Casas de pedra se estendem por três níveis em Kinver Edge -  (crédito: National Trust)

Casas de pedra se estendem por três níveis em Kinver Edge

crédito: National Trust

Foi em meados do século 20 que os últimos habitantes de cavernas na Inglaterra abandonaram suas casas em uma região rural perto de Birmingham, no centro-oeste do país.

Ao longo de séculos, dezenas de famílias haviam construído suas moradias em cavernas de arenito na pitoresca Kinver Edge, em uma área de escarpa com vistas panorâmicas que alcançam quilômetros.

Com o tempo, essas e outras cavernas na zona rural do condado de Staffordshire foram transformadas em verdadeiras casas de pedra, que chegaram a se tornar atração para turistas.

 

 

Claire Hale, funcionária do National Trust, organização que cuida da preservação do patrimônio histórico e cultural da Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, conta que esse "povo das cavernas" moderno por muito tempo gozou de uma qualidade de vida melhor que a do resto do país.

"Durante a Revolução Industrial, as pessoas estavam expostas à poluição, a doenças - quem chegasse até os 50 anos estava indo bem. Enquanto isso, eles [nas casas de pedra] estavam vivendo até os 80 anos."

Uma imagem aérea de drone mostrando casas construídas na encosta de uma colina com portas e janelas cortadas no arenito. Algumas aberturas de cavernas podem ser vistas.
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Casas de pedra se estendem por três níveis em Kinver Edge

O registro mais antigo de residência nas cavernas data de 1617, mas o início da ocupação desses espaços, segundo Hale, pode ser ainda mais antigo.

"Possivelmente até milhares de anos antes disso, já que temos um forte da Idade do Ferro no topo da colina. As pessoas podem tê-las usado como abrigo há muito tempo", argumenta.

Quem visitou as casas em cavernas na época em que eram habitadas afirma que elas eram quentes no inverno e frescas no verão.

A maleabilidade do arenito vermelho permitiu que fossem facilmente ampliadas e algumas, de fato, chegaram a crescer substancialmente, ganhando móveis, fogões, banheiras e salas de jantar.

Ainda assim, seus moradores eram bastante discretos.

"Havia um elemento de vergonha", diz Hale.

As famílias tinham empregos como qualquer outra, as crianças iam à escola, mas a forma como viviam não era algo sobre o que costumavam comentar, ela completa.

Interior de uma casa com azulejos avermelhados no chão. Uma cama de ferro fica em um canto com uma cômoda de madeira escura ao lado, com um espelho em cima. Outros móveis, incluindo uma mesa e uma cadeira, estão no quarto. Um cano de um fogão a lenha pode ser visto ao lado da cama.
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Cavernas foram reformadas e transformadas em quartos e outros cômodos

As casas de pedra foram mencionadas novamente em 1777, quando Joseph Heeley, que escreveu um livro de viagem, se abrigou numa delas durante uma tempestade.

No censo de 1861, 11 famílias estavam listadas como residentes.

Muitos trabalhavam como operários em fazendas ou nas siderúrgicas locais, enquanto outros tinham empregos como lavadeiras, barqueiros e carteiros.

Rose Novak morou em uma delas até 1956 e contou ao Trust antes de morrer: "Quando você chegava lá, era realmente agradável".

"Eram como três chalés separados, chalés de dois quartos."

"O chão era de ladrilhos de pedra, a sala de estar tinha carpete... as paredes eram de arenito, rebocadas."

"Costumávamos cultivar tudo no jardim. Plantávamos árvores frutíferas, maçãs, ameixas e peras. Costumávamos cultivar todos os tipos de vegetais, tudo".

Duas crianças em um alpendre de madeira com telhado de ferro, próximo a uma rocha. Elas estão de bermuda e são vistas em sépia. Atrás deles há uma placa com uma mensagem escrita a giz e, ao lado, uma mesa de madeira com garrafas.
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Moradores vendiam quitutes aos visitantes

No final do século 19 e no início do século 20, as casas de pedra e a paisagem circundante eram uma sólida atração turística.

"As pessoas não costumavam sair de férias como fazemos agora, elas saíam para passar o dia e iam para algum lugar de fácil acesso, assim, iam para Kinver Edge", explicou Hale.

Uma linha de bonde inaugurada em 1901 conectava Kinver com cidades dos arredores.

Os moradores das casas de pedra aproveitavam e vendiam lanches aos visitantes.

Em uma entrevista com o National Trust antes de sua morte, Margaret Handley, nascida em Kinver em 1911, descreveu como ajudava seus tios com os chás na década de 1920.

"Víamos as primeiras pessoas descerem [dos bondes] e era nesse momento que eles ligavam as chaleiras para os chás", disse ela.

Bill Reeves morava em uma das casas de pedra e também relembrou: "Eu costumava fazer todos os bolos, quando tinha apenas 10 ou 11 anos de idade.

"Eu voltava da escola nas sextas-feiras e passava a noite preparando bolos para o fim de semana durante o verão."

Uma mulher vestindo um jaleco branco com mangas pretas está ao lado de uma porta com as mãos sobre uma cabra. Ao lado delas, há um poço de madeira coberto com uma corda enrolada e um balde. Ao lado do poço, há um menino com chapéu, moletom e calças.
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As casas não tinham água encanada e os moradores precisavam obtê-la em poços

Com a popularização dos automóveis, o serviço de bonde foi encerrado.

Como não havia água encanada nem eletricidade, as pessoas começaram a trocar as casas de pedra por moradias mais modernas.

A maioria das famílias foi embora na década de 1930, mas os últimos residentes partiram na década de 1960, e as casas de pedra entraram em decadência.

Necessidade de pesquisas em rochas

Na década de 1980, foi formado um comitê para tentar salvar as casas.

Em 1993, as primeiras começaram a ser restauradas - outras só foram restauradas a partir de 2010.

Hale afirma que o Trust precisa de dinheiro para mantê-las, inclusive para pesquisas de rochas, mas que os visitantes continuam maravilhados com as casas de Kinver Rock.

"As pessoas se referem a elas como cavernas, mas quando você entra, vê o fogão, camas, móveis, janelas e portas... Aí você vê que é um lar."