"Se perdermos, seremos julgados como criminosos de guerra’’
O major-general Curtis LeMay admitiu que suas ações em Tóquio ultrapassaram os limites éticos. Ele sabia que, se perdesse, seria responsabilizado
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Curtis Emerson LeMay é uma das figuras mais polêmicas da história militar dos Estados Unidos, associado a uma série de ataques aéreos devastadores que, embora eficazes do ponto de vista militar, levantaram questões éticas sobre os limites da guerra. Seu nome está especialmente vinculado aos bombardeios incendiários a cidades japonesas durante a Segunda Guerra Mundial, uma estratégia que não apenas causou imensa destruição, mas também levantou sérias dúvidas sobre a moralidade de suas ações.
Logo após o sucesso de suas missões incendiárias, LeMay recebeu um elogio do general H.H. Arnold, comandante da Força Aérea dos EUA: “Suas recentes missões incendiárias foram brilhantemente planejadas e executadas.” Embora a eficiência dessas operações tenha sido indiscutível, o reconhecimento de Arnold também reflete uma aceitação quase cega da lógica de LeMay, que acreditava que os meios justificavam os fins, independentemente das consequências humanas.
Nascido em 1906, em Columbus, Ohio, LeMay iniciou sua carreira no Corpo Aéreo do Exército dos EUA em 1928. Sua abordagem analítica e direta logo o destacou, e, em pouco tempo, ele se tornou um dos comandantes mais promissores da Segunda Guerra Mundial. No entanto, foi no Pacífico que LeMay se tornaria sinônimo de táticas implacáveis e destrutivas. Ao comandar o 21º Comando de Bombardeiros, LeMay reformulou a estratégia aérea, abandonando os bombardeios de precisão em favor de ataques incendiários maciços, com a intenção de destruir cidades inteiras e quebrar a moral da população japonesa.
O ataque a Tóquio, em março de 1945, é o exemplo mais emblemático dessa estratégia, onde bombardeios incendiários causaram a morte de dezenas de milhares de civis e destruíram vastas áreas da cidade. Para LeMay, o objetivo militar era claro e necessário: derrotar rapidamente o inimigo. No entanto, ele estava plenamente consciente das implicações morais de suas ações. “Se perdermos a guerra, seremos julgados como criminosos de guerra”, afirmou, reconhecendo que suas táticas não apenas cruzavam uma linha ética, mas a rasgavam por completo.
Historiadores e estudiosos ainda debatem se essas ações podem ser justificadas. O historiador Mark Selden, da Universidade de Cornell, argumenta que LeMay representava “a lógica levada ao extremo.” Sua crença de que a vitória justificava qualquer sacrifício e qualquer método — por mais brutal que fosse — transformou-o em um comandante extremamente eficaz, mas também em uma figura cujos métodos eram difíceis de defender moralmente.
Tsuyoshi Hasegawa, historiador da Universidade da Califórnia, vai além, afirmando que LeMay tratava civis como obstáculos militares. “O bombardeio de Tóquio não foi um erro de cálculo — foi uma escolha deliberada para causar o máximo de destruição possível.” Esta perspectiva crítica desafia a narrativa tradicional que celebra LeMay como um herói militar. Ele não hesitou em adotar uma abordagem que, para muitos, beirava o genocídio, visando não apenas a infraestrutura militar do Japão, mas também suas cidades e sua população civil.
Apesar da brutalidade de suas táticas, LeMay continuou a ser promovido e reverenciado dentro das forças armadas. Após a guerra, ele foi responsável pela Ponte Aérea de Berlim, uma missão de sucesso que mostrou suas habilidades logísticas, e, mais tarde, liderou o Comando Aéreo Estratégico durante os anos mais tensos da Guerra Fria. Seu comportamento sempre brutal e suas opiniões conservadoras mantiveram-no firme em sua crença de que, em tempos de guerra, a vitória era tudo. "A guerra é matar. Quanto mais rápido você matar, mais rápido ela termina", disse ele, refletindo uma visão de mundo onde a humanidade parecia perder espaço para a eficiência militar.
Curtis LeMay faleceu em 1990, sem demonstrar arrependimentos pelos métodos que usou, e sem fazer qualquer tipo de reconhecimento sobre o custo humano de suas decisões. Para alguns, ele foi um herói que derrotou um inimigo implacável com as armas mais eficazes disponíveis; para outros, ele permanece como um símbolo da brutalidade da guerra moderna, cujos métodos tornaram-se tão eficazes quanto moralmente questionáveis.