LUIZ PHILLIPE VIEIRA DE MELLO FILHO, MINISTRO DO TST -  (crédito:  Divulgação)

LUIZ PHILLIPE VIEIRA DE MELLO FILHO, MINISTRO DO TST

crédito: Divulgação


Uma vida inteira dedicada à Justiça do Trabalho! Com esta frase pode-se resumir a caminhada do entrevistado central do D&J Minas, ministro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho. Com 37 anos de atuação na magistratura trabalhista, sendo 18 deles como ministro do TST, Vieira de Mello fala sobre sua escolha pelo Direito do Trabalho, sobre a positiva influência de seu pai em sua opção e sobre sua carreira. E aborda, com profundidade e transparência, duas de suas marcas registradas, temas como a evolução das relações de trabalho, reforma trabalhista, autocomposição da Justiça do Trabalho ante as novas regras aprovadas pelo CNJ e, principalmente, seus planos, desafios e metas ao assumir, na última 5ª feira, um dos cargos mais importantes do Judiciário trabalhista brasileiro, o posto de corregedor-geral da Justiça do Trabalho. E para tal missão assegura – e quem o conhece sabe – que “determinação” não lhe faltará.


O Sr. foi presidente do TRT 3a Região e é, atualmente, festejado o saudoso ministro Luiz Phillipe Viera de Mello? A Justiça do Trabalho está na veia da família? Homenagem ao seu saudoso pai?


Meu pai tornou-se juiz do trabalho ao tempo em que a Justiça do Trabalho foi incorporada ao Poder Judiciário brasileiro, ocasião em que assumiu a presidência da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiânia, em novembro de 1946. Com a criação da 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, foi removido para a nossa capital de Minas em 1953, até a sua ascensão ao cargo de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.


Caio Luiz Almeida Vieira de Mello, meu irmão, advogado trabalhista de origem e hoje militante novamente, foi posteriormente desembargador do TRT da 3ª Região e, após a jubilação, ministro de estado do Trabalho. Trabalhei com ele assim que iniciei meu curso de direito na UFMG no escritório de advocacia do Prof. Osiris Rocha, de saudosa memória, onde permaneci até a colação de grau em Direito pela UFMG.


Embora tenha trabalhado na gestão do ministro Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto - ministro aposentado do STF - e do secretário Bias Fortes na Secretaria de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais, a primeira paixão universitária pelo direito e processo penais não permaneceu após a minha conclusão de curso.


O escritório em que trabalhava tinha como especialidade a Justiça do Trabalho e uma atuação na Justiça Comum. O gosto pela jurisdição trabalhista teve, claro, influência direta da atuação do meu pai no exercício do cargo que eu acompanhava proximamente e da qual tive enorme admiração. Foram inúmeras passagens memoráveis como a atuação na greve da construção civil e Gabriel Passos, dentre outras tantas, ocasiões em que meu pai teve uma participação de especial relevância no equilíbrio entre a reivindicação dos direitos dos trabalhadores e as necessidades patronais para o desempenho de suas atividades, no período derradeiro da ditadura. Como também no processo de institucionalização do Tribunal da Terceira Região, por força da intervenção do Tribunal Superior do Trabalho, a partir da construção de mecanismos de controle administrativo, financeiro e do serviço judiciário de forma transparente.


Aprendi com ele o ofício de julgar, a responsabilidade austera no exercício do cargo de juiz, o compromisso com a Constituição e as leis e, sobretudo, a sensibilidade para atuar como magistrado do trabalho. A magistratura trabalhista demanda do juiz uma sensibilidade na aplicação da lei, em face da assimetria entre as partes e a natureza especial da legislação do trabalho.


De fato, meu amor pela Justiça do Trabalho decorre do sentimento de justiça impregnado pela convivência com meu pai e, em especial, pela justiça social e pela proteção ao meio ambiente. Meu pai sempre viu um Brasil que o Brasil desconhecia.

 

Apesar de ter nascido em BH e se formado na Faculdade de Direito da UFMG, desde 2006 é ministro do TST, residindo em Brasília. Ainda mantém laços com MG e frequenta BH?


O mineiro jamais se esquece de suas raízes. A força de Minas está dentro de cada um de nós, não importando onde estamos ou o que fazemos. São os ares das montanhas de Minas, os amigos, a literatura, a música, o bar da esquina no bairro Santo Antônio, o futebol, além da minha querida Caxambu, cidade das águas, onde passei a infância e a juventude na casa de tios e muitos carnavais deliciosos. Além de tudo isso, minhas duas irmãs e meu irmão, bem como sobrinhos e sobrinhas moram em Belo Horizonte e, quando o trabalho permite, venho visitá-los. Embora muito bem adaptado em Brasília, cidade fantástica que adotei pelo coração, nós nunca esquecemos de onde viemos.


No início de sua carreira, no final da década de 1980, o Sr. foi juiz do trabalho em João Monlevade, Uberaba, Ouro Preto e Belo Horizonte, antes de ser promovido para o TRT - 3a Região. A justiça do trabalho e as relações de trabalho mudaram muito desde então? Em que sentido?


As relações sociais e econômicas estão em constante mutação. Faz parte da dinâmica do conhecimento e do desenvolvimento da humanidade: máquinas a vapor, eletricidade; tecnologia; inteligência artificial, tudo, velozmente, muda na dinâmica das civilizações e o seu desenvolvimento. Na década de 60 do século passado vivíamos muito menos do que hoje vivemos, justamente em face do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Obviamente, as relações de trabalho estão em constante mutação em razão da evolução pela qual passa a humanidade e como sempre estiveram em vista de toda a evolução porque passamos até os dias de hoje.


O que a legislação trabalhista mantém de atualidade é evitar a barbárie, a exploração do homem pelo homem e a desigualdade crescente de uma economia que não é solidária ou de reciprocidade, mas de acumulação. Esse modelo exigirá sempre uma legislação que proteja o ser humano evitando que ele se torne um “subvivente”. A economia não deve impedir a acumulação da riqueza, mas deve evitar os abusos nesse processo, assim como também estar atenta à distribuição proporcional dos benefícios também àqueles que contribuem para a formação da riqueza das nações. Não há como se pretender a paz social sem que se tenha em mente um mínimo de desconcentração da riqueza e a possibilidade de que os seres humanos tenham a possibilidade de ter um planejamento existencial: casamento, família, lar, trabalho, escola e saúde. A pobreza em grande escala leva à violência e ao populismo desenfreado, colocando em risco a democracia e as nações.


Mais do que isso, o excesso de desigualdade hoje é considerado um obstáculo ao próprio crescimento econômico, de forma que precisamos encontrar caminhos de equilíbrio para um desenvolvimento inclusivo.

 

As reformas trabalhistas do Governo Temer já foram assimiladas nas relações de trabalho? O empregador passou a ter mais liberdade para negociar as condições de trabalho com o empregado, o que parece que era um mote das reformas? Hoje, já há uma pacificação na Justiça sobre a aplicação das alterações trazidas pelas reformas?


É corriqueira a ideia de que nenhuma lei gera a criação de empregos. O que possibilita o aumento da população empregada é o crescimento da economia e a sua sustentabilidade com a redução das desigualdades sociais e econômicas. Não haverá paz e nem uma democracia estável se não pensarmos em uma economia mais solidária e em inclusão social desde os mais vulneráveis. A lição da pandemia foi clara: é indispensável a intervenção estatal para a sustentação do mercado. O mercado não é uma entidade autossustentável e sempre exigiu para a sua estabilidade a intervenção do estado, inclusive com a edição de regulação protetiva de suas ações como uma jurisdição especial, a exemplo dos tribunais comerciais, do direito comercial, direito bancário e etc... Tudo isso é estado.


A Justiça do Trabalho tem aplicado a reforma trabalhista, pois somos integrantes do poder judiciário e somos regrados pelo compromisso de respeito à Constituição Federal e às leis da República. Todavia, a reforma deve ser compatibilizada a partir de seu ingresso no mundo jurídico com a Constituição da Republica, tratados internacionais dos quais o país é subscritor e das leis do sistema jurídico. Isso exige uma operação hermenêutica e interpretativa sob os moldes da orientação do moderno constitucionalismo. Não há sempre mero silogismo, mas operamos com princípios, cláusulas abertas, conceitos indeterminados e situações não previstas previamente pelo legislador.


O Sr. foi vice-presidente do TST de 2020 a 2022 e representou o tribunal no CNJ de 2021 a 2023. O CNJ desde 2010 prega, através da Resolução 125/2010, a autocomposição como meio eficaz de solução de litígios e como forma de reduzir a judicialização. Em 30/09/2024, o CNJ aprovou a possibilidade de a justiça do trabalho homologar acordo na rescisão de contrato de trabalho com quitação final. Na prática, o que isto representa e em que medida poderá reduzir a litigiosidade trabalhista?


Acho esse assunto muito importante, razão pela qual publiquei recentemente um artigo no Jota, em coautoria com minha esposa Ana Frazão, sobre as perspectivas e limitações da consensualidade. Por mais nobres que sejam os propósitos de redução de litigiosidade, temos que ter muito cuidado com soluções consensuais em um país com grandes desigualdades e no qual 2/3 da população não é considerada nem mesmo proficiente ou com domínio satisfatório da língua portuguesa.


Na minha opinião, não há propriamente consenso, acordo ou transação quando a parte mais vulnerável não tem condições cognitivas de entender o que está em jogo e fazer as análises jurídicas e econômicas que são inerentes a esse tipo de situação: a dimensão dos seus direitos, os custos e ônus do litígio, os riscos do sucesso ou insucesso, os tradeoffs entre o curto e o longo prazo, dentre outras variáveis.


Parece-me, pois, que há limites óbvios para o consenso quando estamos falando de relações assimétricas e de direitos indisponíveis, especialmente quando vinculados a situações existenciais relevantes e à dignidade da pessoa humana.

 

Na quinta-feira passada, 10 de outubro, tomou posse a nova administração do TST. O Sr. faz parte dela como novo corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ao lado de outro ilustre mineiro, o ministro Maurício Godinho Delgado, que assumiu a vice-presidência e o ministro Aloysio Corrêa da Veiga como presidente do TST. O que o jurisdicionado e a advocacia trabalhista podem esperar da nova direção?


A minha expectativa é a de realizar um trabalho republicano e voltado para os interesses públicos relevantes que justificam as minhas competências. Essa resposta pode parecer óbvia, mas infelizmente vivemos tempos complicados, em que os princípios mais comezinhos da Administração Pública são, a todo momento, corrompidos por atos de favorecimento ou desvirtuamento. Cada vez mais o processo judicial torna-se menos um instrumento de disputa de teses – o que seria o seu propósito natural – e torna-se um instrumento de favorecimento de quem tem as melhores estratégias e os melhores contatos indevidos com membros do Poder Judiciário, em total desrespeito aos princípios republicanos e também ao princípio da paridade de armas.


Em síntese, não pretendo “inventar a roda”, mas simplesmente aplicar os princípios que a Constituição Federal, o Código de Bangalore e a LOMAN nos impõem. A justiça deve servir a quem dela precisa e não a quem dela se utiliza indevidamente ou a instrumentaliza.


Ampliar o acesso de quem precisa é destravar processos que precisam de provas periciais técnicas e ampliar a efetividade dos tribunais em sua eficiência administrativa e judiciária devem ser os propósitos maiores de quem ocupa cargos de administração no Poder Judiciário.


E em relação à corregedoria-geral em particular, o que o Sr. pretende desenvolver com toda a sua experiência de 37 anos na magistratura trabalhista? Quais seus projetos e metas para este mandato que se inicia?


A Justiça do Trabalho integra o poder judiciário da União e tem, portanto, dimensão nacional. Neste período que estarei à frente da corregedoria geral, além das atribuições legais de fiscalização dos tribunais nos limites das atribuições que a lei me impõe, há de ser implementada a nova regulamentação da corregedoria geral por força da lei 14.824, de março deste ano, em face da simetria com a corregedoria geral da Justiça Federal, em que os poderes e atribuições da corregedoria geral são largamente potencializados. Implementar a nova regulação – regimento interno, portanto, é necessidade imperiosa e urgente.


Mas há também a necessidade de conscientizar e estimular os tribunais a uniformizarem suas jurisprudências, a fim de garantir maior segurança e estabilidade às relações de trabalho e aos jurisdicionados, bem como qualificar os recursos para o Tribunal Superior do Trabalho, evitando a quantidade de recursos com idênticas matérias e uma demanda de retrabalho pelo tribunal.


Destravar um imenso universo de processos paralisados pela impossibilidade de realização de perícias médicas e técnicas, às vezes pelo valor insuficiente destinado aos honorários e, mais preocupante, pela impossibilidade de que profissionais habilitados possam realizá-las em face das distâncias ou localidades de muito difícil acesso. Tudo isso é objeto de um projeto de politica judiciária pela corregedoria visando a construção de termos de cooperação com diversas entidades para que possamos garantir a resposta adequada, sobretudo a trabalhadores acometidos de doenças profissionais e muitas vezes mutilados em razão do exercício de seu ofício.


É importante também assegurar o uso eficiente da tecnologia que veio para auxiliar os juízes e não substituí-los. Torná-los mais ágeis e eficientes é importante para a utilização pelo poder judiciário e, em especial, pelos magistrados, considerando que a Justiça do Trabalho é totalmente virtualizada, no sentido que não há mais nada físico, salvo raríssimas exceções.


Por fim, uma proposta de equalização dos trabalhos judiciários em primeiro e segundo graus visando a racionalização da força de trabalho entre juízes e servidores de um mesmo tribunal, considerando movimentos excessivos em determinadas varas e insuficiente em outras, caracterizando uma falsa impressão de eficiência em algumas localidades e de demora em outras.


Enfim, há muito o que fazer e não será por falta de projetos ou determinação que eles não serão concluídos.