Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

A sociedade contemporânea, que supervaloriza os meios tecnológicos, neste tempo onde muito se fala sobre “inteligência artificial”, corre o risco de desconsiderar que seus rumos são decisivamente determinados por valores que habitam no coração humano. A Carta Encíclica do Papa Francisco sobre o amor humano e divino do coração de Jesus sublinha a importância do coração em todos os processos sociais. Por isso, há de se aprender sempre mais sobre o coração – sua força singular na configuração de vínculos essenciais ao impulsionamento do humanismo integral que pode salvar o planeta, dar novos rumos à civilização e revestir de sentido o cotidiano de cada pessoa. Sem a força que vem do coração não é possível superar os riscos do individualismo, que leva à grave fragmentação social, destruindo vínculos altruístas e construtivos, enquanto agrava o caos na civilização, acentuando disputas motivadas pela mesquinhez humana.


Sintoma do individualismo, o narcisismo crescente na contemporaneidade cria um autoisolamento a partir da desconsideração pelo semelhante. Incapacita, pois, o ser humano para as relações saudáveis, tornando a sociedade “um campo de batalha”. Prejudica uma essencial experiência: o aproximar-se de Deus. Sem essa experiência fundamental para cada pessoa, são multiplicadas realidades confusas. A dificuldade para acolher Deus sinaliza que o ser humano não está conseguindo fazer, do seu próprio coração, uma “casa de hóspedes”, ensina o Papa Francisco, citando o filósofo Heidegger. O coração é núcleo essencial para cada pessoa se autovalorizar, e também se abrir ao encontro com o semelhante. Sem esse núcleo, perde-se a condição para unificar e harmonizar a própria história, que passa a ser vivida como narrativas fragmentadas, incapazes de dar sentido ao próprio viver. Sem esse sentido, a vida se torna um “peso”, as dificuldades são encaradas como pesadelo insuportável. É preciso cuidar deste núcleo, o coração, criado para o amor, onde habita a sabedoria para o ser humano amar e ser amado.


Compreende-se que o mundo tão carente de mudanças pode alcançar suas almejadas transformações a partir da força que vem do coração. Afirma o Papa Francisco: valorizar o coração tem consequências sociais, porque os desequilíbrios da atualidade se radicam no coração humano. Não se busca, com esse entendimento, afirmar que o coração humano é a única solução para tudo, pois a humanidade não é autossuficiente – precisa de Deus. Nesse sentido, a Carta Encíclica do Papa Francisco ressalta que o coração de Cristo precisa ser fonte referencial da experiência humana. Cristo é o “coração do mundo”, fonte de lições perenes a respeito da compaixão – caminho de resgate desta terra ferida, na qual Ele quis habitar. Contam a grandeza de gestos e a competência espiritual para partilhar palavras de amor, seguindo o exemplo de Jesus.


O coração humano tem, então, um modelo: um coração que ama, o coração de Jesus. Um modelo que ensina cada pessoa a constituir a própria identidade sem se esvaziar e sem perder rumos, mantendo-se, ao mesmo tempo, aberto ao semelhante. Uma proximidade que liberta, a exemplo do encontro de Jesus com a Samaritana, que a possibilitou conquistar dignidade e sentido para a sua própria vida. Ou o encontro, em uma noite escura, do Mestre com Nicodemos, que tinha medo de ser visto perto de Jesus. A maestria de Cristo se revela também no seu modo de acolher sem preconceitos, conforme ensina a narrativa em que o Mestre, sem se envergonhar, permite que uma prostituta lhe lave os pés. Jesus, com as suas atitudes, mostra que, a partir do coração, feridas são curadas e o ser humano se recompõe.


O encontro com Cristo representa possibilidade efetiva de se conquistar um coração capaz de hospedar o bem e a verdade. A presença de Jesus, com o seu coração, constitui força transformadora que abre caminhos e ilumina os horizontes da humanidade. Do coração de Cristo, brotam palavras vivas com força de convocação e com indicações que conduzem o ser humano ao que é melhor para a sua existência. Jesus ensina que quem cultiva um coração semelhante ao Seu capacita-se para conquistar a paz e não perder o rumo da própria vida. O ser humano, a exemplo de Cristo, precisa semear palavras cheias de sentimentos com uma força de reconfiguração. Muitos poderão considerar essa meta como um simples discurso religioso, mas, afirma o Papa Francisco, trata-se de itinerário decisivo para se alcançar vida nova, bem vivida.


Aprender com o coração de Cristo é investimento que alicerça a interioridade humana, abrindo horizontes para se conquistar inteireza moral e espiritual, humana e cidadã. Possibilita alcançar a grandeza de um amor humano capaz de reconfigurar a sociedade, decisivamente contribuindo para superar graves problemas. Com o aprendizado das lições vindas do coração de Jesus, descortina-se o sentido do encontro com o semelhante e com o diálogo, condições essenciais à construção de uma civilização justa e solidária. O coração é o centro gerador da unidade de cada pessoa. Muitas ciências e saberes podem ajudar na conquista de um coração habilitado para configurar essa unidade, mas é essencial buscar aprender as lições vindas do coração de Jesus. Assim, investe-se para livrar o próprio coração de ódios, de sentimentos nascidos de disputas, qualificando-o para ajudar a humanidade a descobrir o caminho do amor, tecendo a cultura da paz.