O Sr. é mineiro? Se formou em Direito onde?
Sim, sou mineiro de Barbacena. Morei com minha família em diversas cidades, como Araxá, Bom Despacho e Conselheiro Lafaiete, para falar das de Minas, até que me mudei para Belo Horizonte para fazer o então 2º grau, o ensino médio, e me preparar para a universidade. Cursei Direito na UFMG, a vetusta Casa de Afonso Pena, uma das melhores faculdades deste país. Estagiei e advoguei por breve período em BH, sempre com o Direito Tributário, matéria que me apaixonei ao estudar com Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho. Ambos tributaristas, ela advogada e ele então juiz federal, os admiro profundamente.
O Sr. fez carreira na justiça federal de São Paulo, onde, atualmente, é desembargador federal do TRF-3. Por que São Paulo? Como se deu essa escolha e sua carreira na justiça federal paulista?
Em fevereiro de 1992, com 24 anos, venci um concurso bem disputado para professor de Direito Tributário na Universidade Federal de Viçosa, também em Minas. A UFV exigiu dedicação exclusiva, e suspendi minha inscrição na OAB-MG. Aos 25 anos fui o primeiro chefe do Departamento de Direito daquela universidade, então recém-criado. Em 27 de abril de 1993, quando o curso de Direito da UFV completou um ano, tivemos uma aula magna com Geraldo Ataliba – um dos maiores tributaristas de nosso país de todos os tempos –, Misabel Derzi e Sacha Calmon. Foi uma noite inesquecível, com três memoráveis conferências. Espelhado em Sacha Calmon, via na magistratura federal o local adequado para unir a teoria e a prática. Assim como não me satisfiz somente na advocacia, o magistério exclusivo não preenchia meus anseios por ensinar e praticar um direito voltado à realidade, à solução de conflitos que envolvem as pessoas. Decidi, com o apoio de amigos, que me prepararia para a magistratura federal. Afinal, é o direito vivo que me atrai. Cheguei em São Paulo em março de 1995 para fazer o mestrado na PUC/SP com Ataliba. Ele faleceu precocemente, em 15 de novembro daquele ano, e não pude ser seu aluno. Fui aprovado no concurso da Justiça Federal da 3ª Região, tomando posse em dezembro de 1996. Minha primeira lotação foi como juiz federal substituto na 1ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo, capital. Terminado o mestrado, requeri à UFV a conversão do meu regime de trabalho de dedicação exclusiva para tempo parcial, 20 horas. Pediria, em seguida, remoção para o TRF da 1ª Região. Poderia, ao longo do tempo, ser juiz federal em Juiz de Fora ou BH, permanecendo na UFV. Hoje, em Viçosa há uma Vara Federal; eu poderia tê-la ocupado. Porém, a alteração de regime me foi negada, forçando meu pedido de exoneração. No final de 1997, fui contratado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a altamente prestigiosa Faculdade Paulista de Direito da PUC/SP, onde leciono até hoje. Fiz meu doutorado, sempre em Direito Tributário. Permaneci na 3ª Região e me titularizei na 10ª Vara de Execuções Fiscais da capital, que deixei no ano passado para assumir uma cadeira no tribunal, em vaga por merecimento. Defendi tese de livre-docência na USP, sobre Filosofia do Direito Tributário, e segui ampliando meus horizontes ao realizar estágio pós-doutoral no King’s College de Londres.
O Sr. mantém relações com BH? Não pensou em se candidatar para o TRF-6? A instalação do TRF-6 foi positiva? Uma medida necessária?
Gosto muito de BH, uma cidade agradável, que permite boa qualidade de vida. Porém, meus pais e irmãos voltaram para Barbacena, fazendo com que eu visite mais a Cidade das Rosas, o Campo das Vertentes, do que a capital. Mas temos parentes e amigos em BH, o que nos faz visitá-los com frequência. Também vou a congressos e bancas de mestrado e de doutorado na UFMG e na PUC-Minas. Até já tive a honra de ser examinador em concurso para professor na Federal.
O TRF-6 já poderia ter sido criado pela Assembleia Constituinte de 1986-1988. O TRF-1 ficou com jurisdição muito grande. Porém, os litígios federais não eram tão numerosos no passado. Dois fatores foram cruciais para a necessidade de crescimento da Justiça Federal: a ampliação de direitos sociais pela Constituição Federal de 1988 e o Plano Collor. A Seguridade Social é federal, aumentando até hoje tais conflitos. E o Plano Collor atraiu a atenção da sociedade para a Justiça Federal, onde advogados, em filas que dobravam o quarteirão, iam reclamar uma violação tributária inconstitucional, que fora o bloqueio de valores em bancos. Eu, desde o primeiro momento, via ali um empréstimo compulsório inconstitucional, como restou decidido pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. O Direito Tributário ocupava, assim, o centro de todas as atenções. Superada essa fase, a advocacia e o empresariado passaram a verificar com lupa outras possíveis inconstitucionalidades em matéria de tributação federal, e encontraram: FINSOCIAL; taxa de importação com base de cálculo de impostos; correção monetária de balanços, refletindo no Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas; e tantos outros. Quando tomei posse na Justiça, éramos 460 juízas e juízes federais em todo o Brasil. Hoje, são mais de 2 mil. Assim, foi providencial o ajuste do 2º grau, com a criação do TRF-6 e a ampliação dos demais tribunais. Minha vaga no TRF-3 foi decorrente dessa ampliação. Beneficiei-me, portanto, do mesmo movimento que criou o TRF-6; porém, com praticamente 30 anos em São Paulo, estou muito bem estabelecido.
O Sr. tem profundo conhecimento em Direito Tributário, sendo professor e palestrante na matéria. Qual sua opinião sobre a reforma tributária que se apresenta? Não complicará, ainda mais, o arcabouço fiscal?
O movimento que resultou na Emenda Constitucional n. 132/2023 foi fruto de intenso trabalho, durante vários anos. Ele enfrenta um de nossos grandes problemas, as guerras fiscais entre estados, na incidência do ICMS, e dos municípios, no âmbito do ISS. Elas desorganizaram os meios de produção e de distribuição de produtos, interferiram artificialmente nos locais de instalação de prestadores de serviços. Trouxeram muita insegurança jurídica e, com a retórica conversa de criação de empregos e distribuição de renda, na verdade permitiram que muitas empresas se organizassem sobre o pilar de não recolhimento de tributos, o que afeta negativamente todo o país. A neutralidade do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, e da Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, e sua incidência sobre o consumo final, e não no local da produção, visa resolver, finalmente, um problema que vinha desde ao menos 1975! Espera-se que, nesse aspecto, a tributação volte a ser neutra para a tomada de decisões do empresariado. O caminho para a solução das profundas desigualdades sociais passará a ser trilhado por regimes financeiros, via fundos de desenvolvimento, o que me parece mais correto do ponto de vista constitucional. Outro ponto importante é a drástica redução de regimes diferenciados de tributação. Levamos longe demais um sistema que distinguiu fortemente produtos e serviços basicamente iguais, divididos em centenas ou milhares de categorias, classificações, índices, cada qual com bases de cálculo e alíquotas específicas. Assim, se um produtor destaca um certo componente, classificava diferentemente um produto e aplicava uma linha de tributação diferente dos seus concorrentes. Nem sempre a administração tributária concordava. O resultado: a maior litigiosidade do mundo, que não apenas é de natureza tributária, demandando décadas para a solução dos conflitos, enquanto nos países considerados desenvolvidos, os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, levam poucos anos. Outro ponto muito positivo, na minha opinião, é o chamado cashback, que permitirá a devolução de parte dos valores arrecadados com os novos tributos para os contribuintes de baixa renda, auxiliando na redução de nossa gritante desigualdade. Atualmente, pobre paga mais tributo do que rico, em desarmonia com o que prega a Carta da República. Porém, não devemos nos iludir. A Emenda Constitucional n. 132/2023 não solucionará nem todos ou mesmo a maioria dos problemas tributários que nos afligem. Ela é muito pontual, apesar de muito profunda. A EC 132, basicamente, somente enfrenta algumas distorções na tributação sobre a produção e o consumo. Nada avançamos sobre nossos problemas na tributação sobre a renda; as melhorias nas distorções quanto à tributação da propriedade foram importantes, mas pontuais. E precisamos discutir, profundamente, a questão da tributação sobre as heranças. Outro ponto negativo está na própria extensão da Emenda Constitucional. Ela, sozinha, tem o dobro de palavras do que toda a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, incluindo a lista com o nome dos constituintes, e todas as emendas constitucionais que ela recebeu. Com isso, as chances de sobrecarga do Supremo Tribunal Federal são evidentes; se o assunto é constitucional, quem dá a última interpretação é o STF. Com muito mais texto, maior o acervo de litígios. Nós, como sociedade, nos iludimos pensando que o excesso de constitucionalização aumenta a segurança jurídica, o que não é verdade. Se fosse, já seríamos o país com maior grau de certeza dentre todas as nações; e o que temos é o oposto disso. Também a forma de solução dos conflitos relacionados ao IBS não está atendendo aos princípios que a própria reforma positivou. As turmas de julgamento administrativo do novo tributo serão compostas por nove julgadores, enquanto um TRF revisa uma sentença criminal com três desembargadores! Enfim, avançamos em alguns pontos e não conseguimos, por dificuldades políticas, melhorar o sistema como um todo. Mesmo assim, vejo a reforma como positiva. E, se ela alcançar os resultados a que se propôs, poderemos melhorá-la quando as condições políticas forem mais favoráveis.