Maslow viveu a Grande Depressão, a crise econômica que levou à quebra da Bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929 -  (crédito: Getty Images)

Maslow viveu a Grande Depressão, a crise econômica que levou à quebra da Bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929

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Abraham Maslow teve uma visão enquanto dirigia seu carro.

Viu pessoas sentadas ao redor de uma mesa, falando sobre "a natureza humana, o ódio, a guerra e a paz, e a fraternidade".

O mundo vivia o rescaldo do ataque a Pearl Harbor, em 1941, quando o Japão bombardeou a base naval americana no Havaí durante a Segunda Guerra Mundial.

"Eu era velho demais para entrar no exército. Foi nesse momento que percebi que o resto da minha vida deveria ser dedicado a descobrir uma psicologia para a mesa de paz. Esse momento mudou toda a minha vida".

De repente, o psicólogo americano sentiu que "deveria tentar salvar o mundo e evitar as guerras horríveis".

 

 

"Queria demonstrar que os humanos são capazes de algo maior do que a guerra, os preconceitos e o ódio."

Essa visão foi contada, em 1968, a Mary Harrington Hall, da revista Psychology Today.

Dois anos depois, aos 62 anos, Maslow morreria após sofrer um ataque cardíaco.

Seu legado, afirmam os estudiosos de sua obra, não só perdurou, mas, em tempos de turbulência, é uma fonte de esperança.

O inovador

 

 

Maslow nasceu em 1908, em Nova York.

Seus pais, judeus, tiveram que fugir da Rússia e imigraram para os Estados Unidos.

"Com a infância que tive, é um milagre que não seja psicótico. Era um pequeno menino judeu em uma vizinhança não judia", disse em entrevista à Psychology Today.

Ele dizia que havia crescido sem amigos, em bibliotecas, entre livros, e encontrou na psicologia sua paixão.

Desenvolveu sua carreira nesse campo, sendo fascinado em entender como alguém capaz de ser um anjo poderia ser um assassino.

Multidão em Wall Street, Nova York, em foto em preto e branco
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Maslow viveu a Grande Depressão, a crise econômica que levou à quebra da Bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929

Para Edward Hoffman, autor de The Right To Be Human: A Biography of Abraham Maslow ("O Direito de Ser Humano, uma Biografia de Abraham Maslow", em tradução livre), o psicólogo estava à frente de seu tempo.

"E, em muitos sentidos, ele ainda está à frente do nosso tempo", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o professor de psicologia da Universidade Yeshiva, em Nova York.

 

 

Embora seja mais conhecido por sua teoria sobre a hierarquia das necessidades, da qual surgiu a famosa pirâmide de Maslow, há aspectos de seu trabalho que "realmente foram revolucionários", afirmou à BBC Mundo Margie Lachman, professora da Universidade Brandeis, em Massachusetts (EUA).

Foi lá, precisamente, que Maslow fundou o Departamento de Psicologia.

Outro caminho

Maslow seguiu uma direção diferente das correntes existentes na psicologia, principalmente a psicanalítica (de Sigmund Freud) e a comportamental.

Freud tinha "uma visão muito pessimista da natureza humana", diz Hoffman.

A abordagem freudiana fala sobre o peso dos impulsos inconscientes, incontroláveis, em nossas vidas, enquanto a tradição comportamental (behavioristas) reforça a ideia de que respondemos a fatores externos.

Lembremos que muitos dos estudos dos behavioristas foram realizados com animais em laboratórios.

B. F. Skinner em um laboratório com um pombo
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O psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner foi um dos representantes do behaviorismo, corrente comportamental ou psicologia comportamental

"A psicologia no tempo de Maslow era muito determinista", explica David Baker, diretor emérito do Centro Cummings para a História da psicologia e professor emérito de Psicologia da Universidade de Akron, nos Estados Unidos, à BBC Mundo.

"Você se comporta como resultado de todas as forças que te afetam e não há muito que possa fazer a respeito."

Mas "a originalidade" de Maslow foi enxergar "coisas que não estavam ali".

"E isso foi algo bastante incrível na psicologia americana do século 20."

 

 

"Maslow viveu duas guerras mundiais, tempos de migração em massa, opressão terrível, pobreza esmagadora, mas conseguiu transcender tudo isso e ver algo mais."

E o que ele viu foi o potencial humano.

"Diante do conflito, do ódio, da violência, ele fez uma avaliação realista e disse: 'Há algo mais. Existem coisas que todos estão ignorando, tanto na psicologia quanto na sociedade, e é que podemos ser pessoas melhores.'"

"Foi uma perspectiva otimista, uma nova direção."

Maslow apostou em uma abordagem humanista que, segundo Lachman, enfatizou a capacidade das pessoas de "fazer coisas boas no mundo".

"Ele acreditava que os seres humanos são, por natureza, bons e bem-intencionados."

Por toda a vida

 

 

Diferentemente de outras correntes, Maslow afirmou que as pessoas agem com base em suas necessidades e motivações e que têm o potencial de crescer e se desenvolver ao longo de toda a vida.

"Isso porque teóricos anteriores, especialmente Freud e alguns de seus contemporâneos, acreditavam que o desenvolvimento (da personalidade) basicamente terminava quando se chegava à adolescência", explica Lachman.

Sigmund Freud
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Sigmund Freud foi o fundador da psicanálise

A acadêmica esclarece que, embora alguns psicanalistas como Carl Jung ou Erik Erikson também acreditassem no desenvolvimento ao longo da vida, Maslow realmente enfatizou "a importância de pensar no potencial de crescimento durante toda a vida".

Além disso, destaca a especialista, enquanto alguns dos primeiros teóricos focavam mais em indivíduos com, por exemplo, neuroses ou problemas psicológicos — o que foi muito relevante —, Maslow se interessava por "as pessoas que estavam se saindo bem".

 

 

E que, ao prosperarem, ao perceberem sua criatividade e seu potencial, promoviam não apenas seu próprio crescimento, mas também contribuíam para "fazer o bem no mundo".

Concentrar-se em pessoas saudáveis como uma forma de compreender o comportamento e otimizar o bem-estar foi uma mudança muito significativa na disciplina.

"Maslow defendeu o valor de focar no que está certo na pessoa, em vez de se concentrar no que está errado", escreveu a professora em um artigo da Universidade Brandeis, dos EUA.

Motivação

Em 1954, Maslow publicou o livro Motivação e Personalidade, no qual apresentou sua teoria da hierarquia das necessidades, já explorada em 1943 no ensaio Uma Teoria para a Motivação Humana.

O psicólogo explicou que, quando nossas necessidades mais básicas — fisiológicas e de segurança — estão satisfeitas, desenvolvemos outras necessidades e desejos que buscamos atender, como o apreço e o reconhecimento.

Em seu trabalho original sobre a hierarquia das necessidades, Maslow não utilizou pirâmides ou triângulos.

No entanto, outros pesquisadores acabaram ilustrando sua teoria no formato de uma pirâmide.

No topo dessa pirâmide, está a autorrealização, algo que ele sabia ser muito difícil de alcançar.

 

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"Todos temos a capacidade de consegui-la, mas precisamos conseguir transcender nossa situação e nos esforçar para atingir nosso potencial", explica David Baker.

Para Maslow, tratava-se de um processo contínuo, que dura toda a vida, no qual é importante criar situações que sejam meaningful, ou seja, significativas para nós.

"Em sua visão otimista, se alcançarmos a autorrealização, seremos mais felizes e, consequentemente, faremos mais coisas boas no mundo."

Mas Maslow não estava realmente preocupado com a felicidade; seu interesse estava focado no crescimento pessoal e em sua conexão com nossa capacidade de fazer coisas boas.

Hoffman menciona a eupsiquia, um termo que Maslow cunhou para descrever "a melhor sociedade possível", uma sociedade voltada para o crescimento de seus membros.

 

 

"Maslow era realista, sabia que nenhum ser humano pode ser perfeito, que todos temos defeitos", mas ele viu a possibilidade dessa sociedade ideal, a eupsiquia.

"É um conceito muito importante, porque acredito que os jovens, em parte devido à obsessão com as redes sociais e a internet, estão presos ao momento presente. Mas Maslow era um pensador de longo prazo, focado no que os seres humanos são capazes de alcançar a longo prazo."

Legado

Maslow sempre esteve aberto à pesquisa científica, embora haja quem questione o fato de ele não ter apresentado evidências empíricas para sustentar sua teoria.

De fato, alguns cientistas criticaram que, em seus últimos anos, ele se tornou mais um filósofo do que um cientista.

Mãe e filha conversando
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A psicologia positiva, que busca ajudar as pessoas a levar uma vida plena, é uma das disciplinas que mais cresceu nas últimas décadas

Mas o fato é que ele deixou um legado importante em sua disciplina.

"Muitos dos esforços mais recentes em psicologia foram baseados no trabalho de Maslow: ele lançou as bases do que chamamos de psicologia positiva", destaca Lachman.

Esse movimento foca em como as pessoas podem viver uma vida positiva e encontrar um propósito.

"E, ao usar sua própria criatividade e sabedoria, podem ajudar outras pessoas e fazer a diferença no mundo."

Mensagem

Nesse processo contínuo de crescimento que Maslow propôs, há um ponto de partida:

"Olhar para dentro de nós mesmos e descobrir o que nos traz uma sensação de alegria, mesmo em pequenos momentos. Que comidas gostamos? Sobre quais temas gostamos de conversar? Que músicas nos fazem sentir mais enérgicos ou felizes? O ponto de partida deve ser compreender e conhecer a nós mesmos", explica Hoffman.

Para Baker, grande parte do legado de Maslow é "ver o que está lá e também o que não está".

"Ainda existe bondade, decência, pessoas que se esforçam para fazer o que é certo, e isso é fácil de esquecer, assim como é fácil se sentir sobrecarregado pelas notícias negativas de ódio e violência."

"Mas era o mesmo no tempo de Maslow: as pessoas sentiam o mesmo nível de medo, desesperança, ansiedade e depressão. E aí está o legado dele: olhar além disso e dizer que há algo melhor."

"Sempre senti que é uma mensagem de esperança."