"Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso."
Estas foram as palavras do ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica ao veículo local Búsqueda, em entrevista publicada na quinta-feira (9/1).
Mujica, de 89 anos, anunciou em abril que havia sido diagnosticado com um tumor no esôfago. Desde então, passou por inúmeras intervenções médicas.Ao Búsqueda, ele contou que o câncer está se espalhando por todo o corpo e que decidiu não se submeter a mais tratamentos.
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"O câncer no meu esôfago está colonizando meu fígado. Não consigo pará-lo com nada. Por quê? Porque sou um homem velho e porque tenho duas doenças crônicas", disse Mujica.
"Não posso fazer nem um tratamento bioquímico nem uma cirurgia porque meu corpo não aguenta."
O político aposentado, que continua sendo uma das figuras mais carismáticas do país e um dos líderes mais reconhecidos internacionalmente na região, afirmou: "O que eu peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas ou qualquer outra coisa".
Isso encerra o extraordinário ciclo político pelo qual Mujica passou por mais de meio século, em várias etapas: de guerrilheiro Tupamaro a prisioneiro torturado, de legislador e ministro a presidente, de 2010 a 2015.
Foi durante esses anos que ele surpreendeu o mundo com seus discursos anticonsumistas e sua vida austera, que ele quis manter até seus últimos dias.
Na entrevista ao Búsqueda, ele disse que comprou um trator, no qual anda "um pouquinho" todos os dias, e que quer dedicar o tempo restante ao trabalho em sua fazenda, localizada nos arredores de Montevidéu.
No final de novembro, Mujica falou à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, quando refletiu sobre sua trajetória: "Apesar de tudo, fiquei anos preso, tudo aconteceu comigo, depois virei presidente. Então tenho que agradecer à vida".
Poucos dias antes da entrevista, ele havia fechado mais um capítulo ao conseguir levar seu projeto de esquerda para além de sua figura com a eleição de seu sucessor, Yamandú Orsi, como novo presidente do Uruguai, que tomará posse em março.
Em entrevista coletiva na quinta-feira, a médica pessoal de Mujica, Raquel Pannone, explicou que, apesar das metástases, ele "não tem alterações em sua vida diária e nem dores".
Ele também reiterou o pedido de privacidade, dizendo: "Vamos nos afastar do Pepe Mujica político e nos concentrar em um homem de (quase) 90 anos que está doente e que tem o direito de usar seu tempo como achar melhor".
Na entrevista ao Búsqueda, Mujica agradeceu à esposa, a ex-vice-presidente do país, Lucía Topolansky, e reiterou seu desejo de ser enterrado em sua fazenda, ao lado de sua cadela, Manuela.
"Vou morrer aqui. Tem uma sequoia grande lá fora. Manuela está enterrada lá. Estou preenchendo a papelada para que eles possam me enterrar lá também. E é isso."