A partir da análise atenta da iconografia brasileira, a escritora, historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz demonstra como a ideia da superioridade branca se manifesta simbolicamente na arte desde o período colonial.
Em seu livro mais recente, “Imagens da branquitude – A presença da ausência”, a autora, importante estudiosa das questões de raça no Brasil, explica a branquitude como “um sistema internalizado de privilégios materiais e simbólicos que se ancora no passado, mas exerce suas prerrogativas no presente".
Nesse sentido, Lilia Schwarcz defende que enquanto pessoas não brancas, como negros e indígenas, estão vinculadas a seus fenótipos e origens, os brancos, ao serem representados socialmente, ocupam espaço de neutralidade e invisibilidade. A branquitude, assim, seria uma “não cor”.
“As populações brancas têm presença tão opressiva que não precisam figurar concretamente. A branquitude constrói uma sensação de estar em todo lugar”, afirma Lilia.
“O melhor exemplo são os museus etnográficos. Nestes espaços, são expostas práticas e conhecimentos de todos os povos, como africanos, asiáticos e americanos. As populações brancas, no entanto, sobretudo as populações brancas europeias que produzem ordens e critérios de classificação de outros povos, não figuram nestes locais”, observa a historiadora.
Nesta terça-feira (26/11), Lilia Schwarcz é a convidada da República Jenipapo, evento criado pela Livraria Jenipapo, em Belo Horizonte, em parceria com o Projeto República, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante o encontro apresentado pela professora Heloisa Starling, Lilia abordará aspectos importantes de “Imagens da branquitude”, ao lado da historiadora e pesquisadora Nayara Henriques.
Lugar da barbárie
Tornada imortal pela Academia Brasileira de Letras em março deste ano, Lilia aborda a presença opressiva e muitas vezes invisível da branquitude em iconografias diversas, entre elas os mapas.
A antropóloga explica que os mapas coloniais eram frequentemente acompanhados de pequenas ilustrações que correspondiam a vários povos do globo. Nesses materiais, indígenas e estrangeiros eram colocados no lugar da barbárie, enquanto os brancos se apresentavam como exemplo de civilização.
“Essas são formas de construir a naturalização da diferença e da desigualdade, quando não há nada de natural nestes que são gestos políticos”, explica.
A escolha de explorar o tema branquitude por meio de imagens não foi por acaso. Lilia conta que a obra é resultado de um curso referente a iconografias lecionado por ela nas universidades de São Paulo (USP) e Princeton, nos Estados Unidos.
“Percebo como as pessoas são muito afetadas por imagens. Se há originalidade no livro, ela se expressa pela ideia de explorar branquitude a partir de pinturas, aquarelas, fotografias, mapas, folhetos, propagandas e qualquer tipo de produção efêmera impressa”, comenta.
Além de analisar imagens dos períodos colonial, monárquico e republicano, Lilia apresenta registros contemporâneos que evidenciam a presença do racismo estrutural na sociedade brasileira.
“Recentemente, um jornal paulista, ao introduzir o tema de um rapaz que teria entrado em uma escola e assassinado uma série de crianças, colocou a imagem da mão negra segurando o revólver. Ocorre que o atirador era branco, não negro. Dessa forma, percebemos a associação da pele negra à violência. Por meio das imagens, há uma tentativa de naturalizar o que não deve de forma alguma ser naturalizado”, destaca.
REPÚBLICA JENIPAPO
Com Lilia Schwarcz e Nayara Henriques. Apresentação de Heloisa Starling. Nesta terça-feira (26/11), às 19h, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi, BH). Entrada gratuita.
* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro