Depois de registrar no ano passado a maior epidemia de dengue de sua história, Minas Gerais começa 2025 com a doença outra vez em seu radar. Desta vez, o grande temor – que se reproduz país afora – gira em torno do sorotipo 3 do vírus que provoca a enfermidade, responsável pela morte de pelo menos 1.124 pessoas no estado em 2024. Embora historicamente as epidemias de dengue ocorram a cada dois ou três anos – paradigma quebrado no ano passado, o segundo consecutivo de forte disseminação da doença em Minas –, a reaparição desse sorotipo, que ficou praticamente fora de circulação nos últimos 15 anos, representa risco para a população, alertam especialistas.
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o sorotipo 3, associado à grave epidemia da década de 2000 no país, voltou a ser notificado no Brasil em 2023 depois de um longo sumiço. E isso multiplica o perigo. “Por não estar em circulação há tanto tempo, o número de pessoas suscetíveis a ele é elevado”, alerta a Fiocruz, lembrando que os sorotipos 1 e 2 ainda prevalecem no país e foram responsáveis pela epidemia de 2024.
Esse retorno carrega consigo também outro problema. Depois da exposição a um sorotipo, o que ocorreu com milhões de pessoas em 2024, a infecção por outro eleva em muito as chances de surgirem sintomas mais graves da doença. “A resposta imunológica do organismo pode piorar o quadro, pois os anticorpos formados na primeira infecção não neutralizam o novo vírus, mas amplificam a reinfecção, causando uma reação inflamatória mais severa”, explica a infectologista Joana D’arc Gonçalves.
O epidemiologista José Geraldo Ribeiro, do Laboratório Hermes Pardini, reforça que o sorotipo 3 não se diferencia dos outros pelos sintomas, mas que a reinfecção eleva a possibilidade de o paciente apresentar formas graves da doença, como a síndrome do choque da dengue. “É uma complicação frequentemente associada à maioria das mortes registradas. O quadro ocorre quando o sangue escapa dos vasos sanguíneos, resultando em uma perda significativa de líquido no organismo”, explica.
Os principais sinais de alarme incluem desmaio, dor abdominal intensa, vômito persistente, pressão arterial baixa e ausência de sinais evidentes de desidratação. É como se a pessoa estivesse em um estado de perda contínua de sangue, mesmo sem hemorragias aparentes. O quadro de desidratação também não é aparente, já que não há (uma clara) perda de líquidos, como no caso da diarreia.
Essa complicação é mais comum em crianças durante a primeira infecção grave e tende a surgir quando a febre desaparece, o que pode levar à falsa impressão de melhora. O especialista destaca que o hematócrito, verificado nos exames de hemograma, é um parâmetro essencial para monitorar esse agravamento, assim como a contagem de plaquetas.
José Geraldo alerta para o impacto do clima na proliferação do Aedes aegypti, vetor da dengue, chikungunya, zika e, potencialmente, da febre amarela urbana. ”Com o período chuvoso, ovos contaminados do mosquito eclodem rapidamente, favorecendo a transmissão. É essencial buscar atendimento médico ao apresentar sinais de alarme, como dor abdominal persistente, vômito e pressão baixa”, orienta.
Com essa preocupação crescente, o Ministério da Saúde lançou, no início de novembro de 2024, a campanha “Tem sintomas? A hora de ficar atento à dengue, zika e chikungunya é agora”, incentivando a população a procurar as unidades básicas de saúde ao identificar os primeiros sinais, que incluem febre, dores de cabeça, dor atrás dos olhos, manchas vermelhas no corpo e dores nas articulações.
A campanha é parte de um esforço maior do governo federal para reforçar a vigilância e a prevenção das arboviroses, especialmente no período chuvoso. Em entrevista à época, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que o governo tem trabalhado para reduzir os casos e óbitos causados por arboviroses. “Estamos unindo esforços para proteger a população durante o período mais crítico. Diagnóstico precoce, prevenção e assistência médica são nossas prioridades”, destacou a ministra.
A etapa inicial da campanha, lançada em 18 de outubro, já alertava a população sobre a importância de eliminar criadouros do mosquito Aedes aegypti com o slogan “Tem 10 minutinhos? A hora de prevenir é agora”.
Desde o início do período chuvoso, no fim de setembro, o governo de Minas, assim como a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), vêm realizando ações preventivas para evitar a proliferação do Aedes, que incluem de visitas aos imóveis para detecção de focos do mosquito a mapeamento com drones.
A baixa adesão à vacinação contra a dengue também é um fator que preocupa as autoridades. Segundo o Ministério da Saúde, em Minas Gerais, apenas 17% do público elegível – crianças e adolescentes dos 6 aos 14 anos de idade – completou o esquema vacinal. Das 376,8 mil doses distribuídas, apenas 165,5 mil primeiras doses foram aplicadas, e pouco mais de 18,6 mil pessoas retornaram para a segunda dose.
DEBILITANTE
Quem já teve a doença conhece seus efeitos debilitantes. “Tive febre alta e muita dor atrás dos olhos. Foi assustador, especialmente porque meu irmão teve dengue hemorrágica em 2023”, relata a estudante Maria Carolina Lima, de 21 anos, que integra aos mais de 6,6 milhões de brasileiros que tiveram dengue no ano passado.
Para a professora Simone Xavier, de 51, os sintomas foram ainda mais severos, com dores intensas nas articulações e tontura.“Fiquei com medo, confesso. Meu irmão teve dengue hemorrágica, e os médicos e os enfermeiros reforçaram que eu precisava me cuidar para não evoluir para um estágio perigoso”, conta.
Em 2024, Minas Gerais viveu a maior epidemia de dengue da história, ficando atrás somente de São Paulo entre os estados com o maior número de casos. A situação de emergência em saúde pública decretada pelo governo do estado começou em fevereiro, chegando ao fim apenas em julho. Um total de 267 municípios também recorreu à medida. Com pico comum no primeiro semestre, o aumento de casos ocorreu na 9ª semana epidemiológica, entre 25 de fevereiro e 2 de março, quando foram registrados 134.076 casos. Ainda assim, o cenário não deixou de piorar ao longo do ano. Para se ter uma ideia, apenas entre 23 e 30 de agosto, Belo Horizonte confirmou 4.883 novos casos de dengue e quatro mortes.
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De acordo com o último boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde, publicado em 30 de dezembro, o estado registrou 1.695.098 casos prováveis (casos notificados, exceto os descartados) de dengue ao longo de 2024. Desse total, 1.374.633 foram confirmados para a doença. Até o o fechamento do boletim, havia 1.124 óbitos confirmados por dengue e 358 estavam em investigação.
Em todo o país, segundo a última atualização de dados do Ministério da Saúde, feita no dia 31, foram registrados 6.649.338 casos prováveis da doença, com 6.016 mortes confirmadas e 913 ainda em investigação. A taxa de letalidade sobre os casos classificados como graves ficou em 5,76 e sobre o total de registros prováveis, em 0,09.