Em um apartamento tombado pelo Patrimônio Público da capital, obra de Raphael Hardy Filho, um dos ícones da arquitetura modernista da cidade, o presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte até o dia 31 deste mês, Gabriel Azevedo (MDB), 38 anos, recebeu a reportagem do Estado de Minas. É lá, no Centro da cidade, cercado de quadros, antiguidades, bicicletas, livros, lembranças de viagem e muitas referências à capital que mora Gabriel, como o político prefere ser chamado. Tomando um xeque-mate, bebida queridinha da cidade, e acompanhado do ex-vice-governador Paulo Brant (MDB), hoje amigo pessoal, ele fez um balanço de erros e acertos em seus dois anos à frente do Legislativo da capital, onde colecionou desafetos, ganhou fama de brigão e enfrentou dois pedidos de cassação, sob acusação de abuso de poder, em uma queda de braço com o secretário de Estado de Casa Civil Marcelo Aro, articulador político da chamada Família Aro na CMBH.
Uma dose de autoritarismo e vaidade, ele admite, foram os seus pecados quase capitais nesse processo que, segundo Gabriel, foi um aprendizado. O primeiro ele credita aos anos de Colégio Militar. Ambos, garante, estão sendo tratados na terapia, todas as quartas-feiras, às 8h.
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“Meus defeitos estão muito ligados à ideia de um jovem que estudou no Colégio Militar e foi formado em um ambiente de hierarquia e disciplina, duas palavrinhas que não combinam com política, onde ninguém tem patente. Os caminhos não são em linha reta e é muito importante dialogar o tempo inteiro. Eu posso sintetizar esses erros em alguém que tinha, por vezes, boa intenção, mas exagerava na crítica e no tom. Alguém que queria impor as suas ideias sem conversar na quantidade que a política exige, somado ao fato de que sou um homem vaidoso”, afirma. Os acertos, segundo ele, foram o fim dos escândalos de corrupção envolvendo o Legislativo; e a redução de projetos inconstitucionais e em tramitação na Casa. “Isso é histórico”, afirma.
Para ele, tudo isso foi um aprendizado que o ajudou “a não explodir” e adotar uma postura mais “light” nas eleições para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), onde terminou em quarto lugar, apesar de alguns tropeços e pitadas de sarcasmo dedicadas aos adversários.
O Gabriel mais “paz e amor”, ele atribui às sessões de análise e aos conselhos que recebeu do senador Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso Nacional, conhecido no meio político pelo tom sereno e conciliador. Segundo ele, junto com o grupo de 14 vereadores que, ao seu lado, segurou os processos de cassação na Câmara, Pacheco foi uma das figuras que mais o ajudou nesse período. “Ele me disse, com aquele tom dele: ‘vou lhe ajudar, mas apegue-se a liturgia do cargo’. Foi um bom conselho”, afirma.
O vereador conta também que se inspirou em outra jovem liderança como ele, o presidente reeleito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Tadeu Martins Leite (MDB), reconhecido como um político aglutinador que, segundo Azevedo, seria um nome excelente para disputar o governo do estado em 2026.
O vereador admite que, além do processo de cassação, as brigas que travou com o ex-prefeito Alexandre Kalil (sem partido), com o prefeito reeleito Fuad Noman (PSD), com seu colegas de vereança e com demais integrantes da política mineira, entre eles Marcelo Aro, também foram importantes para que ele se tornasse um “outro Gabriel” .
Retrato oficial
Tanto que, durante o auge da tramitação do seu pedido de cassação, Gabriel conta que mandou pintar um quadro seu para colocar na galeria de ex-presidentes da CMBH, caso perdesse o mandato. Não perdeu e, recentemente, mandou pintar um outro que vai substituir o feito durante esse processo. Nesse segundo retrato, estrategicamente colocado ao lado do primeiro, no corredor de seu apartamento, ele aparece menos jovem, com o nariz menos empinado e mais sisudo. “Esse é o novo Gabriel”, diz.
Azevedo conta que chegou a temer a possibilidade de perder o mandato. “O que senti de pior foi a ideia de me tornar um homem envergonhado de andar na cidade que eu amo e ser apontado como aquele que perdeu seus direitos políticos, ainda que o motivo, na minha concepção, fosse injusto. Para mim, seria a morte. Eu amo essa cidade. Ser impedido de vivenciá-la politicamente equivaleria àquela punição inventada em Atenas, o ostracismo, ser exilado da própria cidade. Foi muito ruim”, diz.
Gabriel garante que não vai concorrer a nenhum cargo eletivo em 2026 e que, a partir do ano que vem, não quer ser chamado de “ex-vereador”, mas de “pré-candidato a prefeito de Belo Horizonte”, eleição que só será disputada novamente em 2028. Ainda assim, segundo ele, já apareceram convites para disputar uma vaga para o Senado ou a cadeira de vice-governador em uma chapa que prefere manter em sigilo. Seus planos são abrir um novo bar (ele já é proprietário do Mina Jazz, na Avenida Álvares Cabral, no Centro), continuar dando aulas (do curso de direito), presidir a Fundação Ulysses Guimarães em Minas Gerais, e se preparar para disputar a prefeitura no próximo pleito. “Vou continuar trabalhando muito. Não sou herdeiro”.
Obsessão
Convicto, Gabriel afirma que será prefeito e já faz planos. Abrindo as janelas de seu apartamento, que dão para os fundos da Igreja São José, ele mostra a edificação que cerca o templo, e afirma que, quando for prefeito, vai demolir tudo para retomar o traçado original da praça. Então, mostra o mapa, pendurado na parede, que mostra como o espaço era antigamente.
Planos para a capital, uma obsessão em sua vida, não faltam. A cobiça está estampada nos discursos e em uma infinidade de objetos, mapas e fotos. Alguns objetivos são até considerados meio mirabolantes, como a promessa feita de demolir o Complexo da Lagoinha para dar lugar a um parque, e a construção de avenidas subterrâneas. “Não quero ser prefeito por poder. É por amor mesmo”.
Amor que, segundo ele, começou por volta dos 10 anos, quando viu um mapa de BH em uma lista telefônica e questionou seus pais, Carmem e Gilson, sobre o motivo do traçado no interior da Avenida do Contorno ser quadriculado. Os dois, conta Gabriel, não souberam explicar, mas o aconselharam a buscar informações na Biblioteca Pública. Lá, segundo ele, virou leitor fiel de tudo que já foi escrito sobre a cidade. O vereador se gaba de saber “absolutamente tudo sobre a história de BH dos anos 1890 para cá e também das pessoas da cidade”.
Assumidamente bissexual, aprecidador de festas e folião de carteirinha, diz não temer a fama de cidade conservadora atribuída a BH e o uso nada republicano que os adversários podem fazer desse assunto. “Vergonha teria se me chamassem de corrupto”.
“Eu sou o que eu sou, e o que está sempre em jogo em uma eleição são as ideias que eu defendo. Não faço da minha vida pessoal um palanque, por isso a deixo tão aberta aos que quiserem atirar pedra, por gentileza, venham com elas, vou reunir todas e construir um castelo”.