Consumir conteúdos passivamente em excesso, em qualquer dispositivo, está associado a prejuízos tanto cognitivos, quanto psicossociais  -  (crédito: Freepik)

Consumir conteúdos passivamente em excesso, em qualquer dispositivo, está associado a prejuízos tanto cognitivos, quanto psicossociais

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Quando o assunto é o uso de telas por crianças, não basta limitar o número de horas para reduzir os danos. É preciso levar em conta também outros fatores, como o conteúdo, o propósito e com quem utilizam. Uma revisão de estudos publicada em agosto no periódico "Jama Pediatrics" mostra que a prioridade deve ser o uso produtivo e compartilhado com os cuidadores e a exposição a temas adequados.

 

Apesar de não faltarem evidências dos prejuízos desses dispositivos, as recomendações atuais em diversos países têm se baseado em controlar o tempo total de telas, sem levar em conta o contexto do uso nem diferenciar o tipo (por exemplo, se é recreativo ou educativo). De acordo com especialistas, também é preciso considerar os equipamentos usados: dos aparelhos tradicionais, como televisão e computador, aos smartphones e tablets.

 

 

Para dimensionar esses impactos, pesquisadores de diferentes instituições da Austrália fizeram uma revisão de cem estudos, totalizando mais de 176 mil crianças com menos de seis anos em 30 países. Os resultados mostraram que consumir conteúdos passivamente em excesso, em qualquer dispositivo, está associado a prejuízos tanto cognitivos (linguagem, das funções executivas e habilidades acadêmicas, por exemplo) quanto psicossociais, como problemas de comportamento e falta de competência emocional para lidar com diversas situações.

 

Isso também ocorre se os cuidadores têm o hábito de usar ou oferecer algum dispositivo enquanto se encarregam da criança, por exemplo, nas refeições. Já o fato de assistir a temas inapropriados para a idade – como violência ou conteúdo adulto - afeta o desenvolvimento psicossocial. O simples hábito de manter a televisão ligada no ambiente também perturba, pois funciona como um disruptor de atenção.

 

“O estudo mostra que o controle do uso de telas deve estar muito além do limite do tempo, pois o impacto no desenvolvimento da criança é multifatorial”, diz a pediatra Karina Rinaldo, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Não basta ter aquelas funções tipo ‘controle parental’, pois eles estão expostos a muito conteúdo inapropriado nas redes, inclusive a publicidade. É um mundo aberto.”

 

Além disso, sabe-se que estímulos sensoriais e motores na primeira infância são essenciais e formam a base para as conexões neurais e seu desenvolvimento. “Os primeiros mil dias são um período crítico”, frisa a médica. “Nessa fase, a tela que a criança precisa ver são os olhos dos pais, ela precisa desse contato olho no olho. É através dessa comunicação sensorial que ela começa a espelhar as expressões faciais.

 

 

Segundo a especialista, essa interação afetiva com o ser humano é a base para a construção de todo seu desenvolvimento futuro. “É assim que se adquire habilidades simples, que são pré-requisitos para o aprimoramento de outras funções”, observa. 

 

Isso sem contar a explosão de casos de doenças mentais, como depressão e ansiedade, que estão aparecendo cada vez mais cedo. “O contato precoce com jogos e o uso exagerado das redes sociais leva a um importante agravo na saúde que é a dependência digital, explicada também pelo mecanismo cerebral de recompensa. Os likes nos posts e a busca pela próxima fase do joguinho têm esse efeito e liberam a dopamina [neurotransmissor associado à sensação de prazer].”

 

Por outro lado, o estudo constatou uma associação positiva entre cognição e o uso compartilhado com os cuidadores. Segundo os autores, essa forma de usar os equipamentos digitais pode promover a interação, estimular o desenvolvimento do vocabulário e gerar oportunidades de aprendizado, dependendo de como for feita. “Como é difícil eliminar as telas completamente, deve-se associar seu uso a um propósito, ou ainda aproveitar o momento para criar uma nova interação com a criança para que se obtenha um benefício, como demonstram os estudos”, diz a pediatra. 

 

Menos telas e mais saúde


A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) atualizou em agosto a recomendação sobre o uso de telas por crianças e adolescentes, reforçando que antes dos dois anos não existe uso adequado. O documento da SBP, chamado #MenosTelas #MaisSaúde, traz as seguintes indicações em relação a esses dispositivos:

 

  • Evitar a exposição de menores de dois anos sem necessidade, nem passivamente
  • Entre dois e cinco anos limitar o uso a uma hora por dia no máximo, sempre com supervisão
  • Entre seis e 10 anos, usar no máximo entre uma e duas horas por dia, com supervisão
  • Adolescentes entre 11 e 18 anos devem usar esses dispositivos por no máximo duas a três horas diárias, incluindo videogames. E jamais devem passar a noite jogando. Acima de quatro ou cinco horas por dia aumentam os riscos à saúde e de problemas comportamentais
  • Crianças e adolescentes não devem usar equipamentos digitais isolados no quarto, tampouco durante as refeições. Procure saber com quem seu filho fala ou joga e ofereça alternativas ao ar livre sempre que possível
  • Desconectar entre uma e duas horas antes de dormir para não prejudicar a liberação dos hormônios envolvidos no adormecer e a qualidade do sono

 

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