Em outubro, a PRF flagrou veículo transitando a 105km/h na BR-381, em Itatiaiuçu, na Grande BH. O limite da rodovia no trecho é de 80km/h

 -  (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)

Em outubro, a PRF flagrou veículo transitando a 105km/h na BR-381, em Itatiaiuçu, na Grande BH. O limite da rodovia no trecho é de 80km/h

crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press

“É melhor perder um minuto na vida do que a vida em um minuto”, diz a velha frase de para-choque de caminhão. Com a correria misturada à ansiedade, à pressa e à necessidade de atender aos compromissos, muitos motoristas pisam fundo no acelerador. E é justamente o excesso de velocidade que segue como uma das principais causas dos acidentes fatais no Brasil, que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), ostenta o título negativo de terceiro lugar no ranking mundial em número de mortes no trânsito, atrás apenas da China e da Índia.

 


O Estado de Minas investigou a fundo o impacto da alta velocidade no trânsito, levantou bancos de dados de acidentes e ouviu especialistas sobre a questão, além de depoimentos de quem convive com sequelas graves ou com o trauma da perda de entes queridos. Esta reportagem abre a série especial “Vítimas da Velocidade”, a ser publicada pelo EM nos próximos dias.


“Num piscar de olhos, tudo pode acontecer em um acidente. Vidas que se perdem, sonhos que acabam, famílias que são devastadas”, resume a servidora pública Katherine Soares, de 51 anos, de Montes Claros (Norte de Minas), que relata a sua própria história. Há 25 anos, ela perdeu uma filha pequena e se tornou deficiente física, como consequência de um acidente de trânsito, no qual a velocidade incompatível foi a causa principal.

 


Os depoimentos de vítimas como Katherine, somados aos estudos e às advertências de especialistas, reforçam que, em tempos de modernidade e de inovação, com carros automáticos e cada vez mais tecnológicos, a velha frase de para-choque de caminhão, citada na abertura do texto, continua mais atual do que nunca. Vale também como reflexão e alerta para que os motoristas tenham paciência e cuidado.
A maior segurança nas estradas e nas vias urbanas é extremamente necessária para garantir a redução da violência no trânsito brasileiro, que tem a triste média de aproximadamente 33 mil mortes anuais em consequência dos acidentes sobre rodas.


Nesta época do ano, de férias e festas, o alerta em relação aos cuidados com os limites do velocímetro, assim como a obediência às regras de trânsito e direção com prudência, torna-se mais importante, já que o movimento nas estradas aumenta consideravelmente de norte a sul do Brasil, em especial nos destinos litorâneos.


Na volta ao lugar de origem para visitar os parentes, com o pensamento de chegar a tempo para comemorações ou no caminho da praia, a ansiedade força a aceleração mais forte. Porém, a recomendação é clara: melhor ter paciência e garantir a chegada ao destino do que correr risco.


“A velocidade excessiva é o fator mais importante que contribui para as lesões causadas pelo trânsito, influenciando tanto no risco de colisões quanto na gravidade delas”, afirma o diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Flavio Adura. Ele salienta que a velocidade multiplica os riscos de acidentes fatais tanto nas rodovias como nas vias urbanas.


“Pequenos aumentos na velocidade resultam em um grande aumento do risco de colisão. Velocidades de apenas 5 km/h acima da média de 60 km/h em áreas urbanas, e de 10 km/h acima da média em áreas rurais, já são suficientes para dobrar o risco de morte em uma colisão. Diria que é o equivalente ao aumento do risco quando um acidente está associado a uma concentração de álcool no sangue”, afirma Flavio.


“A cada 1% de aumento, a velocidade média resulta num acréscimo de 4% no risco de acidente fatal, e um aumento de 3% no risco de um grave acidente. O perigo de morte para pedestres atingidos frontalmente por automóveis aumenta consideravelmente – em 4,5 vezes na comparação entre uma colisão com o carro a 50 km/h e outra com o mesmo veículo a 65 km/h, por exemplo. Na colisão de veículos automotores, o risco de morte para seus ocupantes é de 85% a 65 km/h”, aponta o especialista.

 

Números comprovam

 

Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) segmentados pela reportagem comprovam as afirmações trazidas pelo especialista da Abramet. Ao considerar somente as rodovias federais, Minas registra 919 acidentes causados pela velocidade incompatível, de janeiro a outubro deste ano. Em relação a 2023, há uma alta de 2% nas ocorrências do tipo.

 


Nos últimos três anos, a PRF registra 217 ocorrências com morte nas BR's mineiras causadas pela velocidade incompatível. Elas resultaram em 272 vidas perdidas. É uma média de um óbito do tipo a cada quatro dias no estado por esse motivo, considerando o intervalo entre 1º de janeiro de 22 e 31 de outubro de 2024. Em todo o Brasil, são 1.090 ocorrências de trânsito com morte, que têm como razão principal o excesso de velocidade, nos últimos três anos. Elas resultaram em 1.341 vidas perdidas, uma a cada 19 horas.


No mesmo período, cerca de 14% dos acidentes com morte nas rodovias federais em Minas tiveram a velocidade incompatível como principal razão. Essa causa lidera entre as 59 listadas pela PRF, seguida pela "ausência de reação do condutor" (12,7%) e "transitar na contramão" (12,3%). Ou seja, nenhum fator tirou mais vidas nas BR's do estado do que o famoso "pé pesado" no recorte recente.


Como já era esperado, por causa de sua extensa malha rodoviária, Minas lidera o número de acidentes em estradas federais pelo excesso de velocidade. São 1.652 desde janeiro de 2022 até outubro deste ano: uma média de três ocorrências a cada dois dias. Ou uma a cada 15 horas. Na sequência, aparecem Paraná (1.005) e Santa Catarina (793).


“A velocidade influencia na gravidade do sinistro, visto que a energia cinética varia conforme a velocidade. Quando um veículo está em alta velocidade, ele acaba tendo a maior probabilidade de sinistro, porque o tempo de frenagem vai ser maior e os riscos envolvidos são maiores”, afirma o coordenador-geral de segurança viária da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Jeferson Almeida.


“Quando a gente fala em velocidade excessiva, não necessariamente, nós estamos falando de 160, 180 quilômetros por hora. Se um local é para transitar com 40 km/h, essa velocidade deve ser respeitada. Pequenos aumentos vão significar um risco muito grande. Se o motorista andar a 80 km/h, ele está com o dobro da velocidade, então o risco está dobrado”, diz.


Férias e duas rodas

O coordenador de segurança viária da PRF, Jeferson Almeida, lembra que, no período de fim de ano e durante todo o verão, há um aumento de fluxo de turistas em viagem, que não estão habituados com as rodovias, o que aumenta a necessidade de cuidados.


“(Os turistas) são pessoas que têm veículos menores, que não estão habituadas a dirigir na estrada. Então, é muito importante ter bastante cuidado. Tanto a própria pessoa, que vai pegar seu automóvel pequeno e não tem o costume de viajar em estrada, como os motoristas de veículos maiores, aqueles que trabalham na estrada”, diz.


Ao mesmo tempo, pedestres, ciclistas e motociclistas correm maior risco de lesões graves e de morte em acidentes em que a principal causa esteja ligada ao excesso de velocidade. A observação é do diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Flavio Adura.


“Essas pessoas estão completamente desprotegidas ou, no caso de um motociclista, têm uma proteção muito limitada”, afirma o especialista em medicina de tráfego. Adura ressalta que a probabilidade de um pedestre ser morto, se atingido por um veículo motorizado aumenta consideravelmente com a velocidade. “Enquanto a maior parte dos usuários mais vulneráveis (sem proteção) sobrevive a um atropelamento por um automóvel transitando a 30 km/h, a maioria deles morre quando atropelados por um veículo transitando a 50 km/h”, afirma.

Cinto de segurança

O especialista da Abramet salienta que o cinto de segurança é essencial para preservar vidas no trânsito. Mas, a eficiência do equipamento também depende do limite de velocidade. “Para os ocupantes de um veículo, usar cintos de segurança e conduzir veículo pode lhes oferecer proteção até um máximo de 70 km/h em impactos frontais e de 50 km/h na maioria dos impactos laterais”, diz.

 

 

Outro aspecto observado por Flavio Adura é quanto a necessidade de limite de velocidade em vias urbanas, onde circulam pedestres. “A maioria dos sistemas viários não é projetada com base na tolerância humana. Muitas vezes, a separação de veículos e pedestres, com a construção de calçada e meio-fio, não é realizada. Limites de velocidade de 30 km/h em áreas residenciais, muitas vezes, não são implementados. As frentes de automóveis e ônibus não foram projetadas para oferecer proteção aos pedestres”, completa. n

Ultrapassagens também preocupam especialista

O coordenador de segurança da Polícia Rodoviária Federal (PRF) salienta que, assim como a velocidade excessiva, a ultrapassagem em local proibido aumenta o risco de acidente fatal nas rodovias. “A ultrapassagem proibida é sempre uma manobra muito arriscada. Quando acontece um sinistro envolvendo ultrapassagem, o risco de morte é sempre elevado. A gente tem que entender que os dois veículos, por estarem em sentidos contrários, sofrerão impacto muito forte, o que acaba provocando lesões seríssimas”, diz Jeferson Almeida, coordenador-geral de segurança viária da PRF.