Campo para palestinos deslocados no centro da Faixa de Gaza, em meio ao conflito em curso entre Israel e o Hamas -  (crédito:  AFP)

Campo para palestinos deslocados no centro da Faixa de Gaza, em meio ao conflito em curso entre Israel e o Hamas

crédito: AFP

Os níveis absolutos da fome global poderão ser os mais elevados da história da humanidade, no ano de 2024. Um conjunto excepcional de problemas ameaça o mundo e o coloca em uma situação grave e emergencial de insegurança alimentar. Guerras, alterações climáticas, elevação dos preços dos alimentos são a base das causas que mostram quão frágil é o sistema de alimentos mundial.

 

A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) começou a relatar a extensão da fome do mundo em 1974. Desde então, a população mundial estimada, nos anos de 1970 em, aproximadamente, 4 bilhões de pessoas, mais que dobrou daquela época para os dias atuais. Esses números populacionais permanecem em crescimento e a sociedade global se encontra cada vez mais urbanizada, distinto do mundo rural que prevalecia.

 

Nunca se produziu tanto alimento, porém a fome permanece uma realidade infame, atrelada a um cenário preocupante de subnutrição, que abrange um rápido aumento do excesso de peso e da obesidade, mesmo em sociedades subnutridas. As mudanças da forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos são drasticamente visíveis em todos os recantos do mundo.

 

Há uma globalização cultural, que afeta, entre outras coisas, os hábitos alimentares: substitui-se uma alimentação mais saudável por produtos cada vez mais industrializados e desprovidos dos nutrientes básicos necessários ao bom desenvolvimento do indivíduo.

 

 

 

Segundo a FAO, “a fome é uma sensação física desconfortável ou dolorosa, causada pelo consumo insuficiente de energia alimentar (calorias). Torna-se crônica quando a pessoa não consome regularmente uma quantidade suficiente de calorias para levar uma vida normal ativa e saudável”. A insegurança alimentar ocorre quando as pessoas não têm acesso regular a alimentos seguros e nutritivos, suficientes para o crescimento e desenvolvimento normais.

 

Geralmente, as duas condições são interdependentes e associadas à indisponibilidade de alimentos e/ou à carência de recursos para obtê-los. As pessoas acabam não tendo que comer e não sabem quando terão a próxima refeição. Assim, quando o indivíduo sofre de insegurança alimentar grave, fica sem comida um dia ou mais, é muito provável que tenha passado fome.

 

Esse é um dos mais aterradores problemas sociais, que atinge os países subdesenvolvidos em escala mais acentuada, mas não poupa as nações mais ricas do planeta: nos Estados Unidos, estima-se que mais de 41 milhões de norte-americanos, incluindo 13 milhões de crianças, sofram de alguma forma de insegurança alimentar anualmente.

 

 

Em 2022, no mundo, aproximadamente 784 milhões de pessoas enfrentaram a fome, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). No último ano, a fome aguda permanecia elevada em 59 países, pois uma em cada cinco pessoas avaliadas estava necessitada de medidas urgentes para combatê-la (dados ONU/2023). Os conflitos são os principais responsáveis pela deterioração das condições alimentares nos países analisados.

 

As imagens da fome nos grandes bolsões de pobreza mundiais são sempre impactantes e, tristemente, recorrentes na Ásia Meridional, na África Subsaariana, em países latinos como Haiti, Venezuela, e infelizmente, no Brasil, entre outros.

 

Mas as imagens mais recentes e chocantes da fome, que ganharam espaço nas mídias, em especial as redes sociais, retratavam a morte por inanição de crianças e jovens palestinos, na zona de conflito em Gaza, principalmente na porção Norte, onde a população que aí vive resiste a um cerco permanente de Israel, desde outubro de 2023; isso os impede de acesso às condições alimentares básicas, colocando em risco de morte um número elevado de pessoas famintas.



A fome generalizada dos palestinos, prevista no final de 2023, tornou-se realidade nos primeiros meses de 2024. Um cenário chocante de corpos esquálidos e esfomeados indicava a ausência do mínimo necessário à permanência da vida. A falta de alimentos é patrocinada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pelos judeus sionistas, seus apoiadores e colocada em prática pelas Forças de Defesa Israelenses (FDI).

 

A guerra que eclodiu há mais de seis meses entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, o território anexado pelos judeus, em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, foi mantida, mesmo após uma decisão da ONU de cessar fogo, solenemente ignorada pelo estado de Israel, sem que houvesse retaliações ou sanções por essa atitude dos judeus, como sempre foi de praxe a outras nações que se rebelavam às normas impostas.

 

Toneladas de alimentos estragam nos depósitos de ajuda humanitária na Jordânia e em outros países. As tentativas de lançar alimentos por via aérea (uma sugestão da equipe de administração de Joe Biden) são custosas e mal sucedidas. Enquanto isso, Israel se recusa a abrir as fronteiras que poderiam salvar milhares de vidas da fome avassaladora que atinge a região.

 

As lideranças mundiais permanecem em silêncio, exceto alguns líderes mais corajosos que reagem à violação de direitos humanos dos civis palestinos, principalmente de crianças e mulheres, veiculada em tempo real. Mas como têm menos poder de decisão, pouco podem mudar em relação ao cenário famigerado que atinge a região de Gaza, o lugar onde tudo morre, menos a morte.

 

A política adotada pelo estado israelense nesta guerra sangrenta fere os princípios defendidos por alguns dos pioneiros da criação do estado de Israel. Até na guerra há limites quanto às agressões impostas ao adversário. Não se tira tudo do outro. Há um ínfimo respeito em qualquer situação, para evitar que em algum momento o retorno do ódio aplicado possa ser tão dolorido quanto ao infringido.

 

Uma demonstração dessa estratégia de mínimo respeito ocorreu em 1982, durante o período que Israel esteve envolvido na guerra do Líbano. Naqueles tempos, o mesmo homem que hoje lidera a maior potência mundial, Joe Biden, em uma conversa com Menachem Begin, Primeiro-Ministro israelense na época e fundador do partido Likud (hoje liderado por Bibi Netanyahu), disse que apoiava integralmente os judeus no conflito, mesmo que isso envolvesse o assassinato de mulheres e crianças pelos israelenses.

 

Begin, ao ser indagado, posteriormente, pelos repórteres sobre esse diálogo teria respondido a Biden: “Não, senhor; atenção deve ser dada. De acordo com os nossos valores, é proibido ferir mulheres e crianças, mesmo em guerra”. Netanyahu desconsidera esse valor básico.

 

Mais de seis meses após o início da guerra em Gaza, Israel mantém as práticas de extermínio do povo palestino, e entre os contínuos bombardeios está a privação de alimentos, água, remédios e tratamentos médicos. A população está faminta, não só de comida, mas esse é um dos maiores problemas nas atuais circunstâncias.

 

Apesar das evidências, o governo continua a negar veementemente as acusações de genocídio. Netanyahu e seus asseclas continuam afirmando que suas operações são justificadas pelo direito de autodefesa amparadas pelo direito Internacional, após os ataques de sete de outubro, quando os militantes do Hamas mataram 1139 pessoas, a maioria civis, segundo as autoridades israelitas, e fez mais de 240 reféns.

 

A última tentativa de ajuda humanitária aos palestinos está impedida de sair do Porto de Tuzla, na Turquia. Três navios porta-contêineres transportam ajuda humanitária, com mais 5.500 toneladas de alimentos, 1000 médicos e outros suprimentos essenciais destinados à população palestina, fornecidos pela Coalizão Internacional da Flotilha da Liberdade (FFC).

 

A FFC é formada por várias organizações não governamentais de 12 países (Canadá, Malásia, Itália, Noruega, Estados Unidos, Suécia, Espanha, Turquia, África do Sul, Nova Zelândia, Reino Unido e França), e atracou em território turco com o intuito de chegar a Gaza em 19 de abril, mas enfrenta a resistência da liderança turca em permitir sua saída da área portuária.

 

A pressão dos EUA e do governo israelense junto ao governo Erdogan é a possível causa dessa demora. Há grandes possibilidades de essas embarcações serem impedidas de sair do local onde estão atracadas. Mas, mesmo que saiam do porto turco, correm o risco de serem barradas pelas forças israelenses em águas internacionais ou nos limites costeiros de Gaza, onde Israel exerce total controle marítimo.

 

A primeira viagem da flotilha a Gaza, em maio de 2010, transformou-se num banho de sangue: Israel enviou navio de guerra para enfrentá-la, matando dez tripulantes, todos turcos, incluindo um turco-americano, com dupla nacionalidade, e ferindo outros trinta. Há um temor que é algo similar possa acontecer.

 

O cenário não é nada bom. Os diálogos não avançam, somente as tropas e os bombardeios evoluem. Nas condições sombrias dos tempos atuais, é bom lembrar de Golda Meir, ex-primeira-ministra israelense (1969-1975) e a sua advertência em 1973: “nós judeus temos uma arma secreta contra os árabes... não temos outro lugar para ir”. Mas não esqueçam que os palestinos também não.