Geraldo Fernandes
Professor titular de ecologia da UFMG e coordenador do Centro de Conhecimento em Biodiversidade do Ministério de Ciência e Tecnologia

O acidente na BR 116 que ceifou a vida de pelo menos 41 cidadãos brasileiros e a ponte que rompeu entre os estados de Tocantis e Maranhão na BR 226 no final do ano passado são na realidade crimes. Crimes devido ao completo descaso dos nossos governantes com a segurança do cidadão, com a nossa qualidade de vida. Esses acidentes poderiam ter sido evitados.

A cada ano, milhares de pessoas perdem suas vidas em acidentes e muitas outras ficam com sequelas permanentes, deixando cicatrizes não apenas nos corpos, mas também nas famílias. Em 2022, o Brasil registrou 13.778 mortes em acidentes de trânsito em rodovias, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal. Esse número inclui tanto rodovias federais como estaduais, mas a grande maioria ocorre nas federais.

O impacto desses acidentes vai muito além da tragédia pessoal. Ele reverbera em toda a sociedade e em seus diversos aspectos, seja no plano social, econômico ou emocional.

No Brasil, as estradas continuam sendo um dos locais mais perigosos para a circulação de veículos, com fatalidades acontecendo a cada dia. As vítimas mais frequentemente são jovens em plena fase produtiva, cujas vidas são abruptamente interrompidas, e pessoas idosas. Embora muitas vítimas sobrevivam a acidentes, ficam com sequelas físicas ou psicológicas graves, como paralisias, amputações e traumas psicológicos. Isso gera um custo humano incalculável, mas também um custo financeiro pesado para a sociedade, uma vez que o sistema de saúde pública é sobrecarregado, e há a necessidade de tratamentos médicos, reabilitação, e até pensões para os dependentes das vítimas fatais.

Esse custo financeiro não pode ser ignorado. Além das pensões e do impacto emocional nas famílias, há a perda de mão de obra qualificada e produtiva. Trabalhadores que ficam incapacitados ou que falecem de forma prematura não apenas deixam uma lacuna em suas famílias, mas também geram uma perda econômica significativa. O custo indireto, relacionado ao impacto sobre o mercado de trabalho e a economia, é enorme e não deve ser minimizado. Se as mortes e as lesões causadas por esses acidentes fossem calculadas em termos econômicos, certamente chegariam a valores astronômicos, considerando não só os custos com saúde pública e segurança, mas também o impacto na produtividade e na geração de empregos.

O medo constante que nos acompanha ao viajar pelas rodovias brasileiras é um reflexo direto da ineficiência do sistema de transporte e da falta de investimentos em infraestrutura. O risco de acidentes é uma sombra constante que paira sobre aqueles que dependem das estradas para o seu deslocamento, especialmente quando o trajeto envolve viagens longas e, muitas vezes, em condições adversas, como chuva, neblina ou mau estado da via.

O recente acidente envolvendo o incêndio do ônibus na BR 116 é um trágico exemplo dessa realidade cruel e persistente. Não podemos mais ignorar que esses acidentes não são eventos isolados, mas sim a consequência de um problema estrutural que envolve a falta de investimentos e de responsabilidade na gestão das rodovias. O Brasil tem grandes corredores logísticos e turísticos, como a BR 116, mas a falta de asfaltamento de qualidade, a precariedade das estradas e a ausência de fiscalização e manutenção eficazes são fatores que tornam essas vias verdadeiros campos de risco.

A falta de investimentos adequados nas estradas brasileiras e a negligência dos governantes são um ciclo vicioso que precisa ser rompido. O Brasil possui um potencial enorme para alavancar o turismo e fomentar as economias regionais através de suas rodovias, mas isso só será possível se as estradas forem modernizadas e passarem a oferecer segurança e qualidade no transporte. A construção de estradas de qualidade e a implementação de sistemas de segurança eficientes poderiam reduzir drasticamente o número de acidentes, preservar vidas e impulsionar o desenvolvimento econômico do país.

A questão é que, enquanto os governantes não se unirem de fato para melhorar a qualidade das rodovias, o Brasil continuará a enfrentar uma tragédia atrás da outra. Precisamos urgentemente de uma postura mais responsável por parte dos governos, com investimentos em infraestrutura, fiscalização rigorosa e políticas públicas eficazes que realmente priorizem a segurança nas estradas.  Curiosamente, mesmo com pagamento de pedágio, muitas estradas continuam sem duplicação e mal sinalizadas, o que indica que este modelo precisa também ser avaliado pela sociedade.

Somente com ações concretas e compromisso real com a segurança nas rodovias é que poderemos evitar que mais tragédias como estas se repitam. E, mais importante, somente assim poderemos garantir que as viagens, que hoje representam um risco constante, possam se tornar uma experiência segura para todos os brasileiros.