A análise de DNA com 2 mil anos de antiguidade revela a existência de sociedades celtas organizadas em torno das mulheres na Grã-Bretanha durante a Idade do Ferro, o que corrobora os relatos de historiadores romanos, segundo um estudo publicado nesta quarta-feira (15).

As estruturas sociais das comunidades que habitavam a Grã-Bretanha há dois milênios ainda são pouco conhecidas.

Uma fonte importante sobre elas provém dos historiadores romanos, como Tácito ou Dião Cássio, que, em seus escritos sobre a conquista da ilha (entre 44 e 84 d.C.), mencionam várias mulheres que ocupavam posições de poder.

Foi o caso de Cartimândua, que reinou por 30 anos o povo dos Brigantes, no norte da Inglaterra, no século I.

Ou de Boudica, que iniciou uma revolta contra a ocupação romana, saqueando e queimando várias cidades, inclusive Londinium, que se tornaria Londres.

Em sua "A Guerra das Gálias", redigida mais de um século antes, Júlio César aponta igualmente que as mulheres celtas participavam de assuntos públicos, exerciam influência política e praticavam a poligamia.

"Quando os romanos chegaram, se surpreenderam ao encontrar mulheres em posições de poder", mas estes relatos "nem sempre são considerados confiáveis", lembra em um comunicado Miles Russell, coautor do estudo publicado na revista Nature.

"Alguns sugeriram que os romanos exageraram as liberdades de que as mulheres britânicas desfrutavam para descrever uma sociedade indomável. Mas a arqueologia, e agora a genética, mostram que as mulheres eram influentes em muitas esferas da vida na Idade do Ferro. Inclusive é possível que a descendência materna tenha sido o principal motor das identidades de grupo", ressalta.

- Matrilocalidade -

Os pesquisadores que publicaram o estudo explicam que conseguiram extrair mais de 50 genomas de um conjunto de sítios funerários perto do povoado de Winterborne Kingston (sul da Inglaterra), utilizados antes e depois da conquista romana.

Os cemitérios da Idade de Ferro com sepulturas bem conservadas são raros na Grã-Bretanha, talvez porque os falecidos eram frequentemente "incinerados, expostos ou depositados em áreas úmidas", antecipam os autores do estudo.

Mas a tribo dos Durotriges, que ocupava a região costeira meridional central da Grã-Bretanha entre 100 a.C. e 100 d.C. (no que agora se conhece como Dorset) era uma exceção, já que depositavam seus mortos em cemitérios formais.

As escavações feitas nestes locais desde 2009 já haviam revelado indícios sobre o status social elevado que as mulheres tinham.

"As tumbas ricamente dotadas ao longo da Idade do Ferro em Dorset, com objetos como recipientes para beber, espelhos, pérolas eram, à exceção de uma tumba que continha uma espada, todas femininas", explica à AFP Russell, que dirigiu as escavações.

A análise de DNA mostra que a maioria dos indivíduos enterrados estavam relacionados pela linhagem materna, remontando "a uma única mulher que viveu vários séculos antes", relata Lara Cassidy, geneticista do Trinity College de Dublin, que chefiou o estudo.

Ao contrário, as relações pela linhagem paterna estavam quase ausentes.

"Isto nos indica que os maridos se uniam às comunidades de suas esposas depois do casamento, com terras potencialmente transmitidas pela linhagem feminina", acrescenta, em um comunicado.

Em etnografia, este tipo de organização social, conhecida como "matrilocalidade" é rara, e não tinha sido documentada até agora na Europa nos períodos do Neolítico, Idade do Bronze e Idade do Ferro.

Mas os pesquisadores, que examinaram dados de estudos genéticos anteriores, encontraram "sinais de matrilocalidade em vários cemitérios ao longo da Grã-Bretanha, que datam de meados e finais da Idade do Ferro" (em torno do ano 400 a.C. e inclusive antes), ressalta Cassidy. 

É "muito possível" que este sistema também fosse comum ao começo da Idade do Ferro (por volta de 800 a.C.), "e inclusive antes", avalia esta pesquisadora.

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