A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), nesse sábado (28/12), pedindo a inconstitucionalidade de um decreto assinado pelo governador Romeu Zema (Novo) que flexibiliza as regras de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) em Minas Gerais.
A CLPI é um pré-requisito para realizar atividades dentro de territórios dos povos originários. Segundo a Apib, o decreto flexibiliza o direito à consulta prévia antes de um licenciamento ambiental. A norma foi assinada por Zema em setembro deste ano, regulamentando uma série de quesitos para a consulta.
O decreto, por exemplo, dispensa a necessidade de consulta aos povos indígenas, comunidades quilombolas, ou povos e comunidades tradicionais que se encontram em área urbana consolidada, desde que o empreendimento não esteja dentro dos limites de sua terra, ou no caso de consulta por outro órgão de outro ente federado em processos de licenciamento ambiental de mesmo objeto.
A normativa também descreve como povos indígenas aqueles reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e seus territórios demarcados e homologados pela União. Segundo a Apib, essas normativas violam alguns princípios da Constituição, além da convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Congresso Nacional.
O decreto do governo de Minas Gerais ainda permite que a CLPI possa ser realizada pelo próprio empreendedor no caso de possíveis impactos provenientes de projetos desenvolvidos pela iniciativa privada. Em caso de consulta feita pelo Estado, compete a execução da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese).
- Morre mineiro Geraldo Quintão, advogado-geral nos governos Itamar e FHC
- Gestão de Pacheco no Senado passou por 8/1, pandemia e ataques às urnas
No caso dos critérios adotados para o reconhecimento dos povos, a organização argumenta que ela vai contra o princípio da autodeterminação dos povos indígenas, reconhecido pela Constituição de 1988.
“Lei Maior afastou a possibilidade de reconhecimento da identidade indígena a partir de instituições estatais, como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ou quaisquer outras concepções que fujam desse parâmetro, como o fato de estarem em contexto urbano ou rural. (...) Indígena é indígena independente de reconhecimento estatal ou o local em que se encontram”, ressalta a Apib.
Ao permitir que o próprio empreendedor execute o processo de consulta prévia, a Apib disse que a convenção da OIT determina que a consulta aos povos interessados deve ocorrer por meio de suas instituições representativas. De acordo com a entidade, a consulta é um dever dos Estados sempre que houver medidas que possam afetar os povos indígenas.
“A consulta deve ser realizada por meio de canais livres e adequados, devendo o poder público oferecer o apoio necessário para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos afetados, de modo que, para o alcance de um acordo ou consentimento, a consulta precisa ser realizada de boa-fé e de maneira apropriada às circunstâncias, observa-se que o dispositivo do decreto atua em direção oposta ao texto ratificado pelo país com natureza jurídica de emenda constitucional”, destaca.
O Estado de Minas procurou o Governo de Minas Gerais para uma manifestação sobre as argumentações da Apib e sobre a ação no STF, mas até o fechamento da reportagem não houve retorno. O espaço segue aberto e será atualizado assim que houver resposta.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
Ao entrar com a ação no STF, a Apib ainda pediu uma medida cautelar que suspenda de maneira imediata os efeitos do decreto até que haja uma decisão final do plenário. “O perigo de dano ao resultado útil do processo encontra-se consubstanciado no fato de que a vigência da Lei vergastada poderá gerar danos irreversíveis aos povos indígenas, substanciado, principalmente, no impedimento que povos indígenas em condições contrárias ao previsto no normativo sejam consultados”, argumentam.