O título, “Velocidade”, é uma provocação em si. O que o décimo espetáculo do Grupo Quatroloscinco, com estreia nesta quinta-feira (2/1), no Teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil, pede, é que o público desacelere. Mais: que o espectador se torne ativo, construindo a obra com o elenco.
Com cinco atores em cena – Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Michele Bernardino e Rejane Faria –, a montagem é dividida em sete partes, que seriam como capítulos de um livro. “Pensamos numa peça-sonho, pois o sonho nos possibilita trabalhar com imagens não concatenadas para construir histórias”, afirma Laureano, que divide a direção com o realizador Ricardo Alves Jr.
A dramaturgia, assinada por Benevenuto e Coletta, partiu do texto “Notas sobre os doentes de velocidade”, da autora mexicana Vivian Abenshushan. “Ela fala como nós, seres humanos, estamos avançando cada vez mais na velocidade da vida por meio da tecnologia. Fala ainda em tudo que deixamos para trás, que seriam os encontros, as relações. A coisa mais interessante do texto é quando ela fala como nós podemos ser capazes de criar máquinas de desacelerar o tempo. A frase ecoou para a gente, virando o norte da criação”, diz Laureano.
Rolar tela
A tal máquina proposta por Abenshushan seria, para o Quatroloscinco, o próprio teatro, que dá a possibilidade de deixar o mundo de “rolar tela” das redes sociais do lado de fora.
Nos três anos desde o início do processo criativo, o grupo mergulhou em obras de outros criadores para se munir de outras referências. Entre eles estão textos de Sidarta Ribeiro e Paul Preciado, a música de Laurie Anderson e o filme “Poesia sem fim”, de Alejandro Jodorowsky.
“Velocidade” é o quarto espetáculo do Quatroloscinco que tem na direção Alves Jr., artista que trafega entre o cinema e o teatro. “As outras três peças que fizemos com o Ricardo tinham a presença do audiovisual como tela, com projeções. Nesta, colocamos o foco no áudio. Não tem projeção nenhuma, mas cortes muito rápidos, que vêm da linguagem do cinema. Mas é também uma obra cinematográfica do ponto de vista da visualidade enquanto imagem e som, e não enquanto tela e projeção”, explica Laureano.
A montagem começa, inclusive, por meio do som. Durante seis minutos, o público vai ouvir, praticamente no escuro, uma narração. “O espetáculo começa com essa possibilidade de sonho”, aponta. Segundo Laureano, durante a pandemia, o ator e dramaturgo Assis Benevenuto passou a registrar seus sonhos em áudio.
Sonhos
“Durante a criação da obra, ele trouxe as gravações e propôs que elas fizessem parte do processo. Também lemos artigos que mostram que como a vida está muito acelerada, a humanidade está perdendo a capacidade de relembrar os sonhos”, acrescenta Laureano. No áudio da peça, Benevenuto fala na gravação de um sonho que teve, relembra momentos de sua vida, de pessoas da sua família.
A partir desta introdução, em que o grupo, de certa forma, convoca o público a criar as imagens para o que está ouvindo, a dramaturgia tem início. Os cinco atores se reúnem para discutir como será a obra. “É quase como uma sala de ensaio”, conta Laureano.
Cada um dos capítulos tem seu próprio título. “Há momentos leves e divertidos, e outros densos também. A ideia é ter sempre o pensamento crítico por trás. Tanto que a peça termina com uma ‘puxada de tapete’, deixando no ar mais perguntas do que respostas. É um convite para o espectador emancipado e crítico.” Entre os temas tratados no palco estão as relações familiares e de trabalho, a rotina e a morte.
Trilha
A trilha sonora é de Barulhista, aqui em seu quarto trabalho com o Quatroloscinco. Desta vez, os atores levam instrumentos para a cena e cantam. Cada um terá ainda a companhia de um duplo, na verdade, um boneco de 50 cm, como um avatar de madeira.
Criado como um coletivo de pesquisa de alunos de teatro da UFMG, o Quatroloscinco já se apresentou em quase todos os estados brasileiros, além de Cuba, Uruguai e Argentina. Com 12 prêmios teatrais e seis livros com a dramaturgia de seus espetáculos, o grupo não lançava um espetáculo próprio desde “Tragédia” (2019).
Não que neste período o Quatroloscinco não tenha criado, muito pelo contrário. Produziu, nos dois últimos anos, duas montagens que podem ser consideradas projetos especiais. Em 2023, foi realizado “Apossinarmológuissi”, em parceria com o grupo pernambuco Magiluth. Já em julho de 2024, sob encomenda da Fundação Clóvis Salgado, montou “Luz e neblina”, grande espetáculo que levou 85 pessoas para o palco do Palácio das Artes.
“VELOCIDADE”
Espetáculo do Grupo Quatroloscinco. Dramaturgia: Assis Benevenuto e Marcos Coletta. Direção: Ítalo Laureano e Ricardo Alves Jr. Com Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Michele Bernardino e Rejane Faria. Estreia nesta quinta (2/1), às 19h, no Teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Temporada de sexta a segunda, às 19h, até 3/2. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). À venda na bilheteria e no site do CCBB.