Laura Brito
Advogada especialista em direito de família e das sucessões

Oassunto sobre as plataformas de apostas no Brasil está cada vez mais evidenciado na imprensa. Nos últimos meses acompanhamos a discussão sobre a regulamentação das plataformas de apostas e mais recentemente os jornalistas têm cuidado de denunciar a relação próxima e perigosa dos grandes influenciadores digitais com as casas de jogos de azar online. Não ficou de fora dos holofotes o dilema ético do volume de gastos dos beneficiários do Bolsa Família com sites de apostas.


A grande preocupação que anima toda essa cobertura sobre a legalização e regulamentação das apostas online no Brasil é o alto poder de vício que esses jogos têm (Reportagem do Estado de Minas publicada na edição de ontem abordou esse problema). Os jogos de azar, como um todo, podem desencadear compulsão. Quem sofre desse mal tem o que se chama jogo patológico. Não é fraqueza de caráter, é um distúrbio psiquiátrico sério. Se a pessoa jogar 30 vezes e perder 29, ela só vai se lembrar da vez que ganhou. Daí a insistência em continuar jogando.


Para piorar, o poder de adição de um jogo é maior quanto menor for o tempo para o resultado da aposta. Em outras palavras, quando a resposta da aposta vem rapidamente, o ciclo das reações cerebrais à emoção do jogo vai se repetindo intensamente e a compulsão se instala. E é aí que está o perigo dos jogos online, especialmente do tigrinho ou do avião – o resultado é imediato.


O que me chama a atenção, contudo, é que as pessoas têm comentado o fenômeno como se fosse algo distante. É coisa dos influencers de milhões de seguidores ou é problema de quem vive de bolsa família. Pare um pouco e pense: se há uma estimativa de que os brasileiros gastam bilhões de reais por mês em apostas, você não acha que estamos cercados de apostadores? Não podemos continuar acreditando que se trata de um movimento alheio ao nosso convívio. Há pessoas com compulsão por jogos no seu ambiente de trabalho e na sua família.


Se você está desconfiado de que uma pessoa de seu círculo de convivência está passando por esse desafio, vale se informar para acolher. Essas pessoas não precisam de julgamento, elas precisam de apoio. A compulsão por jogo não se resolve sozinha – é preciso acompanhamento psiquiátrico e psicológico.


Agora, enquanto a pessoa se convence de aderir ao tratamento e até que ele possa surtir efeito, medidas jurídicas precisam ser tomadas. Isso porque, enquanto o jogador patológico em crise tiver acesso a dinheiro e patrimônio – seu e de sua família – ele vai continuar gastando, colocando em risco a subsistência e o futuro daquelas pessoas.


Há inúmeros casos relatados de pessoas que venderam suas casas, carros e fizeram uma quantidade absurda de dívidas bancárias, usando, inclusive, limites de cartões de crédito e cheque especial. Ou seja, depois que essa pessoa passar pelo tratamento e encontrar uma saída (assim desejo), ela ainda terá uma terra arrasada para se reconstruir.


Quando a família identifica que um de seus entes está nessa situação e está colocando seu futuro em risco, ela pode e deve procurar um advogado para falar sobre curatela. Trata-se de uma medida jurídica em que o juiz nomeia um representante para a pessoa em crise de jogo patológico para cuidar de suas finanças e impedir que ele possa alienar qualquer bem. Com a curatela, também não é possível fazer dívidas em instituições financeiras.


É uma medida bastante delicada, além de gerar uma série de deveres ao curador, que terá que gerir as finanças do curatelado e prestar contas ao Judiciário. Contudo, ao menos, pode ser um freio à compulsão e um incentivo ao tratamento. Pode ser, em última medida, um fio de esperança para a manutenção do patrimônio que ainda resta.


E o mais importante é que a curatela não precisa ser definitiva. Aliás, nesse caso, não deve ser. Com o tratamento consolidado e o comportamento controlado, a curatela pode ser levantada e a pessoa retoma as rédeas da sua vida para um merecido recomeço.