitória democrata, em 2020.

O governo de Israel sabe que o cenário é crítico e emitiu uma nota, na última sexta-feira, 03 de novembro, pedindo a todos os judeus para evitarem viagens internacionais devido ao aumento das hostilidades, desde que o conflito foi iniciado.

O nacionalismo, que tantas guerras alimentou, está na sustentação da truculência a que assistimos em tempo real, contra os palestinos de Gaza e pode se voltar contra Israel. A história já mostrou que as consequências disso nunca foram boas.

A “parede de ferro” imposta pelos judeus aos palestinos não fez com que este povo desistisse de existir. O bloqueio de Israel a esse território dura mais de 16 anos.


Ataques aéreos ocorreram todos os anos, cortes sucessivos de suprimentos básicos (água, comida e energia) foram uma constante; mas, apesar de todos os dissabores e horrores vividos, jamais essa população desistiu de existir ou tentou fugir em massa.

Não será desta vez que agirão de forma diferente. Eles já vivenciaram algo similar no passado e temem uma outra Nakba (o que chamam de a “grande catástrofe”), como ocorreu em 1948, quando mais de 750.000 palestinos foram expulsos de suas terras e não puderam voltar, mesmo com resoluções da ONU favoráveis aos refugiados, que Israel ignorou.


As forças israelitas já mataram mais de 10 mil pessoas, deste total 40% são crianças (centenas antes de completar um ano de vida) e mulheres. As ações do exército estão cada vez mais cruéis e mortais. A ampliação dos ataques por terra pode ceifar a vida de um número incontável de vítimas.

Mas o desfecho, apesar da expressa intenção de extermínio desse povo por vários líderes de Israel, que já os associaram a animais e como tal deveriam ser aniquilados, não levará ao seu fim.


A numerosa (2,4 milhões de pessoas) e jovem população de Gaza terá cicatrizes profundas desta guerra. Metade dos habitantes tem menos de 18 anos e, desse total, 40% têm menos de 15 anos: em tenra idade são expostos à dor e ao sentimento de ausência de justiça e igualdade.


Aqueles que escaparem da morte serão moldados, nas próximas décadas, pelos resultados desse sangue derramado. À medida que crescerem, podem acreditar que o único caminho para a sobrevivência e para a liberdade seja através da violência. Não haverá paz.