Donald Trump e Kamala Harris  -  (crédito: Getty Images via AFP)

Donald Trump e Kamala Harris

crédito: Getty Images via AFP

A saída de Joe Biden da corrida presidencial, por um segundo mandato ao governo dos Estados Unidos, altera drasticamente o cenário que, aparentemente, estava definido, como indicavam os resultados das pesquisas eleitorais. A ampla vantagem do seu principal oponente, Donald Trump, do Partido Republicano, colocava a derrota de Biden quase como certa.

 

O atual presidente atuou na política estadunidense por mais de cinco décadas, com plena dedicação às diversas funções exercidas, e esta será, certamente, a última parada de uma vida devotada ao governo norte-americano. Uma curta carta foi o meio utilizado para anunciar o fim da sua trajetória política, após alcançar o posto mais importante da política mundial: a presidência dos EUA.

 

 

Todavia, desde o famigerado debate do último dia 27 de junho, os sinais de decadência do presidente da maior potência econômica global ganhavam as manchetes em todo o mundo: a lentidão dos pensamentos, os contínuos esquecimentos, o longo fechar de olhos durante as reuniões que abordavam temas importantes demonstravam que o presidente não era o mesmo de outrora.

 

A Casa Branca tentou abafar todo o burburinho gerado após o fatídico debate. As frases curtas, ríspidas e até ofensivas contra a permanência da campanha de Biden ganharam as redes sociais em ritmo frenético. Tais cenários e os violentos comentários contra o presidente desestimularam os doadores da milionária campanha eleitoral do país, que envolve os democratas e os republicanos, especialmente. Sem esse capital, dificilmente o partido teria condições de concorrer em igualdade com o principal adversário.

 

A descrença na acuidade mental de Biden, com quase 82 anos, o enfraquecia entre os próprios eleitores, e a situação se agravava, principalmente, nos estados onde havia mais indecisos. Com poucas chances de vitória e pressionado pelo partido, ele optou por renunciar a um novo pleito.

 

Entretanto, há um quê de mestre nesta decisão. Biden esperou a convenção dos republicanos, quando o principal ataque foi à sua idade, portanto queimaram um importante momento da campanha eleitoral do rival e a escolha do vice de Trump, J. D. Vance, o senador do estado de Ohio, que consegue ser mais radical que o próprio candidato.

 

Com essa decisão, o partido não vai angariar votos entre outros eleitores que não sejam os trumpistas de sempre, com risco de perder alguns votos devidos às falas controversas do Sr. Vance, que a imprensa e as redes sociais estão ressuscitando.

 

A saída de Biden altera os cenários de uma campanha que será acirrada e acompanhada mundialmente. Ao longo de 2024, ocorrerão processos eleitorais em 76 países. Nenhum, todavia, será tão emblemático quanto o norte-americano. As eleições de 5 de novembro alimentam uma série de expectativas globais, com consequências que atingem, direta ou indiretamente, várias outras nações, como no Brasil.

 

Por aqui, a extrema direita nacional aposta numa vitória de Trump e as possíveis mudanças no próprio cenário interno, principalmente para os resultados eleitorais de 2026, quando será decidido o novo presidente do país. Mas, apesar de ainda permanecer à frente nas pesquisas, os resultados são incertos. Há muita água para rolar nos próximos 100 dias que ainda faltam para as eleições de novembro.

 

Com a saída de Biden, sua vice, Kamala Harris, no alto da juventude dos seus 59 anos, deve assumir, oficialmente, como a candidata dos democratas, na convenção do partido, a ocorrer no próximo mês, em Chicago. Os críticos afirmam que Biden não saiu da corrida presidencial logo após o infortunado debate, devido à desconfiança que os líderes democratas têm em relação ao nome de Harris, considerada em uma pesquisa de 2023 a pior entre os vice-presidentes das últimas décadas.

 

 

A ausência de tempo, carisma e ousadia de Kamala (que o adversário possui de sobra) podem ser importantes obstáculos em sua curta campanha. Ela é ex-promotora do estado da Califórnia, apoiada no início da carreira política, na década de 1990, pelo antigo prefeito de São Francisco, Willie Brown, quando o namorou. Nessa época, ele ainda era casado, tinha mais de 60 anos, e ela, menos de 30.

 

A trajetória da vida privada de Harris deve ser colocada em evidência pelos adversários para comover os eleitores conservadores, defensores da tradicional família norte-americana, bem como a opção de não ter filhos deve ser usada contra ela, como já mencionado de forma pejorativa, no passado, pelo radical vice de Trump, J. D. Vance. Mas esses ataques à vida pessoal da candidata podem afastar eleitores mais progressistas, que os republicanos querem conquistar.

 

Ao longo de sua carreira, Harris, ora pendeu para a direita, ora para a esquerda, o que criou uma imagem de oportunista para muitos dos seus críticos. Em 2010, foi eleita procuradora-geral do estado, com estratégias consideradas controversas para atingir esse objetivo. Naquela época, recebeu apoio de Trump, inclusive financeiro, para alcançar esse posto. São as voltas que a vida dá.

 

Kamala vai enfrentar outras dificuldades externas (como o apoio à Guerra da Ucrânia e as pressões internas ao fim da Guerra em Gaza) e internas. Ela não tem muita flexibilidade e pouco sucesso em falas improvisadas. Se é um show em discursos bem elaborados, como demonstrado recentemente, no primeiro comício de campanha, em Milwaukee, peca na improvisação. Será um alvo fácil para propagação de fake news, recheadas de pura misoginia por parte dos oponentes.

 

 

Trump tem como um dos pilares de sua retórica eleitoreira o combate à migração ilegal no país. Sem nenhuma prova, o candidato republicano brada que os EUA se tornaram o destino de criminosos e doentes mentais, expulsos dos demais países. Trump se apresenta como o guardião da fronteira sul, afirmando que impedirá a entrada de novos imigrantes e deportará todos que se encontram em situação de ilegalidade.

 

Harris recebeu de Biden a função de monitorar a fronteira sul e a migração ilegal para os EUA. Entretanto, recebeu críticas violentas sobre essa função. Ela nunca esteve na região que deveria controlar e milhares de migrantes usaram essa rota para chegar, de forma irregular, ao país.

 

No último dia 25 de julho, os republicanos da Câmara (onde há seis democratas), aprovaram uma resolução, condenando-a por não proteger as fronteiras. Segundo dados do próprio governo, houve mais de 2,5 milhões de apreensões de indivíduos não documentados, que atravessaram a fronteira que deveria ser fiscalizada pela vice-presidente.

 

As narrativas serão múltiplas para desclassificá-la como capaz de gerenciar essa questão, que garante ampla popularidade ao rival. Trump esbraveja cenários apocalípticos com uma possível vitória de Harris, afirmando que será a destruição dos EUA a manutenção das travessias ilegais para o solo norte-americano.

 

Segundo o jornal The Economist, 14% dos eleitores registrados consideram a migração a questão mais importante que o país enfrenta, perdendo apenas para a inflação crescente. Esse contexto é altamente desfavorável aos democratas e, especialmente para Kamala Harris.

 

É certo que a participação dela na política dá novo ânimo àquele cenário anterior de disputas entre dois candidatos anciãos. Kamala é filha de imigrantes: sua mãe era uma endocrinologista, nascida na Índia, e seu pai, um economista nascido na Jamaica. Com essa biografia de uma mulher de origem negra e asiática, que quebra barreiras, os democratas podem triunfar em novembro. Os eleitores estão em busca de algo mais autêntico, e isso é favorável a ela.

 

Todavia, sua pior rival pode ser ela mesma, que nos últimos três anos e meio permaneceu apagada e sem grandes expressões no governo Biden. Todas as suas fraquezas serão amplamente utilizadas pelos republicanos. Um dos maiores desafios será rebater todas as acusações e, assim, convencer o eleitor de que será competente para solucionar os maiores problemas que os EUA enfrentam.

 

Em fevereiro, a então candidata republicana à presidência, Nikki Halley, disse: “O partido que livrar do seu candidato de 80 anos será o partido que vencerá”. Os democratas o fizeram. Resta saber se a fala será profética.

 

Agora é aguardar e esperar para ver se a bandeira azul democrata (para confundir, ironicamente, nos EUA, o vermelho é a cor da direita e da extrema direita) tremulará no dia 5 de novembro. As cartas foram lançadas.