Parlamentares da chamada bancada da bala se articulam para derrubar o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que normatiza o uso progressivo da força por policiais de todo o país. O texto foi publicado na véspera de Natal e está gerando a reação de governadores, integrantes das forças de segurança pública e políticos de direita.
A articulação parlamentar se dá nos bastidores, até o momento, tendo em vista que o Congresso Nacional está de recesso e não tem previsão de levar o tema para avaliação de deputados e senadores antes do início do próximo ano legislativo.
A articulação está sendo encabeçada pelo deputado federal Alberto Fraga (PL-DF). Ele está conversando com outros deputados para avaliar qual o melhor caminho para promover alterações nas regras definidas pelo Ministério da Justiça para a abordagem da polícia e cumprimento de mandados de busca e apreensão.
O Ministério da Justiça informou, em nota publicada após a edição do texto pelo presidente Lula, que, entre os principais pontos, está a definição de que o recurso de força "somente poderá ser empregado quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos".
Também cita que o uso de arma de fogo será sempre "medida de último recurso". Há a previsão de que, sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, a ocorrência deve ser detalhada, nos termos que serão elaborados pela pasta.
A maioria das regras já estava prevista em portarias internas das polícias, em protocolos de atuação e em uma portaria do Ministério da Justiça de 2010. No entanto, com a publicação de um decreto, as normas ganham força de lei e podem, inclusive, pressionar órgãos de segurança pública para fiscalizar a atuação de seus integrantes nas ruas. O decreto prevê a criação do Comitê Nacional de Monitoramento de Uso da Força, que vai fiscalizar a adoção das regras e a conduta das corporações.
Para tornar viável o uso de arma de fogo apenas em último caso, o governo federal deve garantir a disponibilização de equipamento de proteção individual e de, no mínimo, dois equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de choque, a todos os agentes em serviço. Além disso, a pasta da Justiça deve monitorar e divulgar os dados de uso da força de maneira transparente, em relatórios que devem ser levados ao conhecimento da sociedade. O decreto não determina prazos para que os equipamentos sejam fornecidos aos estados.
Thiago Süssekind, advogado e mestrando em Políticas Públicas na Universidade de Oxford, criticou a mobilização contra o decreto. Para ele, não existem alterações significativas nas normas que já estavam previstas para adoção durante a conduta dos policiais em serviço. "O decreto diz que o uso de armas de fogo deve ser o 'último recurso'. Policiais não podem atirar contra pessoas desarmadas em fuga ou em veículos que desrespeitem um bloqueio. Há de haver risco ao policial ou ao terceiro. Nem tem muita novidade. Ninguém pode atirar a esmo", disse.
"É uma uniformização de regras que, de fato, cabe ao Ministério da Justiça, mas, na verdade, a diferença é pequena: a maior parte disso já consta em protocolos das próprias polícias ou na lei. O problema é a prática, não é um decreto que vai mudar isso", completou o especialista.
Reação
No Senado, a medida assinada pelo presidente Lula também repercutiu. Ontem, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL) para tornar sem efeito o texto do Planalto. Mecias afirma que as regras definidas pela Presidência invadem competência do Poder Legislativo e que não podem permanecer.
"Acredito que a segurança pública, como questão de Estado, deve ser tratada com um amplo debate no Congresso Nacional, e não de forma unilateral por decretos. Precisamos garantir a autonomia dos estados e evitar que a segurança pública seja usada como moeda de troca política", argumentou Mecias. O decreto prevê a criação do Comitê Nacional de Monitoramento de Uso da Força, que vai fiscalizar a adoção das regras e a conduta das corporações.
As normas foram sugeridas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que ocupou uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF). O titular da pasta defendeu o decreto e afirmou que a intenção é preservar os direitos humanos, combater abordagens com base em avaliações preconceituosas de cor, orientação sexual, religião, entre outras. Os estados que não atenderem ao que foi determinado podem ter o acesso ao Fundo Nacional de Segurança Pública restringido. O fundo assegura os repasses do governo federal para que as unidades da Federação possam subsidiar a manutenção das forças de segurança e outras ações voltadas a preservar a segurança da população e ao combate à criminalidade.