Subhash e Singhania (a segunda, a partir da direita) se casaram em 2019, mas viviam separados há três anos -  (crédito: Polícia de Bengaluru)

Subhash e Singhania (a segunda, a partir da direita) se casaram em 2019, mas viviam separados há três anos

crédito: Polícia de Bengaluru

Na noite de nove de dezembro, um homem indiano se suicidou aos 34 anos de idade. Ao lado do corpo, havia um cartaz dizendo "a justiça é devida".

Atul Subhash deixou uma carta de suicídio detalhada, com 24 páginas, e um vídeo de 81 minutos. Ele culpou as dificuldades do seu casamento e o processo de divórcio pela decisão.

A carta e o vídeo contêm detalhes dolorosos sobre sua vida. Eles viralizaram e provocaram indignação nas redes sociais.

Subhash era engenheiro de software e vivia em Bengaluru (antiga Bangalore), no sul da Índia. Ele acusou sua esposa afastada, Nikita Singhania, sua mãe e o irmão de assédio prolongado e tortura. Eles negam a acusação.

 

 

Os três foram detidos poucos dias depois e a Justiça determinou sua prisão preventiva por 14 dias.

A notícia também mobilizou os ativistas pelos direitos dos homens. A trágica morte de Subhash deu início a um debate maior sobre a rígida legislação indiana sobre o dote, criada para proteger as mulheres contra o assédio e até assassinato.

Singhania havia acusado Subhash e sua família de assédio pelo dote.

Muitos defendem que, com o contínuo aumento dos casos de divórcio no país, a legislação passou a ser objeto de uso indevido por mulheres para assediar seus maridos, levando até ao suicídio.

A Suprema Corte da Índia também se manifestou. Um juiz descreveu a lei como "terrorismo legal", defendendo que ela foi "criada para ser usada como proteção e não como arma para assassinos".

Mas as defensoras dos direitos das mulheres destacam que a exigência de pagamento de grandes dotes pelas famílias dos maridos continua matando milhares de mulheres, todos os anos.

Subhash e Singhania (a segunda, a partir da direita) se casaram em 2019, mas viviam separados há três anos
Polícia de Bengaluru
Subhash e Singhania (a segunda, a partir da direita) se casaram em 2019, mas viviam separados há três anos

Subhash e Singhania se casaram em 2019, mas eles moravam separados há três anos. Subhash afirmou que não conseguia ver seu filho, de quatro anos de idade.

Ele disse que a esposa apresentou "ações judiciais falsas", que o acusavam de crueldade, abuso por dote e diversas outras transgressões.

No vídeo, ele acusou a família Singhania de "extorsão". Eles teriam exigido, segundo Subhash, 30 milhões de rúpias (cerca de US$ 350 mil, ou R$ 2,17 milhões) para retirar as ações, 3 milhões de rúpias (cerca de R$ 217 mil) pelos direitos de visita ao filho e pediram aumento da pensão mensal de 40 mil rúpias (cerca de R$ 2,9 mil) para 200 mil rúpias (cerca de R$ 14,5 mil).

Ele contou sobre as dezenas de vezes em que empreendeu longas viagens para comparecer a audiências nos últimos anos.

Subhash também acusou um juiz de assédio, por ridicularizá-lo e pedir propina. Uma nota aparentemente emitida pelo juiz qualifica as acusações de "sem base, imorais e difamatórias".

A notícia do suicídio gerou uma onda de protestos em várias cidades. Muitas pessoas foram às redes sociais para pedir justiça para Subhash.

Os manifestantes pediram que o suicídio seja tratado como assassinato. Eles atacaram Singhania, exigindo sua detenção e condenação à prisão perpétua.

No X, antigo Twitter, milhares de pessoas marcaram a empresa multinacional americana onde ela trabalhava, exigindo sua demissão.

Após as manifestações de indignação, a polícia de Bengaluru abriu um processo contra as pessoas indicadas na carta de suicídio. E, em 14 de dezembro, Singhania, sua mãe e o irmão foram presos sob acusação de "incitação ao suicídio".

Durante o interrogatório, Singhania negou a acusação de que ela teria assediado Subhash por dinheiro, segundo declarou a polícia ao jornal The Times of India.

No passado, Singhania também havia apresentado graves acusações contra o seu marido.

Na sua petição de divórcio, em 2022, ela acusou a ele, seus pais e irmão, de assediá-la pelo dote. Ela afirmou que eles haviam ficado insatisfeitos com os presentes oferecidos por seus pais durante o casamento e exigiram mais 1 milhão de rúpias (cerca de R$ 72,3 mil).

Um protesto de ativistas dos direitos dos homens em Mumbai exigindo justiça para Atul Subhash
BBC
Defensores dos direitos dos homens promoveram protestos em muitas cidades indianas. Eles exigem justiça para Atul Subhash

Os dotes foram proibidos na Índia em 1961. Mas ainda se espera que a família da noiva ofereça presentes em dinheiro, roupas e joias para a família do noivo.

Um estudo recente indica que 90% dos casamentos na Índia envolvem dotes e os pagamentos realizados entre 1950 e 1999 totalizaram US$ 250 bilhões (cerca de R$ 1,54 trilhão).

Segundo o Escritório Nacional de Registros de Crimes da Índia, 35.493 noivas foram mortas no país entre 2017 e 2022 por questões de dote. Este número representa, em média, 20 mulheres por dia – em alguns casos, anos após o casamento.

Somente em 2022, mais de 6.450 noivas foram assassinadas por questões relacionadas ao dote – uma média de 18 mulheres por dia.

Singhania afirmou que seu pai morreu de ataque cardíaco logo após o casamento, quando os pais de Subhash o procuraram para exigir o dinheiro.

Ela também declarou que seu marido costumava ameaçá-la e "me bater depois de beber álcool, tratando o relacionamento marido-mulher como uma fera" ao exigir práticas sexuais forçadas. Subhash havia negado todas as acusações.

A polícia afirma que ainda está investigando as acusações de um lado e de outro, mas o suicídio de Subhash aumentou as exigências de revisão (e até eliminação) da rigorosa lei antidotes da Índia – o Capítulo 498A do Código Penal do país.

A legislação entrou em vigor em 1983, depois de uma onda de mortes por questões de dote na capital indiana, Nova Déli, e em outras partes do país.

Havia relatos diários de noivas queimadas até à morte pelos maridos e sogros, além de assassinatos frequentemente decorrentes de "acidentes domésticos". Fortes protestos de mulheres parlamentares e ativistas forçaram o parlamento indiano a criar a legislação.

Segundo a advogada Sukriti Chauhan, "a lei chegou depois de uma luta longa e difícil" e "permite que as mulheres busquem justiça em casos de crueldade nos seus lares matrimoniais".

Atul Subhash com sua mãe em tempos mais felizes - ambos estão sentados em um banco cor de creme ao ar livre. Ele está vestindo uma camiseta azul, shorts, tem o que parece ser uma bolsa de câmera em volta do pescoço e está sorrindo para a câmera com o braço em volta da mãe. Sua mãe está vestindo um vestido tradicional vermelho e também está sorrindo para a câmera
BBC
Nikita Singhania acusou Subhash (na foto, com sua mãe), seus pais e irmão de assediá-la pelo dote. Eles negaram as acusações

Mas, ao longo dos anos, a lei chegou repetidamente às manchetes da imprensa. Ativistas pelos direitos dos homens afirmam que ela está sendo mal utilizada pelas mulheres, para assediar seus maridos e parentes. A Suprema Corte indiana também alertou contra o mau uso da legislação em diversas ocasiões.

No mesmo dia da notícia do suicídio, a Suprema Corte destacou mais uma vez – sobre outro caso, não relacionado com a morte de Subhash – "a crescente tendência de mau uso das regulamentações como ferramenta para desatar vinganças pessoais contra maridos e suas famílias".

Amit Deshpande é o fundador da organização de defesa dos direitos dos homens Fundação Vaastav, com sede na cidade mais populosa da Índia, Mumbai. Ele afirma que a lei está sendo usada "principalmente para extorquir os homens" e que "milhares de outros estão sofrendo como Subhash".

Ele conta que seu serviço de assistência telefônica recebe cerca de 86 mil ligações todos os anos. A maior parte dos casos envolve disputas matrimoniais que incluem falsos casos de dote e tentativas de extorsão.

"Uma indústria doméstica se formou em torno da lei", ele conta.

"Em cada caso, 18 a 20 pessoas são acusadas e todas elas precisam contratar advogados e ir à justiça para pedir caução. Houve casos em que um bebê de dois meses e um nonagenário doente foram acusados de abuso relativo a dotes."

"Sei que são exemplos extremos, mas o sistema como um todo permite isso, de alguma forma", explica Deshpande. "A polícia, o judiciário e os políticos estão fazendo vistas grossas para as nossas preocupações."

Defensores dos direitos dos homens segurando cartazes durante protesto na Índia
Getty Images
Defensores dos direitos dos homens afirmam que a lei dos dotes está sendo usada "principalmente para extorquir os homens"

Ele afirma que, segundo os dados do governo indiano sobre crimes em mais de 50 anos, os homens que se suicidam, em sua grande maioria, são casados. E a discórdia entre as famílias foi a razão de um em cada quatro casos.

Deshpande conta que o patriarcado também trabalha contra eles.

"As mulheres têm recursos legais e recebem solidariedade. Mas as pessoas riem dos homens que são assediados ou apanham das esposas", explica ele.

"Se Subhash fosse mulher, ele poderia ter recorrido a certas leis. Por isso, vamos fazer leis neutras de gênero e estender a mesma justiça aos homens, para podermos salvar vidas."

Deshpande destaca que também deveria haver punições rigorosas para as pessoas que fazem uso abusivo das leis – caso contrário, elas não irão surtir os seus efeitos.

Chauhan concorda que as mulheres que fizerem mau uso da lei devem ser punidas. Mas ela destaca que qualquer lei pode ser empregada de forma abusiva.

O caso de Bengaluru corre na Justiça e, se for comprovada que as acusações são falsas, Singhania deveria ser punida, segundo Chauhan.

"Mas não apoio que a lei se torne neutra de gênero", prossegue ela. "Esta reivindicação é um retrocesso, pois desconsidera a necessidade de medidas especiais que reconheçam que as mulheres sofrem impactos desproporcionais com a violência."

Chauhan destaca que as pessoas que recorrem ao Capítulo 498A são "levadas pelo patriarcado e, como é uma lei para as mulheres, existem tentativas de derrubá-la".

"A lei veio depois de anos de injustiças causadas pela sociedade patriarcal. E este patriarcado permanece sendo a realidade da nossa geração e irá continuar assim pelas próximas."

Apesar da lei, ela conta que a exigência de dote é generalizada e milhares de noivas continuam sendo mortas por este motivo. Por isso, o que é preciso fazer agora é "fortalecer a lei".

"Se três em cada 10 casos apresentados forem falsos, cabe aos tribunais impor a pena a eles", defende Chauhan. "Mas as mulheres ainda sofrem muito mais neste país e, por isso, não peça para revogar a lei."

 

 

Caso seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio, ou caso você tenha perdido uma pessoa querida para o suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:

- O Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opção de conversa por chat, e-mail e busca por postos de atendimento ao redor do Brasil;

- Para jovens de 13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;

- Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);

- Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;

- Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) 24h;

- Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito em todo o Brasil.

- Para aqueles que perderam alguém para o suicídio, a Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) oferece assistência e grupos de apoio.