Emanuel Pessoa

Advogado especializado em direito societário, governança corporativa, contratos, disputas estratégicas e direito internacional

Um grande fator a incentivar a indicação de Kamala Harris para a cabeça de chapa do Partido Democrata nas eleições de novembro são as regras de financiamento de campanha dos Estados Unidos, fixadas pela Comissão Eleitoral Federal. Esse órgão desempenha o papel de fixar as regras de campanhas eleitorais federais, incluindo questões pertinentes a gastos de campanha, doações, transferência de fundos, etc.


Em conformidade com o sistema norte-americano, o dinheiro é doado para a chapa Biden-Harris e somente pode ser usado pelos candidatos da chapa. Naturalmente, como ainda não se deu o prazo final de registro das candidaturas, nada impediria que um dos membros da chapa desistisse de participar do pleito eleitoral, como é o caso de Joe Biden, e viesse a ser substituído por outra pessoa. Essa entrada de outro candidato, frise-se, é obrigatória, pois a chapa presidencial sempre precisa contar com uma pessoa se candidatando à presidência e outra à vice. Contudo, para que o dinheiro doado para uma determinada chapa, mesmo antes do seu registro, seja utilizado, é preciso que pelo menos um dos membros originais da chapa continue nela.


De uma forma geral, isto significa que o entendimento consolidado pela Comissão é de que a doação é feita para os dois candidatos da chapa, de modo que pelo menos um deles precisa continuar na disputa para acessar o dinheiro das doações. Assim, entende-se que houve continuidade da chapa e esta segue sendo capaz de usar o dinheiro doado.


Neste caso, se Kamala Harris não for parte da chapa, isto é, caso ela não assegure a nomeação democrata para a candidatura à Presidência, nada impede que a campanha devolva o dinheiro para os doadores ou o reverta para o Partido Democrata. No primeiro caso, não há garantia de que os doadores iriam repassar os valores para a nova chapa, seja porque podem ter decidido fazer a doação original com base nos candidatos e não no partido, seja por conta da eventual burocracia.


No segundo caso, o Partido não pode utilizar o dinheiro para bancar outra candidatura presidencial, devendo usar o dinheiro para financiar as demais campanhas. Contudo, e aí reside o grande porém desta alternativa, o montante que poderá ser repassado pelo partido para esses fins já integra um montante de repasse global que o partido pode fazer, o qual certamente já foi atingido ou se encontrava programado.


Claro, há outras alternativas, como a conversão da campanha em um PAC. Mas, mesmo nesse caso, o valor máximo a ser doado seria de alguns poucos milhares de dólares, o que, para fins práticos, faz com que o dinheiro se torne praticamente inútil para a campanha presidencial por outra pessoa que não, Kamala Harris.


Também seria possível que Kamala Harris aceitasse ser vice de outro candidato, mas essa hipótese é altamente improvável, pois transmitiria para o eleitorado que o Partido Democrata teria indicado para vice alguém que entende não ser capaz de assumir a cadeira presidencial, uma vez que ao ter a oportunidade de assumir uma cabeça de chapa, acabou sendo colocada novamente como segunda opção, um ponto que seria fatalmente explorado na campanha e atrapalharia a conquista de votos dos eleitores independentes. Além disto, existe uma expectativa tradicional na política norte-americana que os vices concorrem à sucessão dos titulares, o que acaba atraindo a intenção de políticos populares em aceitar concorrerem à vice-presidência quando são derrotados nas primárias ou mesmo quando não participam delas. O próprio Biden foi vice de Barack Obama.


Assim, uma vez que se está falando de US$ 91 milhões, a vice-presidente norte-americana tem um forte argumento econômico para justificar ser ungida a candidata no lugar de Biden e tentar ser a primeira mulher a assumir a Presidência dos Estados Unidos da América.