Um coral formado pelas Vozes de Campanhã do Quilombo de Justinópolis, de Ribeirão das Neves, conduziu, na tarde desta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, a um momento histórico no Palácio da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Sob aplausos, música e muita emoção, foi entronizado na Sala dos Grandes de Minas o retrato de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), patrono das artes no Brasil e mestre do Barroco. Trata-se da primeira vez que um afrodescendente entra para a nobre galeria, na qual já se encontram, homenageados, Santos Dumont (1873-1932, o “Pai da Aviação”), Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792, expoente da Inconfidência Mineira) e ex-governadores de Minas Gerais, entre eles Juscelino Kubitschek (1902-1976) e Tancredo Neves (1910-1985).
"É o coração de Minas levando o retrato do artista a um local onde há apenas homens brancos. Fazemos uma reparação histórica. Mestiço, Aleijadinho representa a identidade brasileira e nossa cultura”, disse o secretário de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Leônidas Oliveira. O ato da Secult ocorre em parceria com a Fundação Clóvis Salgado.
Também na cerimônia, o superintendente de Fomento da Secult, Pablo Soares Martins, conhecido por Dom Black, afirmou que ter o quadro de Aleijadinho no Palácio da Liberdade representa mais do que uma honra. "É um sonho realizado", definiu o também capitão de congado da Guarda de Moçambique Santa Bárbara, de Vespasiano, na Grande BH.
Em 12 de setembro de 1972 a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Lei 5.984) oficializou o retrato do artista como oficial. Eis parte do texto: “Fica reconhecido como efígie oficial de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o retrato miniatura pintado a óleo por Euclásio Penna Ventura, que se encontra depositado no Arquivo Público Mineiro e de propriedade do Estado”.
"DÁ LICENÇA"
Ao som ritmado do coral (Campanhã é o antigo nome de Justinópolis), entoando "Aiê, dá licença!", o quadro foi conduzido pelo secretário Leônidas e pela desembargadora federal Mônica Sifuentes até a Sala dos Grandes de Minas. O presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), João Paulo Martins, explicou que o Palácio da Liberdade (1894), ex-sede do governo estadual e hoje equipamento cultural, foi o primeiro bem tombado pela instituição vinculada à Secult. "É um marco do poder, da mineiridade e da cultura", ressaltou.
Com a filha Annie, de seis anos, a professora Natany Louise Ferreira, de Ribeirão das Neves, destacou a importância da entronização: "O Dia da Consciência Negra mostra a resistência do povo negro, e ter um retrato de Aleijadinho, aqui, simboliza uma vitória.
Perto dali, o presidente da Velha Guarda do Samba de BH endossou as palavras e brincou: Aleijadinho dá samba!"
RETRATO DO ARTISTA
Filho do português Manuel Francisco Lisboa e da negra alforriada Isabel, Aleijadinho nasceu em Ouro Preto, na Região Central do estado, onde, na segunda-feira (18), quando se completaram os 210 anos de sua morte e celebrado o Dia do Barroco Mineiro, foram prestadas homenagens à memória do artista.
O retrato do artista, obra do Arquivo Público Mineiro/Secult, tem uma longa trajetória. Feito no século 19 por Euclásio Penna Ventura, o trabalho (óleo sobre pergaminho) consiste em um ex-voto medindo 20 centímetros por 30 cm.
Originalmente, pertencia à Casa dos Milagres de Congonhas, na Região Central, onde fica a obra-prima do mestre do Barroco – 12 profetas em pedra-sabão no adro do Santuário Bom Jesus de Matosinhos e 64 esculturas em cedro, dentro das capelas ou Passos da Paixão de Cristo, conjunto reconhecido como Patrimônio Mundial.
O quadro foi vendido em 1916 a um comerciante de Congonhas, identificado como Senhor Baerlein, proprietário da Relojoaria da Bolsa do Rio de Janeiro. A alegação de que se tratava de Antônio Francisco Lisboa se baseou na imagem representada ao fundo da pintura, em segundo plano, que parece idêntica a uma obra de autoria do artista.
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