É o som o contato inicial que o espectador tem com "Babygirl", que estreia nesta quinta-feira (9/1) nos cinemas: os gemidos de uma mulher dominam a sala. Quando a imagem surge na tela, Nicole Kidman, em close-up, está montada em um homem que não vemos. Ela ofega de prazer, ele também.
O sexo termina com um "Eu te amo" que vem dele – é quando vemos Antonio Banderas. Ela se levanta e, em outro cômodo, assistindo a pornografia no laptop, se masturba. Os gemidos, desta vez, são abafados por ela.
Nicole é Romy; Banderas é seu marido, Jacob. Eles são casados, bem-sucedidos em suas carreiras e têm duas filhas adolescentes, Isabel (Esther McGregor) e Nora (Vaughan Reilly). Mas "Babygirl" não é sobre eles. É sobre um monte de outras coisas, em especial sobre a aventura de autodescoberta de uma mulher por meio de um affair sadomasoquista que tem um lado incorretíssimo – não pelo sexo em si, mas pela posição dos envolvidos na empresa em que trabalham, diga-se.
Vinte e cinco anos atrás, Stanley Kubrick levou Nicole Kidman (então casada com Tom Cruise, seu par em cena) para uma história que discutia desejo, limite e poder nas relações. "De olhos bem fechados", último longa do célebre cineasta, é um filme fora de seu tempo – se deslocado na época do seu lançamento, hoje então nem se fala.
Segundo longa-metragem da cineasta holandesa Halina Reijn, "Babygirl", que muitos irão tachar como thriller erótico, subgênero que nos remete à década de 1980, respira o espírito da nossa época. Daí uma das graças deste filme, que poderia dar muito errado, não fossem as performances em cena e a astúcia com que a diretora conduz a trama.
Robôs
Romy é a presidente-fundadora de uma empresa de automação de Nova York cujo mais recente desenvolvimento é um sistema de entrega de mercadorias para armazéns do tipo Amazon. Referência no mundo corporativo, Romy está substituindo os humanos por robôs. Sua empresa valoriza as mulheres, aposta em jovens talentos e a chefona, mesmo de seu pedestal, está sempre acessível ao novo.
Este mundo perfeito de quem tem tudo – ou quase, as noitadas ao laptop revelam – vem abaixo com a chegada de um estagiário, Samuel (Harris Dickinson). Na apresentação dos novatos à presidente, ele olha para Romy como uma igual. Sua presença a confunde, ainda mais porque, horas antes, ela já havia percebido o jovem ter o controle total de um cachorro raivoso sem coleira nas proximidades do escritório.
A falta de respeito a qualquer hierarquia da parte de Samuel horroriza e ao mesmo tempo excita Romy. Só que ele não é manipulador, é apenas direto. "Eu digo o que fazer e você faz." Seu comportamento inesperado faz com que Romy não consiga se defender. Rapidamente, as interações no escritório vão para as vias de fato. E, no quarto, seja de um hotel vagabundo ou numa suíte de luxo, as posições se invertem: Samuel é o dominador; Romy, a submissa. Entre quatro paredes, é o estagiário quem dá as ordens à CEO.
Isto significa mandar Romy ficar de quatro e lamber um pires de leite e ouvir de Samuel que ela é a sua "garotinha". A interpretação de Nicole Kidman é febril e destemida. As emoções que passam pela cabeça de uma mulher de meia-idade que se subjuga a um jovem subalterno estão impressas no rosto da atriz, que vai e volta entre a aceitação e a recusa. Mesmo que em alguns momentos ela sinta repulsa, Romy é agora uma mulher sexualmente satisfeita, coisa que ela nunca conseguiu com o apaixonado marido Jacob.
O desenlace é outro achado de "Babygirl". Inteligente e até um pouco cínica, a condução da narrativa nos leva a um final inesperado e irônico, sem falsos moralismos.
Ainda que "Babygirl" represente um grande momento da trajetória de Nicole Kidman (e uma indicação ao Oscar é muito provável), Harris Dickinson, ator britânico de 28 anos, sai do filme como uma estrela. Seu longa mais conhecido até aqui foi a sátira "Triângulo da tristeza" (2022), de Ruben Östlund, Palma de Ouro em Cannes.
Mesmo que o filme seja pródigo em cenas picantes, a sequência mais sedutora de "Babygirl" não é de uma relação sexual. De calça social e sem camisa, Samuel dança "Father figure", como uma oferta a Romy (e também ao espectador). Não há melhor maneira de descrever o momento do que dizer que, depois do filme, não há como ouvir a música de George Michael sem pensar em Harris Dickinson.
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Doses de uísque
Harris Dickinson afirmou à "Variety" que se "beliscava" todos os dias por estar coprotagonizando um filme com Nicole Kidman. "Sutilmente, eu perguntava a ela coisas como, 'Como foi trabalhar com Stanley Kubrick?'. Ela é uma figura monolítica no cinema." Sobre a sequência de "Father figure", o ator admitiu certo desconforto. Não houve ensaio. "Halina colocou a música e disse 'Apenas dance'. Então eu só tive um pouco de groove. Talvez eu tenha tomado um pouco de uísque antes. Mas foi constrangedor."
“BABYGIRL”
(EUA/Holanda, 2024, 114min.). Direção: Halina Reijn. Com Nicole Kidman, Harris Dickinson e Antonio Banderas. O filme estreia nesta quinta-feira (9/1), no BH 5, às 15h25, 18h10 (dub) e 21h40 (leg); Boulevard 1, às 18h50 (leg); Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 18h40 (leg); Cidade 8, às 18h40 (dub) e 21h (leg); Contagem 7, às 18h30 e 20h50 (dub); Del Rey 4, às 21h05 (leg); Del Rey 7, às 18h35 (dub); Diamond 3, às 19h10 (leg); Monte Carmo 4, às 21h10 (leg); Monte Carmo 5, às 18h10 (dub); Pátio 7, às 16h, 18h40 e 21h30 (leg); Ponteio 1, às 18h50 e 21h10 (leg); UNA Belas Artes 2, às 16h e 20h30 (leg).