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80 anos do fim da segunda guerra

O massacre esquecido

o incêndio em tóquio escancara a vitória à custa de inocentes

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Na madrugada de 10 de março de 1945, Tóquio virou um inferno. Em poucas horas, 334 aviões dos EUA lançaram 1.600 toneladas de bombas incendiárias sobre bairros residenciais. Casas de madeira arderam como palha. Mais de 100 mil civis morreram queimados ou sufocados — mais do que em Hiroshima ou Nagasaki. Com bombas M-69 carregadas de napalm, que grudavam na pele e incendiavam tudo ao redor, o ataque destruiu um quarto da capital japonesa e deixou 1 milhão de desabrigados. O general Curtis LeMay, que comandou a ofensiva, resumiu: “Não sobrou nada além de escombros”.


O massacre, pouco lembrado hoje, ganha voz por meio de testemunhos como o de Shizuyo Takeuchi, então com 14 anos: “Depois de ver tantos corpos… fiquei sem emoções.”


Na continuação da série especial do Estado de Minas - 80 anos do fim da segunda guerra, o bombardeio em Tóquio ressurge como símbolo de um limite ultrapassado – e da urgência de nunca esquecer para não ser repetido.

Vista aérea do centro de Tóquio depois do bombardeio incendiário na noite de 9 de março de 1945. Restam apenas estruturas de concreto entre as ruínas da cidade, que tinha muitos  prédios de madeira. Cerca de 100 mil pessoas morreram. O calor foi tão intenso que as pessoas que correram para o rio Sumida (alto) tiveram o corpo queimado pela água aquecida

Vista aérea do centro de Tóquio depois do bombardeio incendiário na noite de 9 de março de 1945. Restam apenas estruturas de concreto entre as ruínas da cidade, que tinha muitos prédios de madeira. Cerca de 100 mil pessoas morreram. O calor foi tão intenso que as pessoas que correram para o rio Sumida (alto) tiveram o corpo queimado pela água aquecida

reprodução

 

Até onde um ser humano é capaz de ir para vencer uma guerra?


A madrugada de 10 de março de 1945 deve ser lembrada como um marco sombrio da destruição humana em massa – provocado não por armas nucleares, mas por gasolina em chamas lançada sobre civis. Em tempos de tensões crescentes e discursos de força, a lembrança de Tóquio nos obriga a perguntar: até onde o homem está disposto a ir para vencer uma guerra?


Esse questionamento ganha forma nas palavras de Shizuyo Takeuchi, uma das poucas sobreviventes ainda vivas do bombardeio em entrevista à ‘Revista Times’:


“Lembro de caminhar pela noite sob um céu vermelho. Até hoje, pôr do sol alaranjado e sirenes me deixam desconfortável. Eu tinha 14 anos. Naquela noite, meu pai insistiu em atravessar o rio na direção oposta de onde todos corriam. Isso salvou a nossa família. Na manhã seguinte, tudo havia queimado. Vi duas figuras negras e, ao me aproximar, percebi que era uma mulher. Ao lado dela, o que parecia um pedaço de carvão era seu bebê. Fiquei terrivelmente chocada… Senti pena deles. Mas depois de ver tantos outros, fiquei sem emoções no final.”


Esse episódio devastador ocorreu entre os dias 9 e 10 de março de 1945, quando 334 bombardeiros B-29 norte-americanos lançaram cerca de 1.600 toneladas de bombas incendiárias sobre bairros densamente povoados de Tóquio. O ataque destruiu aproximadamente 41 Km2 da cidade, transformando a capital japonesa em um oceano de fogo e fumaça.


O major-general Curtis E. LeMay, que comandou a operação, descreveu o cenário com frieza:“Esse incêndio não deixou nada além de escombros retorcidos e desmoronados em seu caminho.”


Para efeito de comparação, o bombardeio da Luftwaffe sobre Londres, em 1940, destruiu apenas uma milha quadrada. Em Tóquio, a destruição foi 15 vezes maior – a maior já registrada em um único ataque aéreo.

Após os primeiros ataques em Tóquio e em outras cidades, o governo ordenou a evacuação de crianças e idosos para áreas rurais

Após os primeiros ataques em Tóquio e em outras cidades, o governo ordenou a evacuação de crianças e idosos para áreas rurais

reprodução

A ação marcou uma virada brutal na tática americana. Deixaram de lado os bombardeios de precisão e optaram por atingir alvos civis. A justificativa era estratégica: desmoralizar a população e forçar uma rendição rápida. A ofensiva foi facilitada pela recente conquista de Iwo Jima e pelo uso de bases aéreas em Saipan, Tinian e Guam. Estima-se que naquela noite foram lançadas cerca de 1.665 bombas incendiárias.


O poder destrutivo também veio da tecnologia. A principal arma usada foi a bomba M-69, desenvolvida com a ajuda da empresa Esso. Carregada com napalm – uma gelatina de gasolina altamente inflamável –, a bomba explodia após 4 a 5 segundos, espalhando sacos de gaze flamejantes por até 100 metros. Cada um se transformava em uma panqueca de fogo que se grudava a tudo que tocava: roupas, pele, madeira, telhados.


A arquitetura de Tóquio contribuiu para o desastre. As construções, muitas ainda tradicionais, eram feitas de papel e madeira, o que facilitava a propagação das chamas. Mesmo edifícios que não foram atingidos diretamente acabaram destruídos pelo calor extremo e pela expansão dos incêndios. A cidade virou um forno a céu aberto.


As condições climáticas agravaram o quadro. A noite estava com céu limpo e ventos fortes, o que aumentou a velocidade com que o fogo se espalhou. Os bombeiros não tinham chance. As cenas eram de horror: pessoas queimando vivas, fugindo pelas ruas em desespero. Milhares se jogaram no rio Sumida, tentando escapar – muitos morreram afogados ou pisoteados.


O saldo foi catastrófico: mais de 100 mil mortos em uma única noite, um número superior ao das vítimas imediatas das bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima (80 mil) e Nagasaki (50 mil). Cerca de 1 milhão de pessoas ficaram desabrigadas, e um quarto das residências da cidade foi destruído.


Apesar disso, o bombardeio em Tóquio foi aos poucos apagado da memória coletiva. Enquanto Hiroshima e Nagasaki se tornaram símbolos universais do horror atômico, Tóquio foi esquecida. No Japão, o governo nunca ofereceu reparações às vítimas civis do incêndio. No Ocidente, o episódio raramente aparece nos livros escolares.


Nos meses seguintes, LeMay repetiria a mesma tática em 58 cidades japonesas, causando mais de 500 mil mortes. A eficácia militar dos ataques é debatida até hoje, mas o efeito psicológico foi inegável: a devastação das cidades acelerou a percepção entre os líderes japoneses de que a guerra estava perdida.


Hoje, com poucos sobreviventes ainda vivos, a história ressurge por meio de museus, livros e depoimentos como o de Shizuyo. Lembrar de Tóquio não é apenas reviver um passado sombrio – é reconhecer que, mesmo em meio à guerra, há limites que, quando ultrapassados, são imperdoáveis.

o saldo foi de mais de 100 mil pessoas mortas em apenas uma noite. Apesar disso, o bombardeio foi apagado da memória coletiva

o saldo foi de mais de 100 mil pessoas mortas em apenas uma noite. Apesar disso, o bombardeio foi apagado da memória coletiva

Reprodução

 

O que os japoneses fizeram para se defender do ataque


As defesas japonesas na época eram limitadas e ineficazes frente à tecnologia e poderio dos bombardeiros B-29 americanos


Artilharia antiaérea Havia baterias antiaéreas em Tóquio, mas elas eram calibradas para bombardeiros em alta altitude. Naquela noite, os B-29 voaram mais baixo do que o usual, o que reduziu drasticamente a eficácia da defesa antiaérea.


Caças interceptadores A Força Aérea Imperial ainda operava com caças, como o Mitsubishi Ki-61, mas havia poucos aviões disponíveis, pouca manutenção e escassez de combustível. Os caças não conseguiram interceptar a maioria dos B-29s.


Treinamento civil e brigadas de combate a incêndio A população civil foi instruída a formar brigadas voluntárias com baldes de água, pás e cobertores, na tentativa de apagar incêndios localizados. No entanto, diante de uma tempestade de fogo, esses métodos eram praticamente inúteis.


Construção de abrigos e escavações Muitos moradores cavavam trincheiras e abrigos improvisados nos próprios quintais. Mas os abrigos de madeira não resistiam ao calor do napalm, e até mesmo os subterrâneos acabavam sem oxigênio durante os incêndios.


Evacuação de civis Após os primeiros ataques em Tóquio e em outras cidades, o governo ordenou a evacuação de crianças e idosos para áreas rurais. Estima-se que cerca de 8 milhões de pessoas foram deslocadas das zonas urbanas ameaçadas. Foi uma tentativa de preservar a população civil, mas que veio tarde demais para muitos.

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