O uso excessivo do celular por crianças e adolescentes de até 18 anos pode gerar impactos em diversas esferas da vida dessa parcela da sociedade. Por isso, o Child Fund Brasil está realizando a pesquisa “Mapeamento dos fatores de Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet”, inédita no Brasil.
A primeira de quatro etapas da pesquisa, apresentada no último dia 12 de dezembrio, entrevistou 8.436 estudantes de escolas particulares e públicas de todos os estados brasileiros entre os meses de abril e setembro. O resultado mostra que um terço dos adolescentes já sofreu algum tipo de agressão sexual virtual e que 12% deles foram vítimas dessa violência de duas ou mais formas.
Cerca de 20% dos entrevistados afirmaram ter interagido com uma pessoa desconhecida e suspeita em algum momento. A maior parte das interações com os agressores (55%) foi através do Whatsapp ou do Telegram.
O perfil dos agressores também foi alvo da pesquisa. Quando foi possível a identificação, 58% eram homens e 14% moravam na mesma cidade que a vítima. Entre as regiões, os dados revelaram a região mais e a menos vulnerável. O resultado final trouxe a região Sul do país como a mais propensa a esse tipo de agressão. “Isso nos chamou atenção, porque a gente parte da premissa de que o acesso à informação é mais democrática", afirma Cristiano Moura, gerente de programas do Child Fund Brasil.
“A região Nordeste ficou bem próxima, com um bom desempenho, depois Norte e Centro-Oeste, e o Sul foi bem discrepante, o que nos chamou a nossa atenção. Isso requer aprofundamento da informação para entender porque isso está ocorrendo. Com isso podemos propor políticas específicas para cada região”, complementou.
Comportamento de risco
O estudo também buscou entender o comportamento dos jovens a fim de entender como os agressores podem chegar até eles. Segundo a Child Fund, quanto mais tempo os adolescentes passam online, maior a chance de estar sendo observado por terceiros. Além disso, adolescentes entre 17 e 18 anos que usam mais de um app têm 8 vezes mais chances de serem vítimas de violência sexual online. Acessar sete ou mais aplicativos aumenta em 100% o risco de uma agressão.
O gênero também interfere na vulnerabilidade do usuário, uma vez que mulheres têm mais chances de serem abordadas do que os homens. Entretanto, o estudo chama atenção para o grupo composto por outros gêneros, 0,4% dos entrevistados, foi o grupo mais vulnerável às investidas agressivas.
Na questão de segurança, aqueles do gênero feminino e masculino apresentaram uma diferença muito grande daqueles que chamamos de ‘outros’, então esse grupo tem uma exposição muito maior. Ou seja, a questão de gênero afeta, assim como o tempo de exposição no uso da internet, que fora da escola os adolescentes ficam, em média, mais de quatro horas online”, diz Moura.
Acesso à informação
A pesquisa avaliou o ambiente dos adolescentes e classificou em quatro níveis: bem protegidos, protegidos, pouco protegidos e desprotegidos. A classificação leva em consideração fatores como acesso à informação ou cursos sobre violência sexual online, se os pais conversam sobre com os filhos e se o acesso ao ambiente digital tem controle de horário.
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Os jovens considerados “desprotegidos”, ou seja, que não têm nenhum tipo de controle ou acesso às informações, têm o dobro de chances de se deparar com uma violência sem interação (aparecem espontaneamente no feed, por exemplo).
Aprofundando o estudo
Os resultados completos da etapa quantitativa do estudo serão divulgados em maio, mês de combate ao abuso e à exploração sexual infantil no Brasil. A segunda fase, de conversa com os adolescentes por meio de grupos focais, foi finalizada recentemente. “Estamos trabalhando em uma aprendizagem de máquina para cruzar o quantitativo com o qualitativo”, explica Cristiano.
Um dos diferenciais deste levantamento está na terceira etapa, que está em andamento, e busca conversar com agressores que foram condenados por crimes de violência sexual virtual contra crianças e adolescentes. O objetivo é entender como agiam e como escolhiam as vítimas, entre outros pontos.
Por fim, o estudo vai buscar pessoas que passaram por abusos sexuais no meio digital para entender como lidaram com a questão. “A pesquisa tem o objetivo de oferecer subsídios para gestores públicos e formuladores de políticas. Nessa primeira fase, o relatório já traz algumas recomendações, ainda incipientes, e na quarta fase vamos emitir um relatório para embasar políticas públicas. O Brasil ainda é muito carente nesse campo, não temos uma política nacional, precisamos avançar muito ainda”, Maurício Cunha, diretor do Child Fund Brasil.
Para Cristiano, além da atuação do poder público e das famílias, é necessário que as empresas de tecnologia e as donas das redes sociais também se envolvam ativamente na questão. “É necessário que as grandes corporações de comunicação sejam responsabilizadas por isso. Muitas vezes eles passam a responsabilidade para os usuários ou as famílias. Mas, de alguma forma, eles têm que entrar com a gente, porque senão vai ser como enxugar gelo”, afirma.