SEBASTIÃO ALVES DOS REIS JÚNIOR, MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNaL DE JUSTIÇA (STJ) -  (crédito: Divulgação)

SEBASTIÃO ALVES DOS REIS JÚNIOR, MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNaL DE JUSTIÇA (STJ)

crédito: Divulgação


Entrevistado central do D&J Minas, o ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, afirma que encontrou no Direito Penal – ele faz parte da turma especializada em Direito Penal desde que chegou à instituição em 2011 – seu “amor definitivo”. A simpatia e a irreverência, duas de suas marcas, que o tornam queridíssimo entre seus pares, não são maiores que o conhecimento na matéria e a seriedade com que trata sua função judicante.


Além do Direito Penal duas grandes outras paixões preenchem sua rotina: a fotografia e o amor pelo clube de coração, o Atlético Mineiro. As suas lentes registram imagens emocionantes do cotidiano urbano. “Nada de fotos posadas”, reforçou, mas de pessoas em seu ambiente natural. Suas exposições e livros de fotografia são um espetáculo à parte, proporcionados por esse magistrado que, mais do que o Direito Penal, só tem o “Galo na Veia”.


O Sr. foi advogado na Eletronorte, consultor jurídico do Ministério da Integração Nacional e chefe da assessoria da Radiobrás. Como surgiu a atração pelo Direito Penal?


Há uma frase famosa entre os estudantes de direito: você namora o penal, mas se casa com o civil. Sempre gostei do direito penal, mas a vida me levou para outros caminhos. Em nenhum dos lugares por onde passei – Eletronorte, Radiobrás, Ministério da Integração ou mesmo minha advocacia privada -,tive muita chance de atuar no penal. Quando cheguei ao Tribunal, só havia vaga na Sexta Turma e acabei me reencontrando com o penal e não larguei mais. Me sinto bem hoje. Montei um gabinete que me ajuda muito e o ambiente de trabalho é maravilhoso. Encontrei meu amor definitivo.


Sendo filho do ex-ministro do Tribunal Federal de Recursos, Sebastião Reis, e cursado direito em Brasília, onde se formou em 1986, mesmo assim, como bom mineiro, sempre manteve vínculo com Minas Gerais?


É claro. Vivi em Belo Horizonte até os 15 anos e sempre que tenho chance volto. Meus pais já faleceram, mas tenho irmãos e primos que moram em Belo Horizonte. E o Atlético é também uma razão que me faz sempre voltar à terrinha. Nas últimas semanas mesmo, retornei a Minas em três oportunidades distintas – visitar Inhotim, participar de uma homenagem ao ministro João Otávio e participar do 3º Congresso da Magistratura Mineira.


Como ministro de turma criminal no STJ, como o Sr. enxerga o volume de recursos e habeas corpus submetidos à Corte? Tem havido aumento? Qual a solução para uma redução da judicialização?


Difícil uma resposta curta. O Tribunal recebeu em 2023 cerca de 460.000 processos e há uma projeção de que esse número, em 2024, ultrapasse os 500.000. A Terceira Seção, que era o órgão fracionário, que recebia menos processos (quando cheguei em 2011, tinha a competência, além do direito penal, dos processos que cuidavam de direito previdenciário, locação e servidor público) em 2024, com competência restrita apenas ao direito penal, recebeu, até julho, 120.000 processos; enquanto a Primeira (direito público), recebeu 80.000; e a Segunda (direito privado), 92.000! Não só a Terceira Seção está recebendo um número irracional de processos; mas o tribunal como um todo. No campo penal, as razões são várias: abuso dos HCs; insistência dos tribunais em não seguir precedentes do STJ e do STF; crescimento da defensoria pública; política punitivista etc. Não vejo uma solução simples e imediata. Estamos tentando alguns caminhos visando a uma otimização de nossa capacidade de julgar como o incremento do plenário virtual e dos repetitivos, mas acho que esse quadro só mudará quando todos, juízes, advogados e Ministério Público, mudarem sua forma de pensar e se sentarem em uma mesma mesa para debater soluções que atendam a todas as partes interessadas e não apenas a uma delas. Quanto à justiça como um todo, é preciso incentivar as soluções alternativas de conflito (mediação, conciliação e arbitragem); aumentar o custo do processo, incluindo os honorários (a justiça, principalmente nos tribunais superiores, não pode ser barata a ponto de não inibir a litigância abusiva); implementar a relevância e fortalecer o sistema de precedentes.

Para que o leitor entenda, como o STJ está tratando a prisão após julgamento em 2º grau? E em relação a julgamentos do tribunal do júri?


Ambas as questões estão pacificadas pelo STF. A prisão só pode ocorrer, em regra, após o trânsito em julgado (ou seja, quando se encerrarem todos os recursos). Até que esse momento ocorra, é possível a prisão preventiva naqueles casos em que, existindo indícios concretos de autoria, a liberdade do investigado/acusado possa colocar em risco à sociedade (risco de reiteração, por exemplo) ou ao processo (fuga, ameaça a testemunhas; destruição de provas etc.).

 


Quanto ao júri, o STF, recentemente, firmou o entendimento de que, ao contrário das condenações penais em geral, a pena imposta pelo júri deve ter seu início autorizado imediatamente, assim que condenado o réu. Ambos os entendimentos estão sendo seguidos pelo STJ.


O Brasil é um dos países com maior número de presos encarcerados. Ao mesmo tempo muito se critica o sistema prisional brasileiro. As penas alternativas são uma opção? E tornozeleiras para crimes de menor gravidade e prisão domiciliar?


Digo sempre que a prisão é para aquele que não tem condições de viver em sociedade. Não defendo que o criminoso não deva ser punido. Sustento, apenas, que a pena deve ser proporcional à gravidade real do crime cometido, além de permitir que o preso, cumprida a sua pena, tenha condições de se reintegrar à sociedade. Assim, temos que pensar, sim, em caminhos outros que não o encarceramento em presídios. Prisões domiciliares; monitoramento eletrônico e outros meios alternativos de cumprimento de pena devem, sim, ser considerados. Da mesma forma, temos que investir em nosso sistema prisional de modo que eles cumpram a sua função ressocializadora. As APACs em Minas Gerais são um exemplo de sucesso, com índices quase insignificantes de reincidência entre as presas e muito inferiores àqueles do sistema tradicional quanto aos presos masculinos. Não há sentido em impor a um preso primário, que cometeu um crime sem violência e sem maior repercussão, a obrigação de cumprir pena no mesmo local de um prisioneiro responsável por homicídios, latrocínios ou líder de organizações criminosas armadas.


Quem entra em seu gabinete fica maravilhado com a beleza das fotografias em preto e branco já na recepção. O Sr. é famoso pela paixão pela fotografia e exatamente há um ano estreava belíssima mostra de fotografias, chamada “Todos Lugares”, no STJ. Conte-nos como surgiu essa paixão. Fotografia é “a vida comum eternizada em detalhes”? Existe algum lugar ou situação que tenha lhe causado ainda mais emoção ao fotografar?


Adotei a fotografia como hobby há uns seis, sete anos e tenho preferência por registrar cenas urbanas e o cotidiano de pessoas comuns. Nada de fotos posadas. E, sem dúvida, as fotos que mais mexeram comigo foram aquelas que tirei no sistema prisional. Fotografei presos e presas em São Paulo, Rio e Minas e aprendi muito com eles e elas. Um aprendizado que trouxe não só para minha vida pessoal, mas também para a profissional.


Em 2021 lançou o livro de fotografias “Riscos” e, em 2022, a obra fotográfica “Translúcida”. Qual a tônica de tais trabalhos? A fotografia tornou-se mais que um simples hobby? Como ela ajuda ao ministro Sebastião Reis na pesada rotina de uma turma criminal?


Um juiz, penso eu, não pode se prender aos livros e ao seu gabinete. O nosso dia a dia exige um conhecimento da vida real, que é muito diferente daquela que conhecemos nos bancos das faculdades. A fotografia me permitiu sair da minha bolha e conhecer uma realidade diferente daquela em que cresci. Conheci pessoas diferentes, com outras formações e outras realidades, e conheci rincões do Brasil, muito diferentes dos centros urbanos onde fui criado e onde a grande maioria dos juízes cresceu. Não podemos aplicar a lei de igual modo a realidades bem diferentes.


Por fim e não podia deixar de ser, outra paixão, o Atlético Mineiro. Todos que lhe conhecem sabem que é “Galo na veia”. Como nasceu essa paixão? O Sr. frequenta a Arena do Galo? O também mineiro ministro Rogerio Schietti, excepcional penalista também, cruzeirense roxo, em sua entrevista ao D&J Minas fez uma provocação ao Sr. Quer mandar um recado a ele?


Sim, frequento. Menos do que queria. E tenho em meu gabinete bandeira e camisa do time, e o Galo de Prata, meu maior troféu. Rogerio é ótima pessoa e um juiz excepcional que muito me ensinou e ensina, mas ninguém é perfeito. E um dos seus defeitos é essa simpatia pelo “Cabuloso”. Já disse a ele que está vivendo do passado e que o grande mérito recente do Cruzeiro é o fato de ser o único time grande que demorou três anos para subir depois que caiu para a série B. Nisso, ele é imbatível.