Ainda que alguns poucos resistam, parece haver na atualidade uma tendência – e até mesmo uma expectativa – de que todos nós compartilhemos nossas vidas nas redes sociais. Se visto por um lado, isso é benéfico, pois nos permite fortalecer conexões e interagir com uma variedade de pessoas. No entanto, do ponto de vista filosófico, essa tendência pode ser vista como um afastamento da vida autêntica, na qual corremos o risco de alterar nosso foco: em vez de vivermos o prazer da experiência, passamos a nos preocupar com a forma como ela será percebida pelos outros.
Na busca por gratificação imediata – os likes, comentários e compartilhamentos – muito de nós, pessoas comuns, nos tornamos personagens de um espetáculo virtual. Nesse palco, nossa intimidade se transforma em performance pública, cuja autenticidade é frequentemente sacrificada em nome da aceitação social. Em seus escritos, Heidegger nos alertava sobre a inautenticidade que surge quando nos afastamos de nossa existência genuína e nos perdemos em um modo impessoal e conformista de viver, moldando nossas ações pelas expectativas dos outros.
O resultado é que, ao invés de nos envolvermos genuinamente em nossas experiências, começamos a encenar para uma audiência invisível, moldando nossas vidas mais pelas reações dos outros do que pelas nossas próprias emoções e percepções.
A curadoria de uma identidade perfeita no mundo online não só nos desconecta do presente, como também nos impõe uma pressão contínua. Ao compartilhar uma vida que aparenta ser perfeita, podemos acabar nos moldando para nos transformar em algo que cativa o público, mas que está distante de quem somos. Essa vida inautêntica, como diria Heidegger, nos afasta do nosso ser-no-mundo, e nos leva a viver em um constante estado de alienação.
A necessidade constante de validação externa pode acabar nos aprisionando em um ciclo vicioso. Os momentos pessoais, que deveriam ser vividos com intensidade, são transformados em conteúdos compartilháveis. Nessa transição, é possível que criemos uma distância emocional entre quem realmente somos e a imagem pública que construímos. Ao vivermos para satisfazer o público, podemos nos alienar de nossa própria liberdade, transformando-nos em meros objetos, em vez de sujeitos de nossa existência. De modo que a narrativa de nossas vidas deixa de ser algo genuíno, ditado por nossas experiências internas, e passa a ser moldada pelas expectativas e relações de uma audiência online.
Esse descompasso gera um paradoxo: quanto mais compartilhamos nossas vidas, menos as vivemos de fato. Em vez de sermos protagonistas de nossas próprias histórias, nos tornamos espectadores passivos, assistindo a cenas cuidadosamente editadas por nós mesmos, mas que não refletem nossa realidade. A troca genuína de experiências é substituída por uma encenação online, onde a preocupação com a opinião alheia ofusca nossa percepção e conexão com o mundo vivido.
A tendência de moldar nossas vidas em torno das expectativas das redes sociais, nos alerta sobre o risco de nos aprisionarmos em uma existência fabricada, onde a autenticidade é substituída por uma versão idealizada de quem desejamos parecer. Nesse processo, perdemos não apenas a conexão com o que é real, mas também a chance de viver uma vida verdadeiramente nossa, nos enredando em narrativas que, embora perfeitamente construídas, carecem de verdade e profundidade. .