Imagem de São Benedito recuperada antes de ser leiloada

 -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Imagem de São Benedito recuperada antes de ser leiloada

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

O ano de 2024 terminou com um saldo positivo para o patrimônio cultural do estado. De janeiro a dezembro, foram restituídas 10 peças sacras a comunidades que há muito tempo – em alguns casos, há quase oito décadas – esperavam pelos bens desaparecidos de igrejas e capelas. O resultado, considerado incomparável de 2014 até agora, anima o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC)/Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Marcelo Maffra. Confiante, ele conclama a sociedade a continuar atuante e vigilante.

 

 

“Foi um ano muito importante no resgate de bens desaparecidos. A vigilância do patrimônio deve ser constante e o resgate dos objetos depende do efetivo envolvimento da sociedade. Se a comunidade é a melhor guardiã dos bens culturais, o MPMG faz o convite para todos conhecerem o Sondar (Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos) e participarem da proteção do nosso patrimônio cultural”, afirma Maffra. “Toda informação é valiosa e pode contribuir para o retorno das obras de arte para os locais de onde nunca deveriam ter saído.”

 

 

Conforme levantamento da CPPC, Minas tem 1.921 bens desaparecidos, tendo sido resgatados 644 e restituídos 135. No total de 2,7 mil cadastrados pela Coordenadoria, a maior parte (1.071) corresponde a documentos, seguindo-se os objetivos sacros (834). Com fotos, texto e espaço para denúncia, entre outros dados, a plataforma (sondar.mpmg.mp.br) reúne objetos mineiros desaparecidos, recuperados e restituídos e pode ser acessada pela internet, por meio de computador, tablet ou celular.

 

Outra ação importante está na campanha “Boa Fé”, também do Ministério Público. Lançada em maio de 2023, visa estimular a devolução voluntária de bens que integram o patrimônio cultural do estado.

 

“Qualquer pessoa, física ou jurídica, que detenha bens culturais de fruição coletiva, os quais, por qualquer motivo, tenham sido retirados do seu local de origem, pode participar. Trata-se de uma atuação negocial, resolutiva, voltada a evitar a deflagração de ações judiciais e a busca e apreensão dos objetos”, explica o promotor.

 

 

Um dos primeiros casos recebidos na “Boa Fé” foi o da imagem de Santa Rita de Cássia, de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Após análises técnicas, a peça retornou em abril deste ano, juntamente com um crucifixo, à tricentenária cidade.

 

Maffra cita outros objetos de fé que voltaram aos altares (ver o quadro): quatro castiçais de Bonfim, imagens de São Benedito, de Congonhas, e de Nossa Senhora do Carmo e São José de Botas, de Sabará. Em 26 de novembro, foi doada à diocese de Oliveira, na Região Centro-Oeste, uma imagem de São Sebastião. O bispo dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro esteve na sede da CPPC para receber a peça e levá-la para Oliveira. Para 2025, há previsão de novas restituições.

 

FESTA PARA SAUDAR

 

A cidade de Bonfim, na Região Central de Minas, recebeu com missa em ação de graças na Matriz Senhor do Bonfim, em 30 de janeiro, castiçais do século 19 furtados em 11 de fevereiro de 2003. Resgatadas após denúncia no Sondar, as peças foram apresentados aos fiéis, que lotaram a igreja (chamada pela população de santuário), logo no início da missa celebrada pelo administrador paroquial, padre Sérgio Francisco. Ao final da celebração, dois castiçais foram conduzidos ao altar de Nossa Senhora do Carmo, onde ficaram expostos. "As peças fazem parte da nossa história, do nosso jeito de viver a fé, e não podemos jamais desistir do que é nosso por direito", destacou o sacerdote da Paróquia Senhor do Bonfim.

 

 

Três meses depois, em 16 de abril, desta vez em Santa Luzia (RMBH), os católicos saudaram, com alegria, a reentronização da imagem de Santa Rita de Cássia e a entrega de um crucifixo. A celebração foi na Capela São João Batista, que completava 120 anos. A devolução foi possível graças a uma campanha iniciada em 2010 pelos paroquianos do Bairro da Ponte.

 

Nos 14 anos de campanha iniciada pelos voluntários Sandra Gabrich e Cristiano Massara, a comissão paroquial conseguiu resgatar cinco peças sacras, hoje nos altares da edificação em estilo neogótico e tombada pelo município. Desde o início da ação, foram restituídas as imagens de Santa Terezinha do Menino Jesus, São José, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, São Vicente de Paulo e Anjo da Guarda. Vale lembrar que essas peças estavam guardadas com paroquianos (muitos deles já falecidos), e posteriormente com familiares, para realização de uma obra na igreja na década de 1960.

 

No mês seguinte, houve grande mobilização em Lobo Leite, distante 12 quilômetros de Congonhas, na Região Central, para receber a imagem de São Benedito (século 18). A escultura seria vendida num leilão, em BH, e foi retirada do pregão, por iniciativa do MPMG e da direção do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Para fazer o reconhecimento, estiveram na capital a costureira Maria Ângela Santana da Silva e o aposentado Jorge André Claudino.

 

 

A imagem de São Benedito foi furtada na madrugada de 4 de outubro de 1996 – foi a segunda ocorrência no templo, sendo a anterior em 23 de janeiro de 1981. Das seis peças furtadas em 1996 – Nossa Senhora da Soledade (padroeira do distrito), Nossa Senhora das Dores, São José, São Joaquim, São Benedito e Santo Antônio – foram encontradas quatro (Santo Antônio, Nossa Senhora das Dores, São José e São Benedito).

 

Conforme registro, foram levadas em 1981 as imagens de São Brás, Nossa Senhora da Conceição, duas de Nossa Senhora do Rosário (uma grande e outra pequena), São Sebastião (pequeno), Santana com a filha e do Menino Jesus da imagem de São José, além de um crucifixo, 12 coroas de prata e uma âmbula e um cálice, ambos de ouro.

 

DE BRAÇOS ABERTOS

 

No município vizinho de Sabará, ainda há 11 imagens desaparecidas, informa Marcelo Maffra, ao lado da historiadora da CPPC/MPMG, Paula Carolina Miranda Novais. Os dois participaram da entrega de dois bens importantes do patrimônio local: as imagens de Nossa Senhora do Carmo, da Igreja Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, e São José de Botas, reconduzido à Matriz Nossa Senhora da Conceição, considerada uma das mais antigas de Minas.

 

Quase três décadas após ser furtada, a imagem barroca de Nossa Senhora do Carmo retornou em 17 de setembro. Com 38 centímetros de altura, desapareceu em 11 de janeiro de 1995 da Igreja do Carmo, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

 

O objeto de fé foi resgatado pela CPPC/MPMG após denúncia recebida via Sondar, sendo, então, comunicado o anúncio de venda da peça sacra no site de uma casa de leilões, em Campinas (SP). A partir das informações, o MPMG instaurou procedimento investigatório para apurar a denúncia e adotar as providências necessárias para o resgate.

 

Em 8 de dezembro, os fiéis fizeram nova festa para ver reentronizada a imagem de São José de Botas, do século 18, desaparecida do templo católico na Semana Santa de 1947. A localização, como no caso anterior, foi possível a partir de denúncia via Sondar (em 20 de novembro de 2023). “Foi realizado um parecer preliminar solicitando acesso físico ao bem. Assim, em 26 de setembro de 2024, a escultura foi entregue na sede da Coordenadoria, por meio da campanha Boa Fé”, explicou o promotor de Justiça.

 

Em seguida, foi feita a investigação para verificar a procedência, sendo fundamental um documento do antigo Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan, anterior ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan), datado de 4 de julho de 1947 –nele, o senhor Sylvio de Vasconcellos encaminha, ao pároco responsável pela Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, levantamento dos bens pertencentes à igreja.

 

NOVOS PASSOS

 

O MPMG já traça os novos passos para restituição de bens a comunidades mineiras. Este mês, será entregue uma sinete (peça tipo carimbo, para lacre), de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes. No mesmo mês, o Museu Mineiro, em BH, receberá do MPMG um par de palmas relicários.

 

Uma volta é muito esperada pela comunidade rural de Santana dos Patos, em Patos de Minas, na Região do Alto Paranaíba. Ainda não há data marcada para o retorno da imagem de Santana Mestra, chamada pela população local de Senhora Santana. Esculpida em madeira, com 82 centímetros de altura e 47cm de largura, ela desapareceu do templo, distante 30 quilômetros da sede municipal, no início da década de 1980.

 

 

Conforme a CPPC/MPMG, a plataforma Sondar recebeu a denúncia de que a imagem fora localizada num antiquário de BH. “Fizemos o contato com a recomendação de entrega do bem, e, em 2 de setembro deste ano, a peça foi devolvida na coordenadoria. Os dados extraídos do recibo apresentado mostram que a imagem de Santana foi comprada em 27 de janeiro de 1984, no Rio de Janeiro (RJ)”, disse Maffra.
A devolução da imagem da padroeira é esperada com alegria em Santana de Patos, onde a Igreja Matriz se encontra em processo de restauração.

 

DE VOLTA AOS ALTARES...

Em 2024, foram entregues 10 bens sacros a cidades mineiras, por ação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), via Coordenadoria do Patrimônio Cultural (CPPC)

 

Em 30 de janeiro, quatro castiçais do século 19 retornaram à Matriz Senhor do Bonfim, na cidade de Bonfim, na Região Central. Furtadas em 11 de fevereiro de 2003, as peças foram recuperadas após denúncia no Sondar, plataforma do MPMG de resgate de bens desaparecidos.

 

Já em 16 de abril, foi a vez de uma imagem de Santa Rita de Cássia e um crucifixo voltarem para a Capela São João Batista, em Santa Luzia (RMBH). Fruto de uma campanha iniciada por pessoas do Bairro da Ponte, os bens foram restituídos após 55 anos desaparecidos.

 

Em 8 de maio, a comunidade de Lobo Leite, em Congonhas, na Região Central, festejou o retorno da imagem de São Benedito à Capela Nossa Senhora da Soledade. A peça foi furtada na madrugada de 4 de outubro de 1996 – foi a segunda ocorrência no templo.

 

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Desaparecida desde 1995, a imagem de Nossa Senhora do Carmo retornou em 17 de setembro à Igreja Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, em Sabará (RMBH). Templo e acervo são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Houve toque de sinos, foguetório e aplausos.

 

Em 26 de novembro, foi doada à diocese de Oliveira, na Região Centro-Oeste do estado, uma imagem de São Sebastião. Antes de ser entregue, em BH, a representantes da diocese, a peça ficou sob custódia do Museu Histórico de Oliveira.

 

Em 8 de dezembro, novamente em Sabará, a comunidade festejou o retorno da imagem de São José de Botas, desaparecida havia 77 anos. A peça foi reentronizada durante a missa celebrada pelo padre Eribaldo Pereira dos Santos, titular da Paróquia Nossa Senhora da Conceição.

 

RETORNO

 

Para o ano que vem, há previsão de mais seis peças e ainda 19 documentos doados ao Arquivo Público Mineiro

 

Sinete

Peça de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, com previsão de retorno em janeiro

 

Par de palmas relicários

As peças se encontram na CPPC/MPMG e o trabalho técnico está concluído. A entrega será em janeiro, ao Museu Mineiro, em BH

 

Santana Mestra ou Senhora Santana

Pertence à comunidade rural de Santana dos Patos, em Patos de Minas, na Região do Alto Paranaíba. Ainda sem estimativa de retorno. Todo o trabalho técnico está concluído.

 

Imagens de Nosso Senhor dos Passos e Santa Luzia e Busto de São Francisco de Assis

Estão na CPPC/MPMG aguardando análise

 

São José de Botas, de Nova Lima (RMBH)

Aguardando análise

 

São Benedito

Encontrado em Santa Luzia (RMBH). Ainda sem data de retorno

 

Na CPPC

há 19 documentos históricos que serão doados, em fevereiro, ao Arquivo Público Mineiro